04/11/2022 - 5:00
Após quatro anos de um governo convictamente negacionista sobre os efeitos das mudanças climáticas, o Brasil chega à 27ª Conferência das Partes da ONU (COP-27), realizada no Egito de 6 a 18 de novembro, sob nova perspectiva. A vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) traz à memória dos líderes mundiais o resultado de seus dois primeiros mandatos como presidente (2003-2006 e 2007-2011), quando o índice de desmatamento da Amazônia caiu de 27.7 mil Km2 para 7 mil Km2 . No campo social, é fresca a lembrança de que em 2021 o mandatário foi condecorado pela própria ONU com o título de Campeão Mundial na Luta Contra a Fome por programas como o Fome Zero, de 2003. Com essas e outras credenciais, mesmo ainda sem a faixa presidencial, Lula deve ser recebido sob aplausos na primeira COP realizada no continente Africano.
O convite para sua participação veio do presidente do Egito, Abdel Fatah, logo que soube dos resultados das urnas. Lula aceitou e deve levar Marina Silva e Simone Tebet com ele. Esse time de peso será crucial para mostrar um novo Brasil. Segundo o professor e coordenador do Observatório da Bioeconomia da FGV, Daniel Chagas, “a expectativa geral é de mudança nos rumos da agenda ambiental e econômica do País”. Mesmo que extraoficialmente, Lula promete não decepcionar. O plano é aproveitar a ocasião para anunciar o novo nome no comando do Ministério do Meio Ambiente e novos compromissos, mais audaciosos, de cortes de emissões do País.
Na prática, porém, há uma sinuca armada. Toda a apresentação e narrativa institucional brasileira estão prontas e serão comandadas pelo atual dono da pasta, Joaquim Leite. Só que como é notório entre especialistas do setor e reforçado aqui por Rafael Benke, CEO da consultoria Proactiva, o governo bolsonarista sempre ficou aquém da dimensão que o País tinha na agenda. “O Brasil sempre foi aquele que gerava o impulso catalisador para os avanços na agenda”, disse o executivo. “Só que nossa aeronave está aterrizada há quatro anos”.

“Com o novo governo a expectativa geral é de mudança nos rumos da agenda ambiental e econômica do País” Daniel Chagas professor da FGV.
AGENDA Para o bem do Brasil, diante dessas circunstâncias internas, o que há de certo é que essa COP chega mais dispersa do que a edição anterior. A explicação está em diversos fatos da geopolítica internacional que mudaram as prioridades da agenda sustentável. No topo da lista, a Guerra da Rússia que, ao afetar o abastecimento de gás para a Europa, trouxe um retrocesso na transição energética ao forçar diversos países do bloco a religarem suas termelétricas. Agora, esse mesmo bloco mudará a pauta e deverá pressionar os demais membros para a necessidade de mudança do modelo de produção de alimentos.
Alegarão preocupação em como alimentar uma população que deve pular de 7 bilhões para 10 bilhões de pessoas até 2100. Como esse argumento, a intenção europeia é influenciar o mundo a adotar seus padrões de produção e compra de alimentos. Isso significaria, por exemplo, impor técnicas de agricultura temperada e proibir a importação de commodities produzidas em áreas desmatadas legal ou ilegalmente. O projeto é polêmico e não deve ir para frente, segundo o professor Daniel Chagas. “Não cabe a Europa decidir o que é legal ou ilegal”. Além disso, afirma que a “agricultura temperada é ineficiente na zona tropical”. Regras nesse sentido poderiam surtir efeito contrário e agravar a situação de fome e insegurança alimentar que impactam mais de 3 bilhões de pessoas.
Sob a perspectiva de um País sob o comando da Frente Democrática, essa nova pauta pode servir para reviver o soft power brasileiro na agenda ambiental. O agro nacional tem vasta tecnologia de agricultura de baixo carbono que ajuda a sequestrar gases de efeito estufa e transformar solos inférteis em terras produtivas. Além disso, é nas florestas tropicais que está o maior estoque de CO2 do planeta. Segundo Luis Felipe Adaime, CEO da MOSS, a maior startup relacionada ao clima da América Latina, o mercado de carbono pode gerar mais de US$ 1 trilhão em novas receitas para o País, além de funcionar como impulsionador e financiador da economia verde no campo. “Com potencial de gerar 1,5 bilhão de toneladas de créditos de CO2, o Brasil pode se tornar a Arábia Saudita do futuro”. O empreendedor estará no Egito mostrando que há um Brasil que já atua com excelência na economia verde. Ele e mais 60 milhões de brasileiros, que lá estarão representados pelo próximo presidente.