As mais de 200 obras de arte de autenticidade duvidosa apreendidas na Operação Lava Jato podem sugerir uma coincidente preferência cultural entre os acusados de participar do maior esquema de corrupção do País. Mas, predileções à parte, os quadros e as esculturas recuperados no esquema de desvios da Petrobras exemplificam como os transgressores buscam alternativas para esquentar recursos obtidos de forma ilícita. O simbolismo por trás das molduras do crime esconde uma engenhosidade bem mais apurada nos métodos de lavagem de dinheiro à disposição de criminosos.

As formas mais recentes identificadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que é a autoridade responsável por interceptar o caminho do dinheiro sem origem, incluem desde vendas simuladas em sites de e-commerce até fraudes envolvendo o comércio de bois. A lista de setores obrigados a comunicar atividades suspeitas de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo vem se ampliando desde a aprovação da lei que criou o Coaf, em 1998. Além de bancos e corretoras, as concessionárias de veículos, as galerias de arte e, mais recentemente, as assessorias e consultorias passaram a integrar a lista, aprimorando a eficácia na fiscalização de transações.

Foram as comunicações repassadas por esses setores que deram início às investigações que deflagraram a Operação Lava Jato, em 2013. O caso acumula mais de 200 relatórios de inteligência do Coaf. Desde 2011, a autoridade passou a reunir em coletâneas os principais casos de lavagem encontrados no Brasil, como forma de alertar as empresas e coibir a repetição das práticas. Entre as 15 recém-identificadas, a mais curiosa mostra como um site de comércio eletrônico de fachada era usado por brasileiros no exterior para internar os recursos às escuras.

Os pagamentos eram feitos através de uma página com ofertas simuladas de produtos. Do exterior, os envolvidos forjavam o comprovante de recebimento da mercadoria para driblar o mecanismo de segurança do sistema de pagamentos. O dinheiro era, então, depositado em contas pré-indicadas de parentes. Em outro método identificado, criminosos utilizavam cartões de créditos criados com CPFs fraudados para efetuar transações na máquina de cartões de uma empresa de fachada. Os pagamentos das contas de cartão excediam o valor das faturas e a devolução das sobras, feita pelas operadoras, encobriam o caráter ilícito dos recursos.

Contratos simulados de vendas de boi, para obtenção de crédito no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), também eram usados para esquentar recursos. Com ajuda de laranjas, que recebiam comissão de 5%, o dinheiro do programa era sacado em espécie e as parcelas pagas com verba ilícita. Em comum, os casos costumam envolver empresas de fachada, sem funcionários e com endereços residenciais, além de sócios sem capacidade financeira. As práticas recém-identificadas revelam parte da evolução da lavagem de dinheiro no País, mas para ilustrar a motivação por trás dos exemplos, o presidente do Coaf, Antônio Gustavo Rodrigues, lembra de um método mais antigo, com a participação de cartórios.

Nele, um criminoso protesta um título emitido por um laranja, para que o saldo seja liquidado por meio do cartório, criando uma origem legítima ao recurso. “O fato é que o bandido não é bobo. Sabe que a gente pegou uma prática e muda a forma de atuar”, afirma Rodrigues. “No mundo inteiro há lavagem de dinheiro, mas essa prática se torna cada vez mais cara.” Com a Operação Lava Jato, o número de relatórios de inteligência produzido pelo Coaf e distribuído a outras autoridades (Polícia Federal e Receita Federal, entre outros) alcançou o recorde de 3.178 processos, no ano passado, envolvendo quase 80 mil pessoas.

Cerca de R$ 500 milhões foram bloqueados. Para 2015, além dos 50 relatórios produzidos no chamado caso Swissleaks, envolvendo clientes do HSBC, em Genebra, o cerco deve se fechar ainda mais. O Coaf está implementando um mecanismo de fiscalização automática através do sistema de comunicação com os setores obrigados, para avaliar se as instituições estão cumprindo obrigações, como o registro devido de clientes. A ferramenta permitirá uma fiscalização em massa e o acompanhamento sistêmico das atividades obrigatórias.

Com base em dados da Receita Federal, o Coaf estima em 135,3 mil o universo de instituições potencialmente expostas, que devem manter rotinas contra a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo –o principal grupo entre elas está relacionado a bens de luxo. A esperança é de que a nova ferramenta sirva para inibir a formação de novos grupos de desvios, como os da Operação Lava Jato. “No passado, o dinheiro era depositado no banco e ninguém achava”, afirma Rodrigues. “Agora, pode ter cometido um crime e ser descoberto pelo dinheiro, e não pelo crime.”