30/10/2015 - 20:00
Estava ruim, mas ficou um pouco pior. Quatro em cada dez brasileiros estão com pelo menos uma conta atrasada. Eles engrossam a lista dos chamados inadimplentes segundo a Serasa-Experian, especializada em análises e informações de crédito. O problema é que o carnê atrasado veio também com um componente adicional na vida dos cidadãos: o desemprego. O presidente da Serasa-Experian, José Luiz Rossi, observa um cenário sombrio para o comércio neste Natal. Com uma base de dados invejável, fonte de consulta do próprio Governo Federal, Rossi tem a seu dispor um olhar privilegiado da economia. São 200 milhões de CPF cadastrados, 30 milhões de CNPJ, e em torno de 36 milhões de consultas mensais aos computadores da Serasa-Experian. Esse arsenal dá a este engenheiro mecânico, com passagem pela indústria de tecnologia, uma análise refinada da atividade econômica. “Uma fotografia muito fidedigna”, como gosta de ressaltar. Nesta entrevista, Rossi falou sobre a crise, educação financeira e soluções de curto prazo para as empresas retomarem o fôlego.
DINHEIRO – Como está o cenário atual no olhar da Serasa-Experian?
JOSÉ LUIZ ROSSI – Temos um panorama que não é fácil, diria que bastante difícil, com um grande aumento da inadimplência e o crédito bem mais restritivo que no ano passado. Se você analisar, por exemplo, a atividade econômica nas datas festivas, observa-se que no Natal do ano passado o comércio se retraiu 1,7%, algo que não acontecia há muito tempo. Tivemos ainda piora nos Dia das Mães (-2,6%) e dos Pais (-5%) em relação a 2014.
DINHEIRO – Como será o Natal de 2015?
ROSSI – Não há como prever, mas a tendência é de uma atividade no comércio mais fraca que a de 2014. Se analisarmos o último indicador, o do Dia das Crianças, já houve um recuo de 4,7% em relação no nível de atividade econômica medido pela Serasa-Experian em consulta ao crédito, que é o nosso termômetro. É possível que estejamos falando de uma cifra desta ordem para esse Natal, talvez um pouco menos porque a base de 2014 já era ruim. Tudo vai depender do nível da atividade econômica, do Produto Interno Bruto (PIB). Há uma relação muito forte entre o PIB e inadimplência.
DINHEIRO – De acordo com dados do Banco Central, o relatório Focus, as estimativas são de uma queda de 3,02% do PIB para este ano. Isto significa que o nível da inadimplência deve acompanhar este número?
ROSSI – É bem provável. Hoje, ambos indicadores apontam para esta cifra. Uma queda na produção total de riquezas e serviços no País, o PIB, que deve acompanhar um nível de inadimplência na mesma proporção dos cidadãos e empresas.
DINHEIRO – Como está hoje a situação de inadimplência no País?
ROSSI – Se considerarmos que temos 140 milhões de brasileiros adultos, com mais de 18 anos, 57 milhões estão com algum tipo de conta atrasada e são inadimplentes. Isto significa que em cada dez brasileiros, quatro estão sem pagar seus compromissos. Pode ser uma dívida de 100 reais ou de um milhão de reais.
DINHEIRO – Qual o significado desse número?
ROSSI – O que nos preocupa um pouco é a escalada da inadimplência. Há um ano, o número de brasileiros inadimplentes era de 54 milhões. E há uma característica, digamos, estrutural nisso tudo. Entre 2012 e 2013, houve um aumento da inadimplência no Brasil, um pico. Foi a época em que os bancos diminuíram o crédito e ocorreram muitos atrasos nas prestação de carros novos. Mas ali, naquele momento, vivíamos uma espécie de desarranjo no crédito das famílias. Uma situação em que as pessoas compravam mais do que poderiam pagar. Isto foi sanado logo a seguir, houve um estancamento e um controle com um detalhe importante: à época, o nível de emprego era estável. Hoje, o cenário é outro, temos inadimplência com uma alta taxa de desemprego. E isto não melhora tão rapidamente como aconteceu lá atrás.
DINHEIRO – Qual é a saída?
ROSSI - A saída passa necessariamente por uma melhora da economia, voltar a crescer e ter uma maior oferta de emprego. Sem isto, a inadimplência não cairá. Isto ajuda no que chamamos de problema estrutural. Simultaneamente é preciso ter uma maior educação financeira da população, que ainda é baixa no País. Isto é fundamental.
DINHEIRO – Por que a educação financeira é crucial?
ROSSI – Costumo brincar que a maioria dos brasileiros, quando abrem a ‘lojinha’ do seu dia a dia no início do mês, da sua casa, não tem a menor ideia do que vão gastar. E já estão endividados, pois terão que pagar a conta de luz, do aluguel, telefone… E aí se pergunta o óbvio: qual o tamanho da sua dívida? Poucos sabem responder. É preciso se investir mais nessa área.
DINHEIRO – Quem está mais endividado: a classe baixa, a média ou a alta?
ROSSI – Fazemos um estudo com o Ibope sobre educação financeira no Brasil, no qual mapeamos o conhecimento, a atitude e o comportamento de todas as classes em relação ao uso do dinheiro. “Conhecimento”, por exemplo, é quando o cidadão sabe que paga juros e mesmo assim não liquida a fatura do cartão de crédito. “Atitude” é saber que gastar mais do que se ganha é um erro. Em ambos os casos, os brasileiros têm a compreensão, obviamente em maior ou menor intensidade dependo do nível cultural. O problema é o “comportamento”.
DINHEIRO – Por quê?
ROSSI – O “comportamento” é um problema porque o sujeito não tem dinheiro para pagar. Ele sabe que vai pagar uma elevada taxa de juro, mas mesmo assim vai lá e compra um tênis ou uma bolsa do último modelo. Isto não varia por classe social. O comportamento é igual desde a base até o topo da pirâmide social, indistintamente. O que muda é o tamanho da dívida, dependendo da classe.
DINHEIRO – É um mito, então, dizer que o maior endividamento é o da classe média?
ROSSI – Sim, é um mito. Nos padrões do Ibope, o comportamento do brasileiro é igual ou ruim, independentemente da classe social. Isto quer dizer que existem bons e maus devedores em todas as classes. Não é porque o sujeito é humilde que ele necessariamente tem uma atitude mais irresponsável com o dinheiro.
DINHEIRO – Como está a situação das empresas?
ROSSI – Em agosto, a Serasa-Experian registrou um número recorde de empresas inadimplentes. São quatro milhões delas. Isso é a metade da nossa base de dados, que é de quase oito milhões de empresas. Uma em cada duas empresas no Brasil está inadimplente. E com um detalhe: a maioria esmagadora, 90% delas, é micro e pequena. Este fenômeno ocorreu em razão do aprofundamento da recessão econômica, a elevação das taxas de juros e do dólar. Fatores que estão impactando negativamente a geração de caixa e a capacidade de pagamento, impondo sérias dificuldades à quitação de seus compromissos financeiros neste ano.
DINHEIRO – Isto quer dizer que hoje a inadimplência das empresas é maior, comparada à do cidadão comum?
ROSSI – Chega a 50% nas empresas, contra 39% nas pessoas físicas. Mas não quer dizer que seja pior. É preciso observar também o tamanho da dívida, analisar o contexto.
DINHEIRO – A que contexto o sr. se refere?
ROSSI – Existe hoje uma menor velocidade na criação de empresas de sociedade limitada, uma desaceleração ao redor de 12% nos primeiros oito meses do ano em relação ao mesmo período de 2014. Por outro lado há um aumento significativo na criação das chamadas MEIs – os microempreendedores individuais –, cerca de 10% também na mesma base de comparação. Isto quer dizer que as pessoas estão perdendo o emprego, mas reingressando ao mercado de trabalho como empreendedores individuais.
DINHEIRO – O que os empresários brasileiros devem fazer diante de uma perspectiva de piora da atividade econômica e de aumento da inadimplência?
ROSSI – É preciso se preparar para a retomada do crescimento nesta fase. O que passamos é um ciclo econômico como tantos outros. Uma das coisas que recomendo é buscar oportunidades em segmentos ou regiões que estão crescendo, apesar do cenário restritivo. Refiro-me ao agronegócio, às exportações, franquias, setor de hotelaria e turismo, com a oportunidade da Olimpíada no ano que vem. Os outros pontos referem-se ao crédito e a fazer a lição de casa interna.
DINHEIRO – O que pode ser feito?
ROSSI – É necessário aprimorar políticas de concessão de crédito com informações qualificadas, de bons pagadores. Outro ponto é usar cadastro positivo também para as empresas. É preciso também investir em processos de gerenciamento e monitoramento de risco, isto é, identificar oportunidades para aumentar vendas com clientes de baixo risco e diminuir perdas com as de alto risco. Outra sugestão é aplicar recursos em processos automatizados para aumentar a cobrança com custos menores. Simultaneamente, não se deve esquecer de negociar para recuperar os maus pagadores. Na prática, tudo isto pode ser resumido em gerenciar risco com mais inteligência e com melhores informações.
DINHEIRO – O momento é de otimismo ou de pessimismo?
ROSSI – Estou pessimista com a situação momentânea, mas otimista em relação ao Brasil. O que estamos vivendo é um ciclo que vai terminar em algum momento. E o brasileiro tende sempre a olhar a grama do vizinho como mais verde que a sua, o que é um erro. O fato é que temos condições de superar essa fase, apesar desse momento de provação.