27/10/2014 - 0:00
Rua das Figueiras, 501, Santo André, na Grande São Paulo. Desde 2011, esse endereço abriga a moderna sede da mais conhecida agência de turismo do País, a CVC, umas das mil maiores empresas no ranking do anuário AS MELHORES DA DINHEIRO. Lá estão arquivados quase todos os 20 milhões de contratos de venda de pacotes de férias ou passagens aéreas já comercializados pela companhia, em 42 anos de existência. Somente neste ano, foi vendido o equivalente a 354 pacotes por hora, em sua rede de 829 lojas, entre próprias e franqueadas, espalhadas por todos os Estados brasileiros.
Essa estrutura construída ao longo do tempo garantiu à companhia, fundada pelo empresário Guilherme Paulus, a liderança folgada no setor de turismo nacional, pelo menos nas três últimas décadas. Mas isso é passado. A dura realidade, é que a zona de conforto a que estava acostumada acabou, por conta da concorrência cada vez mais forte do comércio eletrônico, que vem mudando os paradigmas do setor. Prova disse é que, em 2013 a CVC, cujas receitas chegaram a R$ 4,4 bilhões, foi ultrapassada pelo site de viagens argentino Decolar.com, que faturou R$ 5 bilhões.
“As vendas pela internet são uma tendência irreversível na indústria do turismo”, afirma Marta Borges, diretora da Stratégia, consultoria especializada no setor. “Cada vez mais, empresas como a CVC, fortes no varejo tradicional, precisarão se adaptar a essa realidade.” Essa adaptação está em curso na CVC. Já antes da perda da primeira posição, a empresa chegara à conclusão de que era preciso reinventar-se. A largada nesse processo foi dada em março do ano passado pelo CEO Luiz Eduardo Falco, ex-presidente da Oi. Uma de suas primeiras providências foi partir para a abertura de novas unidades em cidades de menor porte, com até 100 mil habitantes.
Até o final deste ano, a rede deverá ter 900 lojas, com a meta de alcançar 1,3 mil em 2018. Além disso, Falco decidiu combater o assédio da Decolar.com em seu próprio terreno, reforçando a operação online da CVC. Segundo fontes do mercado, ele está negociando a compra da paulista Rextur Advance, voltada para o segmento corporativo, com faturamento de R$ 3 bilhões, e da divisão de turismo da gigante B2W – dona da Submarino Viagens e da Americanas Viagens. A empresa não quis comentar o assunto. A contraofensiva desenhada pelo executivo foi precedida por um período de turbulência interna na CVC.
Recrutado pelo fundador Guilherme Paulus, que vendeu 70% da empresa para o fundo americano Carlyle, em 2010, e manteve uma cadeira no conselho de administração, Falco encontrou uma companhia saudável financeiramente, mas com diversos problemas de gestão. Seu antecessor, Francisco Rocha, o Xico, indicado pelo Carlyle, desgastou-se ao tentar implantar uma gestão mais profissional, em contrapartida ao estilo paternalista cultivado pelo fundador. A transição, de acordo com pessoas ligadas à empresa, gerou um distanciamento da direção com funcionários, franqueados e agentes.
“Antes, ligávamos para a direção e éramos atendidos na hora”, diz uma agente de viagem, que já foi franqueada da CVC. “Depois, não havia nem mais conversa.” Parte do problema, afirma Falco, foi solucionada com a volta à CVC do executivo Valter Patriani, braço direito de Paulus. O retorno de Patriani, nomeado vice-presidente de marketing e vendas, apaziguou os franqueados, graças ao seu estilo mais flexível de conduzir as negociações. Patriani também atuou como uma espécie de algodão entre cristais para aparar conflitos internos, que teriam sido gerados pelo comportamento do próprio Falco.
Conhecido no mercado pela agressividade na busca de resultados, o CEO passou a estipular metas consideradas demasiado ambiciosas e praticamente inatingíveis, segundo antigos executivos da companhia. “Era comum ver pessoas irem chorar no banheiro devido à pressão no ambiente de trabalho”, diz um ex-funcionário. Falco, porém, afirma não se preocupar com reclamações do gênero. “Quem não tem meta, não tem gestão”, diz. “Eu também gostaria de não ser cobrado, mas isso não existe.” Polêmicas à parte, o fato é que os números da CVC mostram que a empresa pode ter encontrado um caminho para voltar a crescer acima de dois dígitos.
Nos nove primeiros meses deste ano, a companhia faturou R$ 3,6 bilhões, um aumento de 10,7 % em relação ao mesmo período de 2013. Em comparação, o setor de viagens não deve crescer mais que 5% neste ano. O atual desafio da CVC, como diz Falco, é aprimorar a relação com os agentes independentes de viagem, que respondem por 20% de suas vendas. Esses profissionais criticam o modelo de negócio adotado pela CVC, que privilegia os parceiros franqueados. Outro objeto de críticas dos agentes é a política de aumento de preços adotada desde a entrada de Rocha, o antecessor de Falco.
“Antes, a CVC representava 70% das minhas vendas”, afirma um agente que não quis se identificar. “Atualmente, não passa de 15%.” Na visão de Falco, contudo, a reação dos agentes terceirizados é compreensível. “Como entramos forte em franquias, muitas vezes eles nos veem como concorrentes”, afirma o presidente. Para amenizar os conflitos, o executivo anunciou uma nova plataforma digital, com investimento de R$ 30 milhões, para se aproximar mais dos agentes de viagem. “Medidas como essas mostram que queremos aprimorar a nossa relação com nossos parceiros”, diz.
E mesmo operando em praticamente todos os Estados do País, a CVC ainda não viu as suas receitas decolarem na internet. É bem verdade que a companhia aumentou em 64% suas vendas online nos primeiros nove meses deste ano, em comparação com o mesmo período de 2013. As cifras, porém, não passaram de R$ 172 milhões, o equivalente a 3,5% das receitas da operação brasileira da rival Decolar.com. Outro concorrente que cresce a passos largos na internet brasileira é o Hotel Urbano. Criada em 2011, a empresa prevê alcançar R$ 1 bilhão em vendas em 2015.
O horizonte das vendas eletrônicas, de fato, é promissor. De acordo com a consultoria americana Phocus Wright, 60% das compras relacionadas ao setor turístico (passagens aéreas, hotelaria, pacotes, entre outros) nos Estados Unidos são feitas pela internet. No Brasil, o percentual é de 20%. “Os consumidores mais jovens irão comprar cada vez menos em lojas físicas”, afirma Marta Borges, da Stratégia Consultoria. Apesar dos indicadores, Falco ainda se diz despreocupado com a ofensiva de companhias de tecnologia no setor do turismo. “Essas empresas crescem em vendas, mas dão prejuízo”, diz ele. “Nosso canal online tem lucro desde o primeiro dia e assim contimuará sendo.”