27/12/2013 - 21:00
Empreendedor 1: Um brasileiro conseguiu em menos de dois anos criar uma empresa de US$ 1 bi-lhão, com apenas 14 funcionários. Não, isso não aconteceu no Brasil. Se fosse por aqui, provavelmente o paulistano Michel Krieger teria de dedicar parte da mão de obra da sua empresa para preencher Darfs, reconhecer firma em cartório, visitar constantemente o contador, etc. etc. Krieger abriu o Instagram em São Francisco, na Califórnia. Em abril de 2012, recebeu a oferta bilionária do Facebook. Analistas disseram que Mark Zuckerberg viu no aplicativo de fotos do brasileiro, que então tinha 25 anos, uma ameaça à hegemonia de sua rede social e se decidiu pela manobra preventiva.
Empreendedor 2: o radialista carioca Edson Mackeenzy, hoje com 32 anos de idade, precisava diminuir as despesas de sua produtora de vídeos. Em 2004, criou o Videolog.tv, site de transmissão e compartilhamento de gravações audiovisuais. Fez isso um ano antes do nascimento do YouTube, site que popularizou e revolucionou a forma de ver vídeos na internet. Com essa proposta, o site desenvolvido pelos americanos Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, mesmo sem gerar um centavo de receita, foi comprado pelo Google, pela bagatela de US$ 1,65 bilhão. Mackeenzy, que começou a estudar engenharia de produção no ano passado, ainda sofre para manter o seu Videolog, com audiência estável, na casa dos 30 milhões de usuários únicos por mês. Trata-se de um número respeitável para uma empresa brasileira, mas regular do ponto de vista global.
A trajetória desses dois empreendedores brasileiros levanta algumas questões. Se Mackeenzy tivesse fundado sua empresa nos EUA, ele teria o mesmo sucesso do YouTube? Se o Instagram fosse desenvolvido por aqui, cresceria tão rapidamente e teria chamado a atenção de Zuckerberg, levando-o a oferecer a cifra bilionária pelo seu controle? E a pergunta mais relevante de todas: afinal, o Brasil conseguirá formar empreendedores de tecnologia da relevância de um Steve Jobs, o fundador da Apple? Não são respostas fáceis. “Temos um histórico político e industrial de soluções brasileiras ruins”, afirma Mackeenzy. “Isso fica no subconsciente, por mais que agora surja algo bom daqui.”
Não há, ainda, no mercado brasileiro, a cultura de investimento de capital de risco em empresas tecnológicas iniciantes, um dos segredos da supremacia tecnológica dos Estados Unidos. “A maioria dos investidores vem da área de imóveis ou bancária”, afirma Pedro Waengertner, fundador da Aceleratech, que investe em negócios embrionários. “A maior parte das start-ups locais só consegue investimento de fundos após atingir o ponto de equilíbrio, enquanto nos EUA é possível captar dinheiro bem antes disso.” A questão não se resume apenas a dinheiro para impulsionar negócios iniciantes.
Bilionário do Vale: Michel Krieger, do Instagram, criou um aplicativo-chave
para a estratégia do Facebook
Na visão de especialistas ouvidos por DINHEIRO, é preciso incentivar cada vez mais a cultura de empreendedorismo. Não apenas na faculdade, mas sim desde os bancos escolares mais tenros. “Nos EUA os estudantes contam com atividades extracurriculares, como retórica, debates, clubes de leitura”, afirma Yuri Gitahy, fundador da Aceleradora. “No Brasil não há nada disso.” A primeira grande onda de pequenas empresas a tentar oferecer tecnologias inovadoras foi formada há apenas cinco anos no Brasil. Os fundadores de start-ups são egressos principalmente das escolas de negócios e administração.
É diferente dos EUA, onde as empresas tradicionalmente são formadas por programadores e técnicos de tecnologia. Lá, eles primeiro enfocam o produto. Só depois pensam em formas de viabilizar o negócio. O caso do Twitter é ilustrativo. Em sua bem-sucedida abertura de capital, captou US$ 1,8 bilhão, apesar de ainda ser deficitário. No Brasil, os empreendedores perseguem desde o início o ponto de equilíbrio. Há um lado bom nisso. “A taxa de mortalidade das start-ups é mais baixa no Brasil”, afirma Andiara Petterle, diretora-executiva de estratégia e portfólio da e.Bricks Digital, empresa de investimento no setor digital do grupo gaúcho de comunicações RBS.
Mas se paga um preço alto por isso. “Dificilmente, o Brasil terá uma starp-up com tecnologia que inove globalmente.” Em outras palavras: embora no mundo inteiro muita gente queira ser um novo Steve Jobs, a maioria não será mais do que uma sombra do fundador da Apple. Se nascer no Brasil, as dificuldades serão ainda maiores. Nos últimos 20 anos, desde que o Real criou os alicerces da estabilidade econômica brasileira, os obstáculos para que nasça no Brasil o próximo Steve Jobs começaram a ser aplainados, com a formação de um incipiente ecossistema de empresas de tecnologia. “Qualquer bom projeto encontra dinheiro de investidor”, diz Andiara.
O problema, reconhece ela, é a existência de bons projetos. Quando eles aparecem, os empreendedores não querem apenas que os sócios capitalistas invistam dinheiro. “Os donos de start-ups querem também que o investidor ajude a modelar o negócio”, afirma Bruno Maletta, diretor de pesquisas da M. Sense, empresa de pesquisa digital que traçou recentemente o perfil do empreendedor digital brasileiro (veja quadro “Quem é que empreende?”). Há também avanços importantes vindos do governo. A iniciativa mais emblemática é o programa Start-Up Brasil, que pretende acelerar o desenvolvimento de novas empresas de base tecnológica no Brasil.
Edson Mackeenzy: “Temos um histórico político e industrial de soluções brasileiras ruins.
Isso fica no subconsciente”
Neste ano, 114 empresas foram selecionadas. O programa prevê bolsas de até R$ 200 mil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) durante um ano para custeio de despesas com salário. E um fundo de R$ 36 milhões que poderá ser acessado por meio de nove aceleradoras do programa, em troca de participação societária. Os recursos, claro, são bem-vindos, mas alguns especialistas apontam a necessidade de ajustes no programa. “Muitas verbas acabam voltando, pois as regras não são claras”, afirma Anysio Dutra Viana, diretor de inovação do Sebrae. “Nossa lei de inovação é de 2004 e já precisa ser repensada.
Os termos atuais beneficiam as grandes companhias.” A preocupação deve-se a uma razão bem simples: o grande celeiro de talentos do Brasil é a universidade. Muitas das instituições são ligadas a polos de inovação e se propõem a formar profissionais orientados ao mercado. Mesmo assim, na opinião de Dutra, falta comunicação entre as duas partes. “As pesquisas acadêmicas precisam olhar mais para o mercado”, afirma Dutra Viana. “Quem deve ditar os assuntos são as empresas, não os professores.”
Em sua visão, isso se reflete diretamente na qualidade da mão de obra de nível universitário. A boa notícia é que a atitude do jovem brasileiro vem mudando. Segundo Daniel Diniz, diretor das aceleradoras Fumsoft e Acelera-MGTI, que tem contato diário com recém-formados em sua aceleradora mineira, ele está se tornando cada vez mais empreendedor, passo importante em direção ao “nosso Jobs”. “Antes, todos queriam trabalhar para o Google. Hoje, querem criar a próxima empresa que o Google vai comprar. Quem sabe amanhã um deles não faz efetivamente um novo Google?”, questiona Diniz.
O que aconteceria se a Apple se chamasse Maçã
E se Steve Jobs fosse brasileiro? DINHEIRO perguntou para alguns especialistas em empreendedorismo digital e chegou à seguinte história, que vai um pouco além da simples tradução do nome da fruta
Primeira conclusão: Steve Jobs seria malvisto por aqui. Descalço, sem tomar banho e com aparência desleixada, o fundador da maior empresa global de tecnologia seria marginalizado e teria dificuldade em negociar com outras empresas. Diferentemente do Brasil, a cultura hippie era muito mais disseminada nos Estados Unidos naquela época. Vários CEOs de grandes empresas tinham passado pela experiência e era normal ter alguém dentro de suas famílias. O Jobs brasileiro dificilmente encontraria um Steve Wozniak, o gênio por trás dos computadores Apple I e II. “Nos anos 1970, era comum encontrar no Brasil alguns aficionados por circuitos eletrônicos, mas nos EUA isso era uma febre”, disse Yuri Gitahy, da Aceleradora.
Vamos supor, então, que a despeito da dificuldade Jobs tivesse encontrado um Wozniak tupiniquim. Mesmo assim, eles iriam ter dificuldades para começar a vender. “A burocracia para uma empresa começar a emitir nota fiscal toma meses. Dificilmente eles conseguiriam montar e vender o Apple I tão rapidamente”, afirma Andiara Petterle, da e.Bricks. A Maçã também não teria alvará de funcionamento e poderia ser processada no primeiro ano pelos funcionários não registrados. “Certamente um fiscal iria bater na porta do Steve Jobs brasileiro para dar uma geral na garagem dele”, afirma Daniel Diniz, diretor da mineira Acelera-MGTI. “Ele teria de esquecer dos negócios e usar a garagem para guardar um carro.”
Dada a falta de uma cultura empreendedora digital no Brasil, a Apple dificilmente teria encontrado seu primeiro investidor, Mike Markkula, que fez uma pequena fortuna comprando na bolsa de valores enquanto trabalhava no marketing da Intel e se aposentou aos 32 anos. Se mesmo assim perseverasse, a Maçã iria se beneficiar da lei de reserva de mercado da informática, criada em 1984, no final do governo militar. Porém, se a história da Apple seguisse o mesmo trilho, Jobs seria demitido logo depois. Sem emprego e com um mercado fechado e regulamentado nos mínimos detalhes, ele provavelmente se irritaria com todas essas dificuldades e faria um concurso para virar funcionário público em Brasília, onde poderia tomar seus ácidos e admirar o belo céu do Distrito Federal em paz.