16/08/2013 - 21:00
Durante quase todo o século XX, quando um investidor pensava em Wall Street, a referência que lhe vinha à cabeça era o índice Dow Jones Industrial, composto por 30 ações de grandes grupos industriais dos Estados Unidos. O Dow servia como um termômetro preciso dos humores do mercado americano e refletia os prognósticos para a economia, fossem bons ou ruins. No entanto, o mundo mudou. O surgimento de empresas como Microsoft e Apple e, mais recentemente, Google e Facebook, reduziu a importância relativa da indústria na geração de riqueza.
Pregão da Bovespa nos anos 1970: a largura das gravatas parece tão antiquada
quanto o principal índice da bolsa
Outros dois indicadores da bolsa ganharam mais importância que o Dow e passaram a servir de bússola para os gestores de recursos: o S&P 500, índice da agência Standard & Poor’s com 500 ações em sua composição, e o do mercado eletrônico Nasdaq, com 3.600 papéis de empresas, principalmente de tecnologia. Diante deles, o Dow Jones Industrial virou um retrato do passado, de um mundo que não volta mais. Agora, uma discussão semelhante está ocorrendo de maneira muito discreta no centro de São Paulo, na sede da BM&FBovespa. Cerca de 25 participantes do mercado financeiro se reuniram na segunda semana de agosto para discutir o rumo do Ibovespa.
Desde sua formulação pelo economista Mário Henrique Simonsen, em 1968, é a primeira vez que a bolsa admite alterar a metodologia de cálculo para modernizar o tradicional termômetro das ações brasileiras. “O Ibovespa tem 45 anos. Por isso, quanto menos se mexer, melhor”, diz o presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto. “Mas não podemos ignorar algumas situações, como o aumento do mercado brasileiro nos últimos anos.” Hoje, para uma ação compor o Ibovespa, basta ser negociada em mais de 80% do total de pregões dos últimos 12 meses. Segundo analistas de mercado e alguns CEOs, o método está ultrapassado, pois não leva em conta a relação entre as ações em livre circulação (free float) e o valor de mercado das empresas.
Edemir Pinto, CEO da Bovespa: ”O Ibovespa tem 45 anos.
Por isso, quanto menos se mexer, melhor”
Isso pode mudar. Um fenômeno recente motivou a inédita discussão sobre o Ibovespa. As ações da OGX, petroleira do empresário Eike Batista, têm interferido muito no seu desempenho e causado desconforto na gestão de fundos indexados a ele. Como elas têm baixo valor unitário (R$ 0,64 na quinta-feira, 15) e são muito negociadas, com altas e quedas espetaculares, ampliam a volatilidade do índice e o distorcem. A OGX derreteu na bolsa, mas sua participação na carteira teórica do Ibovespa (2,05%) não foi reduzida. Isso traz implicações negativas não apenas para os mercados a vista, mas também para os futuros e derivativos. Além da OGX, LLX e MMX fazem parte do Ibovespa. Segundo a Economática, nos últimos oito meses o índice caiu 16,5%. Sem as ações de Eike, a queda teria sido de 10,8%. Até setembro, a bolsa deverá anunciar as mudanças.
A primeira medida, segundo uma pessoa próxima às discussões, deve valer a partir de janeiro, quando entra em vigor uma nova carteira teórica, que é reformulada a cada quatro meses. Nela, seriam eliminadas ações com valor inferior a R$ 1. “O modelo espelha os índices do exterior”, diz a fonte. Neste ano, em um terço dos pregões, a OGXP3 foi cotada na casa de centavos. “Por conta da volatilidade dos papéis da OGX, o índice do Ibovespa futuro opera quase 800 pontos abaixo do mercado à vista”, diz um agente de mercado que está acostumado a ver o futuro mais valorizado que o presente. Retirar as ações de centavos evitaria também que outros papéis especulativos entrassem no Ibovespa. Isso quase aconteceu em 2011.
Especulou-se que a fabricante de alicates de unha Mundial iria se reestruturar e migrar para o Nível 1 de governança corporativa da bolsa. Ações que custavam R$ 0,30 chegaram a ser cotadas a R$ 7,01. Mas era apenas especulação, o papel derreteu e não entrou no índice. “Não faria sentido uma empresa miúda como a Mundial no Ibovespa”, disse o CEO de uma empresa listada. “Mas isso quase aconteceu.” A mudança é urgente. A partir de setembro, as ações da OGX passam a representar 5% do Ibovespa. Com isso, gestores de 286 fundos que replicam ou estão indexados ao Ibovespa terão de comprar quase R$ 1 bilhão em papéis para adequar as carteiras. “Se o peso da OGX continuar a aumentar, faltarão ações e o preço disparará”, reclama um gestor. Quem viver verá.