12/09/2014 - 20:00
Pedro Moreira Salles, presidente do Conselho do Itaú Unibanco, lembra-se bem do dia 20 de novembro de 2000. À época presidente do Unibanco, ele estava na “sala de guerra” do banco em São Paulo, acompanhando pelo viva-voz a privatização do Banespa, na Bolsa de Valores do Rio. O preço mínimo pelo banco estatal paulista era de R$ 4,4 bilhões, em valores atualizados. Quando o leilão começou, o leiloeiro Alexandre Runte anunciou o lance do Santander: R$ 7,05 bilhões (R$ 16,7 bilhões hoje), um ágio de 281%. “Ele deve ter lido o número errado”, disse Moreira Salles aos executivos presentes.
Como se tivesse ouvido o comentário, Runte anunciou. “Eu vou repetir: o lance do Santander é de R$ 7,05 bilhões.” Quem houvesse se dedicado a acompanhar as estratégias de negócio de Emilio Botín, ex-presidente do Santander, morto repentinamente de um enfarte na madrugada da quarta-feira 10, às vésperas de completar 80 anos, não deveria ter ficado tão surpreso. Em abril de 1994, o Santander passara subitamente da sétima para a primeira posição entre os bancos espanhóis, ao fazer uma oferta muito superior às da concorrência pelo controle do Banesto, banco centenário que havia sofrido uma intervenção quatro meses antes.
Nessa tacada, como em várias outras, o advogado e economista Emilio Botín Sanz de Sautuola y Garcia de los Ríos superou os eventuais competidores ao ir além dos números. Por qualquer métrica, Botín pagou caro tanto pelo Banesto como pelo Banespa. No entanto, fã do livro A Arte da Guerra, de Sun Tzu, o banqueiro sabia que um dos elementos essenciais para a vitória era ocupar o território antes dos inimigos. “Quem chega primeiro se fortalece, quem chega depois fica enfraquecido”, costumava dizer.
Graças a lances como esses, Botín transformou o Santander, cujo comando herdou do pai em 1986, de uma inexpressiva casa bancária fundada por seu avô no norte da Espanha, no maior banco em valor de mercado da Europa, com participações nos principais centros financeiros na América Latina, nos Estados Unidos e no Reino Unido. Cinco anos depois de ter assumido a presidência – e um ano antes de comprar o Banespa –, Botín costurou uma fusão com o Central Hispano. A conquista do mercado espanhol coincidiu com uma expansão acelerada na América Latina.
Além do Banespa, Botín comprou o grupo Serfin, no México, e outras casas bancárias menores em Argentina, Chile e Colômbia. Frugal à mesa e esportista compulsivo – jogava frequentemente uma partida rápida de golfe na hora do almoço, enquanto muitos de seus compatriotas faziam a siesta, além de patrocinar equipes de Fórmula I e a Libertadores da América – , Botín tinha um apetite insaciável por bancos. Em 2007, comprou a operação brasileira do holandês ABN Amro, e tornou-se o terceiro banco privado do Brasil.
Três anos antes, havia engolido o britânico Abbey, que passou a ser dirigido desde 2010 por Ana Patricia Botín, sua filha mais velha de 53 anos, indicada para a presidência do Santander menos de 24 horas após a morte do patriarca. Primeira mulher a comandar um grande banco de varejo europeu, Ana Patricia é uma executiva financeira experiente, que esteve à frente do Banesto entre 2002 e 2010 e, antes disso, atuou na divisão de banco de investimentos do Santander, na Espanha e nos Estados Unidos. A primeira avaliação dos analistas é de que sua chegada não trará mudanças bruscas, embora a transição iniciada em 2013 deva ganhar velocidade.
No ano passado, o CEO mundial Alfredo Saenz, 72 anos, foi substituído por Javier Marín, 48 anos, e a renovação deve chegar ao Conselho, onde boa parte dos membros era ligada pessoalmente a Botín e aos escalões executivos. “O principal desafio da nova presidente será manter a coesão de equipes amplas e heterogêneas em um banco desse tamanho”, diz Emilio Ontiveros, presidente da consultoria econômica espanhola AFI. “Ana Patricia possui um estilo de gestão diferente do pai, sua cabeça é mais voltada para o mercado de investimentos, enquanto o pai era focado no varejo bancário tradicional”, diz Luiz Santacreu, analista da Austin Ratings.
Por via das dúvidas, as ações do Santander caíram 1,3% na quarta-feira 10, na bolsa de Madrid, e recuaram mais 0,7% na quinta-feira 11, encerrando a sessão a € 7,65. O mercado especula se Ana Patricia, guindada à posição de banqueira mais poderosa do mundo, terá herdado a capacidade de articulação política do pai, Emilio Botín, mestre na arte de manter boas relações com os governantes. Nas quase três décadas de reinado no banco, foi interlocutor frequente de socialistas e conservadores, à medida que eles se alternavam no governo espanhol.
Quando começou a investir no Brasil, em 1997, Botín repetiu a coreografia. Foi interlocutor de Fernando Henrique Cardoso, tornou-se um dos primeiros banqueiros internacionais a ter uma audiência com o recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva e conseguiu fazer sorrir a presidenta Dilma Rousseff. No episódio mais recente, Botín anunciou publicamente, no Rio de Janeiro, a demissão de uma analista de investimentos que havia enviado um relatório aos clientes afirmando que a bolsa cairia se Dilma fosse reeleita. Agora, cabe a Ana Patricia convencer o mercado de que é capaz de suceder o patriarca.