Uma votação no Congresso nos próximos dias deve dirimir a maior parte das dúvidas que até agora inviabilizaram a decolagem do programa de repatriação de recursos de brasileiros no exterior. Os profissionais envolvidos com o tema garantem que há um grande interesse de seus clientes em legalizar o dinheiro depositado lá fora, mas o vaivém de informações desencontradas e a insegurança quanto ao perdão das penalidades estão impedindo qualquer decisão. Se as dúvidas forem afastadas, a expectativa é de uma corrida de última hora para aproveitar a janela de oportunidade aberta pelo Fisco, que terminaria no dia 31 de outubro.

O prazo deve ser estendido por mais duas semanas, possibilitando que mais recursos sejam repatriados e ajudando a engordar o fragilizado caixa do governo em meio à recessão. A principal mudança será a que define se a cobrança de tributos se dará pelo saldo em 31 de dezembro de 2014 ou por valores acumulados em anos anteriores. A primeira, que vem sendo chamado de “foto”, por retratar o momento específico da data, resulta num volume menor de recursos a ser tributado. A segunda, conhecida como “filme”, por ter o período dinâmico de cobertura, é mais abrangente e implica numa contribuição maior aos cofres públicos.

A maioria dos advogados vinha sugerindo a adoção da tese da “foto”, mas muitos interessados ainda não se sentiam confortáveis com a brecha de que a Receita Federal poderia mais tarde questionar os atos passados. A dúvida foi gerada a partir de uma resposta pública do Fisco a um interessado. O novo projeto deve afastar a hipótese do “filme” e ampliar o prazo de adesão ao programa para o dia 16 de novembro. Ainda estão em curso negociações sobre outros pontos, como uma possível flexibilização no veto a pessoas que ocupam cargos públicos, a possibilidade de retificação em casos de erros na declarão e até uma eventual permissão para que condenados por crimes de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal possam regularizar os bens.

O debate sobre as alterações pegou fogo em Brasília. Na quarta-feira 5, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acusou o Executivo de fazer os deputados de “palhaço” depois de ouvir do líder do governo, André Moura (PSC-SE), que o Planalto não aceitaria as mudanças. Os dois tiveram reuniões, no mesmo dia e em horários separados, com o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid. O Fisco sempre rebateu a tese da “foto”, por entender que privilegiaria quem não declarou no passado, gastou o dinheiro e ficará livre da tributação.

O projeto também foi apontado como ponto de alerta por autoridades como o juiz federal Sergio Moro e o diretor da Polícia Federal, Leandro Daiello. “Tem de haver uma atenção muito séria em relação a essa lei”, afirmou Moro no mesmo dia. “Tem de tomar cuidado para não se tornar uma medida que dure por vários anos e acabe tendo o efeito contrário de incentivar a ilegalidade.” Na equipe econômica, havia resistência por mudanças no prazo e no conteúdo, por temor de impacto no volume a ser arrecadado neste ano. Embora venha evitando falar em números, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, chegou a declarar uma estimativa entre R$ 8 bilhões e R$ 50 bilhões.

Oficialmente já foram contabilizados R$ 6,2 bilhões. As projeções iniciais, feitas ainda na gestão de Dilma Rousseff, indicavam um potencial de até R$ 100 bilhões. Para os advogados, esse número pode ser alcançado caso as mudanças sejam efetivadas. “Se as dúvidas se resolvessem e todo mundo aderisse, poderia chegar a até mais de R$ 100 bilhões”, diz Antonio Carlos Guidoni Filho, do escritório Vella Pugliese Buosi e Guidoni. Segundo Marcos Gleich, sócio do Böing Gleich Advogados, atualmente apenas 20% das propostas enviadas aos que procuram o escritório acabam virando contratos. “A insegurança jurídica está afastando os interessados.”

A orientação repassada aos clientes é para que optem pela adesão, já que os novos tratados de compartilhamento de informações assinados pelo Brasil permitirão ter acesso maior a dados sigilosos fora do País. Apenas nos EUA, a Receita Federal diz já ter identificado ao menos 638 contribuintes brasileiros com recursos irregulares. É apenas um exemplo de quem poderia ser pego numa fiscalização caso não optasse por entrar no programa. A perspectiva do cerco fechado no futuro deve ser a carta na manga de hoje da equipe econômica para fazer frente ao rombo estimado em quase R$ 170 bilhões neste ano. Com o vaivém sobre o dinheiro no exterior, a questão principal é saber que horas ele volta ao Brasil.