Na segunda-feira 4, Leonardo Pereira, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), teve a desagradável tarefa de divulgar um processo contra seu antigo chefe, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. A autarquia que fiscaliza o mercado de capitais brasileiro abriu um processo administrativo sancionador contra Mantega e mais seis ex-conselheiros da Petrobras, além de um membro atual, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que substituiu o ex-ministro na presidência do Conselho. Também estão na lista a ex-ministra do Planejamento e atual presidente da Caixa, Miriam Belchior, o ex-secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia e atual presidente da Eletrosul, Marcio Pereira Zimmermann e o empresário Jorge Gerdau Johannpeter.

Completam a relação nomes menos conhecidos, como o general Francisco Roberto de Albuquerque, o engenheiro Sérgio Quintella, professor da FGV, e o sindicalista José Maria Ferreira Rangel. O que motivou a CVM à interpelação é a possibilidade de que os conselheiros tenham prejudicado os acionistas da estatal. A acusação formal é de que suas decisões induziram os investidores ao erro. Quando aprovaram a política de preços e o plano de negócios da empresa para o período entre 2014 e 2018, os conselheiros sancionaram o objetivo de equilibrar o endividamento da Petrobras.

No entanto, em vez de atuarem nesse sentido, os conselheiros teriam chancelado uma política de preços de combustíveis que tornou “improvável” o cumprimento dessas metas, avalia a CVM. Agora, todos os citados terão de apresentar suas defesas à autarquia. A CVM ainda vai avaliar se eles podem propor termos de compromisso para encerrar os processos sem julgamento, como é comum. De acordo com o xerife do mercado, se comprovada a suspeita, os acusados podem ser multados e ficarem impedidos de assumirem posições em conselhos ou na gestão de companhias abertas.

A política de represar os preços da gasolina, uma das pedras angulares da estratégia do governo para controlar a inflação no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, teria custado R$ 60 bilhões aos cofres da estatal, acusou o ex-diretor de abastecimento Paulo Roberto Costa, em depoimento na CPI da Petrobras, na terça-feira, 5. Costa, que foi preso pela Operação Lava Jato da Polícia Federal, usava uma tornezeleira eletrônica. Na gestão da presidente Graça Foster, a política de preços da Petrobras foi formalmente questionada por investidores, como a gestora carioca Antares Capital, e por conselheiros independentes, como Mauro Cunha e José Monforte.

Procurados pela DINHEIRO, sete dos acusados pela CVM não deram entrevista. O ex-conselheiro Rangel, que é coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e ocupou o posto entre março de 2013 e março de 2014, disse que ainda não foi citado oficialmente. Mas ele discorda da alegação da CVM de que os investidores foram induzidos a erro. “Essa acusação não procede”, afirma. “O que foi aprovado foi uma política de precificação de combustíveis, mas não um congelamento de preços”, diz Rangel. “Tudo o que foi aprovado foi divulgado ao mercado.”

Mesmo que haja acordo ou absolvição, a decisão da CVM fornece munição pesada para os advogados brasileiros e americanos que estão processando a Petrobras, desde dezembro do ano passado, em nome de investidores que perderam dinheiro com a queda das ações da estatal. Quinze bancos comerciais e de investimento, tanto brasileiros quanto estrangeiros, estão sendo acionados pelas perdas com títulos de renda fixa da Petrobras. Segundo Renato Chiodaro, advogado paulista especialista em direito societário, os acionistas poderão utilizar a decisão da CVM como base para pleitear um ressarcimento, seja da Petrobras, seja dos conselheiros.

“O recado da CVM é positivo, pois mostra que está agindo de forma a fortalecer o mercado, o que beneficia o investidor”, diz Chiodaro. Procurada, a Petrobras não concedeu entrevista. A abertura do processo contra os ex-conselheiros coincide com a revelação, feita pelo jornal Folha de S.Paulo, de que Mantega teria se oposto à divulgação de um cálculo impreciso, feito pela consultoria Delloite e pelo Banco BNP Paribas, que indicava perdas de R$ 88,6 bilhões no patrimônio da Petrobras. Segundo gravação da reunião do conselho, realizada no dia 17 de janeiro, o ex-ministro considerava uma temeridade a publicação desse número, defendida por Graça Foster.

“Vai afetar nosso rating, o custo financeiro e a solidez da empresa por algo de que não temos certeza”, afirmou o ministro, que acabou concordando com a revelação. Ao anunciar o balanço auditado, no mês passado, a Petrobras reconheceu ter perdido R$ 44, 6 bilhões, a metade do valor apresentado por Graça. Segundo Mantega respondeu ao jornal, o que importa é que, sob sua presidência, “o conselho divulgou os dados e discussões internas fazem parte do processo de decisão da companhia”.