12/09/2014 - 20:00
Mais de cinco milhões de empregos foram criados no governo da presidenta Dilma Rousseff (PT). O número tem sido repetido à exaustão pela candidata à reeleição e por sua campanha, em anúncios na TV, no rádio e em cartazes digitais compartilhados pelos seguidores nas redes sociais. Enquanto isso, os candidatos da oposição Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB) alertam os brasileiros de que seus postos de trabalho estão ameaçados. Para embasar seu discurso, os dois lados se valem da mesma fonte: os dados de geração de vagas com carteira assinada, compilados e divulgados pelo Ministério do Trabalho.
Num esforço coletivo para contradizer a máxima de que “os números não mentem jamais”, as campanhas dos principais candidatos ao Palácio do Planalto têm escolhido os indicadores de emprego, inflação e crescimento que mais lhes convêm. Os números podem não mentir mesmo, mas se moldam facilmente aos diferentes discursos. “Dilma enfrentou a maior crise econômica dos últimos tempos gerando milhões de empregos, aumentando os salários acima da inflação e fortalecendo o poder de compra do trabalhador”, diz a propaganda eleitoral do PT. Os números do ano passado corroboram essa tese.
De acordo com o Ministério do Trabalho, foi gerado 1,5 milhão de vagas formais, em 2013. Mas a desaceleração observada neste ano deixa margem para interpretações diferentes. Os dados de julho do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostraram a criação de 11,8 mil vagas, o pior resultado para o mês desde 1999. Em agosto, foram criados 101 mil novos postos, resultado que já vinha sendo comemorado pelo Planalto desde o início da semana, antes mesmo da divulgação pelo ministério. Apesar da redução de 20% sobre agosto do ano passado, o número é o melhor dos últimos meses.
Não é esta a interpretação da campanha do candidato tucano. “O povo brasileiro agora vê seu emprego ameaçado pela volta da inflação e pelo baixo crescimento”, diz Aécio na propaganda eleitoral. “É um país virtual apresentado pelo PT.” Para Marina, o programa de Dilma é uma “ilha da fantasia” na qual “o povo não entra”. Como costuma acontecer, a realidade fica em algum ponto no meio do caminho. “Apesar da desaceleração nos últimos dois anos, fortemente influenciada pela crise e pela indústria, tem havido crescimento de postos de trabalho”, diz Clemente Ganz Lúcio, diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
A piora no emprego nos próximos meses, no entanto, é inevitável, na avaliação do economista-chefe do Banco J. Safra, Carlos Kawall. Para ele, essa redução no ritmo não chega a ser totalmente indesejável. “Não defendemos o desemprego, mas o mercado de trabalho está apertado demais em uma economia com um problema inflacionário.” Se no governo do ex-presidente Lula (2003-2010) o aquecimento do emprego atuou como um dos motores da economia, puxando o consumo e estimulando o crescimento, com Dilma o País viu o revés dessa moeda.
Os aumentos reais dos salários deram força e resistência à inflação, trazendo o assunto de volta às discussões e aos discursos dos presidenciáveis. “A dona de casa sabe que vai ao supermercado e não compra com o mesmo dinheiro aquilo que adquiria antes”, afirma Marina. As campanhas do PSB e do PSDB acusam o governo de ter desistido de trazer a inflação para o centro da meta, de 4,5%. Na visão da campanha governista, a inflação está estável. “Eu procurarei sistematicamente buscar o centro da meta de inflação; agora, para isso, não vou desempregar o povo brasileiro”, disse Dilma, após o IBGE divulgar a alta de 6,51% no IPCA de agosto, em 12 meses, que estourava o teto da meta.
Ao mesmo tempo, a campanha de Dilma alardeia na internet que a inflação média anual do seu governo, de 6,1%, é menor do que as médias dos primeiros mandatos de Lula, de 6,5%, e de Fernando Henrique Cardoso, de 9,6%, o que não deixa de ser verdadeiro. A estagnação da economia, que teve recessão no primeiro semestre e deve crescer menos de 0,5% neste ano, também é motivo de disputa. “Que crise é essa com quase pleno emprego, com valorização da bolsa há mais de seis meses e com estabilização cambial, entre outros atributos?”, diz o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que espera um crescimento próximo de 1% para 2014.
Na sexta-feira 12, uma nova estatística reforçou o argumento do ministro: o IBC-Br, “prévia do PIB” do Banco Central, mostrou que a economia cresceu 1,5% em julho passado sobre junho, no melhor resultado em seis anos, indicando retomada do crescimento. A oposição discorda. “Já estamos em um cenário de recessão, juros em alta e inflação no teto da meta e só um novo governo vai ter a confiança do mercado e pode recuperar a economia”, diz o economista Mansueto Almeida, da equipe de Aécio. “A economia estagnada gera desemprego e perda de renda”, completa Alexandre Rands, um dos responsáveis pelo programa de governo de Marina.
A desqualificação da proposta econômica de Marina é uma das estratégias do governo, mesmo que para isso tenha de forçar a mão na interpretação do programa de governo do PSB. A campanha petista avalia que tem dado certo a estratégia de associar a candidata à herdeira e acionista do Itaú Unibanco, Neca Setubal, acusando-a de defender o interesse dos bancos, quando propõe a autonomia em lei do Banco Central. Um filme do PT que começou a ser veiculado na semana passada associa a independência do BC à falta de comida na mesa de uma família de baixa renda.
Também para provar a ligação com os bancos, escalados como os vilões da hora, as campanhas se armam de toda sorte de números. Para contra-atacar, a campanha de Marina publicou uma comparação entre os lucros das instituições financeiras nos períodos FHC (R$ 31,7 bilhões), Lula (R$ 199 bilhões) e Dilma (R$ 179,6 bilhões, em apenas três anos). “Engraçado é ver Dilma, agora, criticando os bancos. Logo ela, que tem sido tão boa para eles”, disse em seu perfil no Facebook a candidata do PSB, que protocolou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dois pedidos de direito de resposta para rebater os anúncios sobre a independência do BC e o pré-sal, outro flanco da pessebista bombardeado pela campanha.
O ministro das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, salienta que a taxa média de juros do atual governo “é a menor desde o Plano Real”. E diz que os bancos estão ganhando dinheiro com o aumento do crédito. “Se os bancos lucraram mais no nosso governo, foi porque emprestaram mais”, diz o ministro. O pré-sal e a atuação da Petrobras também são alvos de disputas entre as campanhas do governo e da oposição. “Marina tem dito que, se eleita, vai reduzir a prioridade do pré-sal. Isso significa que a educação e a saúde poderiam perder R$ 1,3 trilhão e que milhões de empregos estariam ameaçados”, diz o narrador do comercial petista, com voz sombria.
Em seu pedido de resposta ao TSE, a coligação de Marina sustenta que a campanha distorce suas afirmações. A oposição também usa a Petrobras para atacar Dilma. Aécio e Marina acusam a presidenta de represar os preços da gasolina para controlar a inflação e de lotear a empresa entre seus aliados políticos. “No atual governo, a Petrobras perdeu metade do seu valor”, disse Aécio em debate entre os presidenciáveis. Dilma, como é de seu estilo, rebate com números, afirmando que o valor de mercado da Petrobras passou de US$ 15 bilhões no governo FHC para os atuais US$ 117 bilhões. Ela omite, no entanto, que desde então o pré-sal foi descoberto e que o valor já foi muito maior, em maio de 2008, no segundo período de Lula, quando chegou a US$ 290 bilhões.
Apesar da importância concedida aos temas econômicos por parte de todas as campanhas, o ex-presidente Lula tem aconselhado o PT a sair do discurso “economicista” e voltar a falar de política. Ele quer o legado do PT defendido em discussões em mesa de bar ou no jantar em família e não nas planilhas de Excel dos economistas. Uma pesquisa da empresa de análise de rede social iProspect mostra que o tema tem sido um dos mais comentados entre os usuários do Twitter. Numa análise dos conteúdos postados entre 20 de agosto e 2 de setembro, a empresa concluiu que as propostas de Dilma e de Marina para a economia têm sido as mais criticadas.
Já as do tucano Aécio Neves tiveram a aprovação de 24% dos internautas, com comentários negativos de apenas 27%. “Dilma politizou a agenda econômica ao longo do seu governo, é natural que isso chegue à campanha”, diz Rafael Cortez, analista político da consultoria Tendências. Leonardo Barreto, cientista político da Universidade de Brasília, concorda. “Na eleição passada, o Brasil vinha de um crescimento maior, com mais geração de empregos, mas neste governo houve uma mudança da matriz econômica, que fracassou”, afirma Barreto. Diante dos milagres da prestidigitação numérica, a única saída é esperar e ver quem vai convencer o maior número de eleitores, da precisão de suas informações, no dia 5 de outubro.