Na edição que chegou às bancas na quinta-feira, dia 12 de novembro de 2009, a revista The Economist trazia em sua capa uma imagem do Cristo Redentor decolando como um foguete. Naquele momento, o cartão postal do Rio de Janeiro, e a própria capital, eram as melhores imagens da nova fase da economia brasileira. O País acelerava, embalado por promessas como os 176 bilhões de barris de petróleo do pré-sal e a chegada de 40 milhões de novos consumidores à classe média. A prosperidade era chancelada pela nova inserção internacional brasileira.

Em cinco anos, o País iria sediar a Copa do Mundo em 2014 e, dois anos depois, os Jogos Olímpicos. O Rio retomava uma pujança que só tivera meio século antes, quando ainda era a capital federal. Era possível respirar o espírito dos novos tempos no saguão do Edifício Francisco Serrador, na Cinelândia, cujos 23 andares haviam sido ocupados pelo grupo EBX, de Eike Batista. Em um dia normal, investidores e empresários árabes, chineses, americanos e europeus lotavam o espaço, de olho nas oportunidades. A bonanza ia além das commodities.

Montadoras como Volkswagen, Peugeot, Citroen e Land Rover, só para citar um setor, instalavam plantas no estado, atraídas pelos incentivos fiscais. Quase exatos sete anos depois, a imagem é bem diferente. Falido, o Rio de Janeiro não tem dinheiro para pagar a Previdência dos servidores, e enfrenta greves e invasões da Assembleia Legislativa (Alerj) por servidores públicos inconformados com as propostas draconianas do governo de corte de gastos e redução dos salários. E, na quarta-feira 16 e na quinta-feira 17, os cariocas acordaram com as imagens de dois ex-governadores, Anthony Garotinho e Sérgio Cabral, sendo presos pela Polícia Federal.

Garotinho é acusado de compra de votos e manipulação eleitoral em Campos de Goytacazes, sem um vínculo direto com a operação Lava Jato. Já Cabral enfrenta acusações bem mais sérias. Ele é acusado de corrupção ativa e passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro, ligadas diretamente à Lava Jato. Ao assinar a ordem de prisão, o juiz Sérgio Moro afirmou que seria uma “afronta” deixar os investigados em liberdade para que possam “usufruir do produto milionário de seus crimes, enquanto a população do Rio sofre com a notória situação de ruína das contas públicas”.

Em geral certeiro, Moro desta vez acertou na mosca. Boa parte da tragédia econômica carioca e fluminense que vem estampando as manchetes é uma consequência direta da má gestão e da corrupção. Enviado a Bangu 8, Cabral é acusado de comandar um esquema que desviou R$ 224 milhões em obras públicas. Os principais focos dos desvios foram três grandes empreendimentos: o Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), a reforma do estádio do Maracanã e o Arco Metropolitano, um ambicioso projeto logístico para integrar rodovias e ferrovias na região metropolitana carioca.

Outros desvios vieram do Porto Maravilha, obras de revitalização da estrutura portuária carioca, e do PAC das Favelas, cuja face mais vistosa é o teleférico do Morro do Alemão. A corrupção e os desvios de dinheiro já são crimes bastante graves. No entanto, eles não são o pior da herança maldita legada por Cabral a seus eleitores. Assim que assumiu o Palácio das Laranjeiras, ele lançou-se em uma orgia de renúncias fiscais pouco transparentes para atrair empresas ao Estado, e distribuiu regiamente benefícios para uma minoria dos servidores públicos.

Hoje, a crise fluminense que deverá levar, na melhor das hipóteses, uma década para ser superada, está alicerçada no dinheiro que sumiu, nos superfaturamentos de muitas das obras, na estimativa exagerada de ganhos com o petróleo e na renúncia estimada de R$ 138 bilhões entre 2008 e 2013 em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para atrair as novas empresas ao Estado. Um relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE) divulgado em março afirma que essa renúncia foi determinante para a situação atual.

Criada para atrair empresas, gerar empregos, diversificar a economia carioca e, em última análise, elevar a arrecadação do ICMS, a estratégia de renúncia teve resultados pífios. Segundo dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), entre 1999 e 2015, sem contar a inflação, a receita do governo fluminense com o tributo subiu de R$ 7,23 bilhões para R$ 33,03 bilhões, um ganho de 356%. Parece um resultado estrondoso. Porém, foi o menor crescimento, considerando-se os 27 Estados e o Distrito Federal. Confiante nos royalties do petróleo, que renderam R$ 114,19 bilhões entre 1999 e 2015, o Estado passou a dar menos atenção ao ICMS. Deu no que deu.

A atuação de Cabral teve consequências devastadoras. Seu caixa foi gerido pensando que o tempo das vacas gordas, turbinado pela alta dos preços do petróleo no mercado internacional, duraria indefinidamente. Quando a The Economist chegou às bancas, cada barril de petróleo era negociado a US$ 76,02. Na quinta-feira 17, quando as manchetes mostravam a prisão do ex-governador, as cotações haviam caído para US$ 46,02, uma queda de 39,5%. Isso afetou diretamente os royalties. Em 2014, o governo fluminense recebeu R$ 3,21 bilhões.

No ano seguinte, essa cifra havia caído para R$ 2,31 bilhões, uma queda de 28%. Com isso, segundo dados da Secretaria da Fazenda, o déficit previsto para 2016 está em R$ 17,5 bilhões. Procurado, Gustavo Barbosa, secretário da Fazenda, não falou com a DINHEIRO. A redução das receitas atingiu em cheio os cofres do Estado, que já vinha distribuindo desigualmente o frutos do progresso. Em 2017, sem contar a folha de pagamentos, o gasto previsto com benefícios para a elite do funcionalismo, como auxílio para moradia, combustíveis, educação e transporte é de R$ 2,1 bilhões.

Na ponta do lápis, são 35%, mais de um terço dos R$ 5,9 bilhões que o governo quer arrecadar estabelecendo uma contribuição previdenciária suplementar para o funcionalismo. Agora, é preciso cortar fundo na carne para pagar essa conta. Entre as medidas propostas pelo governo para sanar o déficit, estão o aumento do desconto previdenciário dos atuais 11% para 14% e o aumento da tarifa do Bilhete Único, de R$ 6,50 para R$ 7,50 a partir do ano que vem. Os aposentados e pensionistas que recebem benefícios de até R$ 5.189, hoje isentos, poderão ter de pagar uma contribuição previdenciária de 30% de seus salários pelos próximos 16 meses.

As atuais secretarias seriam reduzidas de 20 para 12. A de Cultura, por exemplo, seria incorporada à pasta de Ciência, Tecnologia e Inovação, e a de Transportes seria absorvida pela secretaria de Infraestrutura. De acordo com o governo, se aprovadas, as medidas teriam impacto positivo de R$ 13,3 bilhões em 2017 e R$ 14,6 bilhões em 2018. As medidas afetam também programas sociais. Os Restaurantes Populares, que oferecem refeições por um real, passariam para os municípios, e seria extinto o programa Renda Melhor, destinado a famílias de renda extremamente baixa.

Não por acaso, todas essas propostas vêm sendo repudiadas violentamente pela sociedade. Desde o início de novembro, quando o governador Luiz Fernando Pezão – sucessor apadrinhado por Cabral – anunciou as medidas de austeridade, que têm de ser aprovadas pela Alerj, o centro da cidade vem sendo tomado por manifestações comparáveis às de 2013. Como pano de fundo desse drama, o Edifício Serrador. Hoje vazia, a imponente construção dos anos 1940 tem telas nas janelas para evitar depredações. Um fim melancólico para uma cidade que se propunha voltar a ser maravilhosa.