Desde que surgiu, a empresa de telefonia Oi está envolta em polêmicas. Em 1998, quando o governo de Fernando Henrique Cardoso privatizou a Telebras, a Tele Norte Leste (depois rebatizada de Telemar) foi comprada por um consórcio que tinha à frente a AG Telecom, do grupo Andrade Gutierrez, e a La Fonte, da família Jereissati. Dos 12 lotes leiloados, este era o único que não contava com um operador de telefonia entre os seus acionistas. O ministro das Comunicações da época, Luiz Carlos de Mendonça de Barros, chegou a chamá-la de “Telegangue”. O grupo prosperou mesmo durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos anos 2000. Sob a ótica da política de campeões nacionais, a empresa comprou a Brasil Telecom, em 2008, após o governo petista mudar a Lei Geral de Telecomunicações para garantir a transação. Já com o nome de Oi, nascia o quarto maior grupo privado do País, cobrindo todo o território brasileiro. A Supertele, como era chamada, tinha a missão de concorrer com empresas internacionais, como Telefónica, dona da Vivo, e América Móvil, controladora da Embratel, Claro e NET. Em 2013, ainda sob a benção de Lula, a Oi uniu-se à Portugal Telecom (PT), dando origem a um novo gigante da língua portuguesa, com mais de 100 milhões de consumidores e R$ 40 bilhões em receita. Mas com as caravelas portuguesas só vieram dívidas. Um ano depois da fusão, um calote de E 847 milhões da Rioforte, holding do grupo Espírito Santo, importante sócio da PT, pôs tudo a perder. Os sócios portugueses se esfacelaram e as dívidas crescerem a níveis insustentáveis.

Essa aventura ganhou um importante capítulo na segunda-feira 20. No começo da noite, a Oi protocolou na 7ª Vara Empresarial da Justiça do Rio de Janeiro o seu pedido de recuperação judicial que traz dados superlativos sob qualquer ângulo que se analise. O tamanho da dívida de R$ 65,4 bilhões é o maior da história brasileira em um processo deste tipo. Para se ter ideia, o valor é mais do que o triplo dos débitos da empresa de sondas Sete Brasil (R$ 19,3 bilhões) e mais de cinco vezes o da petroleira OGX (R$ 12 bilhões), de Eike Batista, que entraram com pedidos semelhantes em abril deste ano e em outubro de 2013, respectivamente. O juiz titular do caso, Fernando Viana, terá de analisar mais de 90 mil páginas, sendo que quase 400 delas são referentes à lista de credores.
Antes de pedir recuperação judicial, a Oi corria contra o tempo para fechar um acordo com os detentores internacionais de seus bônus. É fácil de entender a pressa da operadora. Uma apresentação que se tornou pública quando as negociações fracassaram dá uma ideia do drama da empresa de telefonia brasileira. Se não resolvesse o problema de sua dívida, a Supertele se tornaria inviável a partir de 2017. Os dados que foram mostrados aos investidores internacionais indicavam que a Oi terminaria este ano com pouco mais de R$ 700 milhões em caixa, que passaria a ser negativo em R$ 8,4 bilhões, em 2017, e em R$ 17,3 bilhões, em 2018. Pior, sem condições de ter acesso a mais linhas de financiamento, segundo a própria empresa. “A Oi é viável e tem caixa para tocar sua operação, mas não dá para pagar sua dívida”, afirma uma fonte, com conhecimento da situação da companhia. “Com a recuperação judicial, ela blinda a operação e ganha tempo para buscar uma alternativa.”

O pedido agora precisa ser aceito pela Justiça. Depois disso, a empresa tem 60 dias para apresentar um plano que precisa ser aprovado pela maioria dos credores. Não será uma negociação fácil, como já mostrou as conversas preliminares antes da recuperação judicial. Mas, agora, o acordo será mediado por um juiz. Se as partes não se entenderem, só a restará à Oi as alternativas da falência ou de uma intervenção governamental, o que pode aumentar ainda mais os prejuízos dos investidores. “Os credores não se beneficiam em nada em liquidar a empresa”, diz um experiente executivo do setor de telecomunicações. “Eles vão encontrar uma solução, porque querem reduzir os danos.” 

Analistas ouvidos pela DINHEIRO acreditam que, se a Oi conseguir resolver o problema da sua dívida, ela tem boas condições de sobreviver, apesar da complexidade e da magnitude que envolve sua recuperação judicial. A operadora conta com um faturamento na casa dos R$ 27 bilhões e mantém uma geração de caixa anual na faixa dos R$ 7 bilhões, com perspectiva de crescer para R$ 8,5 bilhões em 2018, segundo dados apresentados aos credores internacionais. São números que podem ajudá-la a voltar a ser um alvo atraente. “Equacionada a dívida e a questão regulatória, a Oi vira uma empresa que pode ser comprada”, afirma uma fonte próxima à operadora. Há sinais de que sem o enrosco de sua dívida bilionária interessados podem aparecer. O bilionário egípcio Naguib Sawiris, controlador da Orascom Telecom Media and Technology Holding, declarou, na terça-feira 21, ter interesse na Oi, desde que sua dívida seja reestruturada e a empresa receba um aumento de capital.

De fusão em fusão 

Afinal, como a Oi chegou a esse ponto, com uma dívida de R$ 65,4 bilhões? A resposta é um misto de má gestão, fusões malsucedidas, trocas incessantes de presidentes e acionistas controladores que extraíram mais valor para si mesmos do que para a companhia. “O principal motivo de a Oi estar onde está são os seus acionistas controladores”, diz um ex-executivo da empresa. “Eles administraram a empresa para atingir os seus interesses.” Não faltam exemplos para ilustrar o que diz esse executivo. Em 2010, quando a Portugal Telecom vendeu sua parte na Vivo e entrou no capital da Oi, os portugueses se comprometeram a investir R$ 8,4 bilhões para ficar com uma participação de quase 25% da empresa. Parte desse valor não foi parar nos cofres da operadora, mas sim na aquisição de fatias da AG Telecom, da Andrade Gutierrez, e La Fonte, da família Jereissati, que, apesar de minoritários, controlavam a empresa. O executivo Otávio Azevedo, preso na operação Lava Jato e que fez delação premiada, era o homem forte da AG Telecom na Oi. Do lado da La Fonte, a face mais ilustre era o empresário Carlos Jereissati. 

Quando Oi e Portugal Telecom se uniram, em 2013, uma dívida de R$ 4,5 bilhões da Telemar Participações, da AG Telecom e da La Fonte, foi incorporada à operadora brasileira. Na ocasião, os acionistas controladores votaram na assembleia que decidiu a transferência da dívida, com a aprovação da Comissão de Valores Mobiliários. “A transação causou prejuízo de bilhões e bilhões de reais e a CVM disse que não iria fazer nada”, afirma Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec). Além disso, mesmo em períodos em que a crise já era grave, a tele não deixou de repassar generosas cifras aos acionistas. Em 2012, quando o lucro foi de R$ 1,7 bilhão, os sócios receberam R$ 2,4 bilhões em dividendos e juros sobre o capital. Hoje, tanto a AG Telecom como a La Fonte reduziram suas posições na empresa. Estima-se que elas detenham menos de 3% do capital da Oi. O maior acionista é a Bratel, criada a partir dos antigos sócios da Portugal Telecom, com 22,4% do capital total. Em seguida vem o desconhecido fundo Bridge, com 5,92%, e o BNDES, com apenas 4,63%. 

Os controladores também ajudaram a instaurar o caos gerencial ao trocar de forma incessante os executivos à frente da operação, comportando-se como dirigentes de futebol que mudam o técnico a cada fase ruim do time. De 2011 a 2016, a Oi teve cinco presidentes diferentes, uma média de um por ano. Cada novo comandante mudava a estratégia da companhia. O executivo Francisco Valim, que sucedeu Luiz Eduardo Falco, em 2011, focou em celulares pós-pagos. O português Zeinal Bava quando assumiu, em 2013, mudou para pré-pagos e tevê por assinatura. “Cada um queria imprimir sua marca”, diz um ex-funcionário da Oi. Muitos deles saíram por conta de atritos com o conselho de administração, como Bayard Gontijo, que negociava com os credores internacionais e deixou o comando da empresa dez dias antes do pedido de recuperação judicial. Agora, a empresa é tocada por Marco Schroeder, que atuava como diretor financeiro. O novo executivo trabalha para manter a moral alta dos funcionários nesse período de incertezas. “Durante esse processo, vamos continuar normalmente prestando os nossos serviços, com o intuito de conquistar novos clientes, realizando vendas em todos os canais de distribuição e atendimento”, escreveu Schroeder aos funcionários, em um e-mail ao qual DINHEIRO teve acesso.

Mas nada foi tão prejudicial à Oi quanto as fusões com a Brasil Telecom e com a Portugal Telecom, patrocinadas pelo governo Lula. A primeira criou um gigante nacional de telecomunicações, mas trouxe uma série de passivos que só foram descobertos anos depois. A união não conseguiu ainda captar as sinergias previstas. “A digestão da Brasil Telecom foi horrível”, diz um ex-executivo do setor de telecomunicações, que acompanhou a união quando comandava uma empresa rival. “As culturas das duas empresas eram diferentes e os sistemas nunca se integraram.” No caso da Portugal Telecom, a empresa trouxe uma dívida de R$ 25 bilhões, elevando o já alto endividamento da Oi. “É uma empresa que não seguia uma lógica de mercado”, afirma Sérgio Lazzarini, professor do Insper. “A Oi era guiada por objetivos políticos e não estratégicos.”

A Oi paga ainda um preço alto por ser uma concessionária, com metas ainda calcadas na telefonia fixa. Hoje, a Oi cuida de 700 mil orelhões que geram um despesa anual de R$ 300 milhões e receitas de R$ 10 milhões. Outro problema é o fato de a tele ser dona de mais de sete mil imóveis e não poder vendê-los, pois há dúvidas se eles devem ser devolvidos no fim da concessão. A Oi conta também com 817 mil ações na Justiça, algo em torno de 1% de todos os processos do País. Anualmente, estima-se que gaste R$ 500 milhões com advogados. A Oi é uma gigante e conta com problemas da mesma magnitude. A recuperação judicial pode ser o começo da solução. Ao que parece, a operadora não deve ainda dizer tchau.

O jogo dos erros
Quais foram as decisões erradas que levaram à oi para a recuperação judicial:

FUSÕES MALSUCEDIDAS
As uniões com a Brasil telecom,em 2008, e a Portugal telecom,em 2013, trouxeram pouco valorà operação e estão na origem da dívida bilionária da Oi

TROCAS CONSTANTES DE EXECUTIVOS
Desde 2011, cinco executivos sentaram na cadeira de presidente da Oi, adotando estratégias diferentes

EXCESSIVOS PAGAMENTOS DE DIVIDENDOS
Quando a crise da oi já era grave, os dividendos e juros sobre capital próprio continuaram ser pagos. Em 2012, por exemplo, o desembolso de R$ 2,4 bilhões foi superior ao lucro da empresa

QUEDA DE INVESTIMENTOS
Com a crise financeira, a oi reduziu seus investimentos comparado aos seus concorrentes. Com isso, perdeu mercado em três das áreas em que atua: telefonia fixa, celular e banda larga

ALTA ROTATIVIDADE
Quem senta na cadeira de presidente da Oi não tem durado muito tempo. Confira:

Luiz Eduardo Falco (2006 a 2011) 
Ficou à frente da empresa por cinco anos e atuou na fusão da oi com a Brasil telecom. deixou a empresa em abril de 2011. hoje, é presidente da operadora de turismo CVC

Francisco Valim (2011 a 2013)
Teve uma passagem de 18 meses, de junho de 2011 a janeiro de 2013. Deixou a companhia brigado com os acionistas controladores, a la fonte, a ag telecom e a Portugal telecom.

Carneiro da Cunha (jan. a jun de 2013)
Foi presidente interino por cinco meses, até a aprovação do nome de Zeinal Bava, da Portugal telecom, para o cargo. Hoje, preside o conselho de administração da Oi

Zeinal Bava (2013 a 2014)
Foi responsável pela fusão da }Oi com a Portugal telecom, que naufragou por conta do calote de uma dívida de 847 milhões de euros da rioforte, holding do grupo Espírito santo, que era o principal sócio da Portugal telecom. Ficou no cargo por 16 meses

Bayard Gontijo (2014 a 2016) 
Assumiu no lugar de Bava e, nos últimos meses, esteve envolvido com a renegociação da dívida bilionária da Oi. Deixou a empresa por conta de desentendimentos com os acionistas, pouco antes da recuperação judicial. ficou no cargo por 20 meses

Marco Schroeder (2016 até o momento)
Está há poucos dias no cargo e será responsável pela negociação com os credores e por manter a moral dos funcionários em alta. Antes, era o diretor financeiro da Oi