30/09/2016 - 20:00
O termo “fechar questão” é usado com frequência na política para designar a orientação de um partido sobre a posição que parlamentares de uma mesma sigla devem assumir numa votação. É parte do jargão predominante em Brasília. Na terça-feira 27, porém, a expressão passou a figurar nos debates de economistas nas principais casas de análise do Brasil. A data marcou a reunião do presidente Michel Temer com ministros e líderes de partidos da base aliada para tratar do trâmite de votação da Proposta de Emenda à Constituição 241, a chamada PEC dos gastos, principal aposta do governo para reverter a sangria fiscal da União.
O encontro selou o apoio de siglas que compõem a base ao projeto, além de um acerto para acelerar a apreciação da medida no Congresso de modo a permitir uma sinalização de compromisso com a consolidação das contas públicas. Investidores e consumidores vêm antecipando o otimismo de que a economia vai melhorar. O índice de confiança da indústria, divulgado na quinta-feira 29, chegou ao nível mais alto desde novembro de 2014. A PEC é peça essencial nesse jogo, pois afastará o risco de insolvência e ajudará a abrir espaço para a retomada de investimentos.
O projeto cria um limite para os gastos públicos com base na inflação do ano anterior, incluindo as despesas com saúde e educação. Com isso, espera-se frear a tendência de avanço nos gastos observada nos últimos anos. O nível do dispêndio subiu de 10,8% do PIB em 1991 para 19,5% do PIB em 2015. Caso a regra já estivesse valendo desde 2006, estariam em 10% do PIB, segundo cálculos do Ministério da Fazenda. Não à toa, representantes da iniciativa privada passaram a enxergar a proposta como uma alternativa para resolver o desafio fiscal sem novos aumentos de tributos.
A maioria dos líderes empresariais do País ouvidos por DINHEIRO apontou o ajuste fiscal e a aprovação da PEC como as principais prioridades do peemedebista. “O ajuste fiscal é absolutamente imprescindível para a retomada da economia”, afirmou o presidente da Cielo, Rômulo Dias (leia outras opiniões ao final da reportagem). Para o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, as mudanças podem representar um divisor de águas ao País. “Em aprovando as medidas, as coisas podem melhorar bastante na nossa economia nos próximos anos.” Visão semelhante já começa a aparecer na classe política.
Alguns dos presentes na reunião do Palácio do Alvorada classificaram a PEC como o novo Plano Real. Cercado por mais de 20 autoridades, como se estivesse no centro de uma arena, Temer foi breve no discurso. Agradeceu a presença de todos e reforçou a importância do teto global de despesas. “Foi uma reunião forte”, diz Paulinho Pereira da Silva, líder do Solidariedade. Para ele, a decisão de siglas como o PP e o PSD em “fechar questão” sobre o texto indica que o governo deve ter folga na votação. As contagens preliminares indicam 360 votos dos 513 deputados, acima dos 308 necessários para passar a matéria.
Nos próximos dias, o projeto passa pelo primeiro teste, com a deliberação nas comissões especiais da Câmara. A previsão é que esteja pronto para ser votado em plenário no dia 11. O esforço de acelerar a tramitação busca enviar um sinal positivo antes da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, na semana seguinte, para referendar a visão da maioria do mercado de que a autoridade deve iniciar o ciclo de queda nos juros, essencial para estimular a volta do investimento. Para os analistas, a melhora recente da confiança embute a percepção de que o projeto passará.
Um revés, portanto, teria impacto no otimismo “Em termos de expectativa, a votação traz mais risco de uma surpresa negativa do que positiva”, afirma Thiago Biscuola, da RC Consultores. “Assim como no evento do impeachment, o otimismo já foi antecipado pelo mercado.” O risco é de que emendas parlamentares possam comprometer a eficácia do projeto, que já contabiliza ao menos 20 modificações. Entre os congressistas, o maior desejo é excluir educação e saúde na regra geral. O Solidariedade, por exemplo, defende uma exceção para permitir o crescimento das duas despesas com inflação mais o equivalente ao avanço do PIB. As negociações com parlamentares vem sendo conduzida com cautela pelo governo. “Tenho certeza absoluta que será aprovada”, afirmou Temer na sexta-feira 30.
“O Congresso está muito consciente de que precisa trabalhar com o Executivo para sair dessa crise.” Já o Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou na quinta-feira 29 que “não há muito a negociar”. Por trás de sua fala, está uma visão compartilhada por analistas de que o limite dos gastos é apenas o primeiro passo para recolocar o País nos trilhos. No relatório mais recente sobre o Brasil, o Fundo Monetário Internacional (FMI) classificou a PEC como um ponto de virada no ajuste fiscal, mas insuficiente para resolver o desafio atual. Com o pressuposto de sua aprovação, os técnicos da entidade indicaram que a recessão está perto do fim. Ao menos na arena econômica, a importância da PEC parece uma “questão fechada”. Basta agora os parlamentares cumprirem sua parte.
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O PIB endossa o ajuste fiscal
DINHEIRO perguntou a empresários o que falariam a Temer se tivessem um minuto para aconselhar o presidente:
“A prioridade dada ao teto nos gastos públicos é realmente a maior prioridade. A aprovação dessa medida será um marco super importante para o Brasil, um divisor de águas efetivo. Em aprovando as medidas, as coisas podem melhorar bastante na economia nos próximos anos”
Roberto Setubal, Presidente-executivo do Itaú Unibanco
“Estabilidade e previsibilidade: isso é o mais importante. Não podemos viver aos trancos e barrancos. Temos de ter uma linha de crescimento sustentável. Aí ele tem que lidar com algumas variáveis e a principal delas é acabar com o déficit público”
Márcio Utsch, Presidente da Alpargatas
“Em primeiro lugar, se cercar de bons profissionais, acreditar que o tamanho do problema não é pequeno e que exigirá toda a atenção. Segurar o fôlego nesse primeiro período de um ano a um ano e meio que pode durar esse processo de mudança da situação de curto prazo no Brasil”
Roberto Oliveira de Lima, Presidente da Natura
“Que ele faça, como já vem procurando fazer, o ajuste fiscal, que é absolutamente imprescindível para a retomada da confiança do empresariado brasileiro”
Rômulo de Mello Dias, Presidente da Cielo
“Precisa ter foco. O presidente é bastante experiente nisso. Precisamos enquadrar o Estado, fazer com que a PEC dos gastos passe no Congresso. Se na nossa casa não gastamos mais do que ganhamos, o governo, que sistematicamente gastou muito mais do que ganhou nos últimos 13 anos, tem de voltar a ter disciplina”
Edgar Corona, Fundador da Bio Ritmo e Smart Fit
“Reequilibrar as questões econômica e fiscal. São medidas difíceis, duras e polêmicas. Não há como fugir. Precisa fazer isso por mais duro que seja — e será. Mas olhando para o longo prazo, não há outro caminho”
Eduardo Fischer, Presidente da MRV
Colaborou: Geovana Pagel