24/03/2016 - 19:00
Alguns meses depois de voltar ao comando da Apple, em 1997, Steve Jobs encontrou com seus principais executivos em seu modesto escritório próximo à sala de reuniões da diretoria. Com uma caneta, ele desenhou uma tabela muito simples, de dois por dois, no quadro branco. No topo, escreveu“Consumidor” e “Profissional”. Na lateral, “Portátil” e “Desktop”. De forma resumida, essa era a nova estratégia de produtos da companhia que ele fundou na década de 1970 e fora chutado de lá em 1985. Apenas quatro máquinas: dois notebooks e dois desktops, direcionados a usuários profissionais e consumidores.
Vale relembrar que, naquela época, a Apple estava à beira da falência e contava 40 hardwares diferentes, desde impressoras a jato de tinta ao ultraportátil Newton. Poucos desses produtos eram líderes de mercado e a lista de computadores era confusa com vários modelos diferentes. A partir daí, a Apple entrou numa espiral que a levou para o Olimpo corporativo, transformando-se na empresa mais valiosa do planeta com produtos como o iMac, iPod, iPhone e iPad.
O que Jobs, morto em 2011, fez para salvar a Apple já virou história, retratada em prosa, verso e filmes. Mas me lembrei desse fato por conta do anúncio do iPhone SE, o modelo mais barato de sua linha de smartphones (saiba mais na coluna Dinheiro & Tecnologia, na pág. 48). Com esse novo aparelho, a Apple passa a contar com cinco tipos diferentes de iPhone disponíveis ao consumidor. São ainda mais cinco iPads, com as mais diversas telas e características. A linha de computadores tem nove modelos. Além da enorme variedade, há algo mais preocupante. Nos tempos de Jobs, a Apple liderava e era seguida pelos concorrentes. Hoje, ela segue os seus competidores. “Na maioria das vezes, os consumidores não sabem o que querem até que você mostre para eles”, disse Jobs, em uma entrevista em 1998, para a revista americana BusinessWeek.
Nesse aspecto, a Apple comandada por Tim Cook lembra muito a Microsoft dos anos 1990 e 2000. Liderada por Bill Gates e pelo seu executivo mais fiel, Steve Ballmer, a companhia de Redmond, nos Estados Unidos, lutou com todas as suas forças para proteger suas duas vacas leiteiras: o sistema operacional Windows e o pacote de aplicativos para escritório Office. Sem inovar, assistiu passivamente a ascensão da própria Apple e de novas empresas, como o Google e o Facebook, que capturaram os bilhões de dólares da internet e cativaram os consumidores com seus serviços. Não é a toa que o novo CEO da Microsoft, o indiano Satya Nadella, está fazendo um tremendo esforço para mudar a companhia de Gates, derrubando mitos e crenças estabelecidas e tirando o manto de proteção sobre o Windows – a versão 10, por exemplo, foi distribuída de graça para os seus clientes.
Cook, que sucedeu Jobs depois de sua morte, comete o mesmo erro da Microsoft. Hoje, o iPhone representa quase 70% da receita da Apple. A previsão dos analistas é de que, pela primeira vez desde que foi lançado em 2007, suas vendas sejam menores. A resposta do CEO da Apple para esse problema? Um produto mais barato, capaz de cativar milhões de usuários em mercados emergentes, que não teriam dinheiro para pagar pelo iPhone, e mesmo em países maduros, como Estados Unidos e Europa. Pode até dar certo. Mas está longe de representar a alma da Apple. É claro que não se espera que Cook lance, a cada ano, algo inovador. O problema é que até agora, ele faz mais do mesmo. A Apple, assim como a Microsoft, permanecerá e será altamente lucrativa. Mas seu futuro, ao que tudo indica, é lembrar-se de um passado brilhante.