04/04/2016 - 15:00
Ao inaugurar a fábrica da Fiat, em Pernambuco, em 2015, o presidente mundial do grupo, Sergio Marchionne, classificou o empreendimento como a maior revolução da sua carreira, pelo esforço necessário para transformar uma plantação de cana-de-açúcar numa das fábricas mais competitivas do mundo. A revolução de Marchionne foi possível graças aos incentivos que viabilizaram uma montadora numa região sem tradição no setor. Além do BNDES, a companhia usou crédito dos fundos de financiamento regionais, criados pela Constituição de 1988 para oferecer juros mais baixos em busca de atrair investimentos a regiões menos desenvolvidas.
Desde o final do ano passado, o custo dessas linhas transformou-se numa nova frente de desgaste do governo federal. Entidades empresariais locais questionavam o reajuste de 70% nas taxas e pressionavam Brasília a rever a decisão. O governo resistiu. Manteve o novo patamar, mas fez um aceno à região, ao permitir que projetos aprovados antes do aumento e não formalizados mantenham o custo antigo. A flexibilização foi anunciada na quinta-feira 25, em reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), responsável pela decisão, formado pelos ministros do Planejamento, da Fazenda e o presidente do Banco Central.
Cerca de R$ 600 milhões podem se enquadrar na carência. O encontro que culminou na elevação das taxas, em dezembro, foi o último composto por Joaquim Levy. O ex-ministro era um defensor de ajustes, para uma realidade mais próxima de mercado, nas taxas do crédito direcionado, cujos juros não seguem a Selic (taxa básica). Em sua gestão, a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), referência dos empréstimos do BNDES, e que vinha caindo desde 2003, foi elevada de 5% para 7,5%.
A intenção de Levy era reduzir a conta de subsídios pagos para bancar a diferença entre o custo de captação (Selic – hoje em 14,25%) do banco e as linhas mais baratas oferecidas. No caso dos fundos regionais, não há necessidade de desembolsar a diferença, porque os recursos são fruto da arrecadação de impostos (3% do Imposto de Renda e do Imposto de Produtos Industrializados). O ônus fiscal implícito, calculado pela Secretaria de Política Econômica (SPE) anualmente por uma obrigação constitucional, é medido pelo custo de oportunidade, em comparação ao custo de captação do governo federal.
Ou seja, quanto a União gasta com o serviço da dívida para poder destinar aqueles recursos da arrecadação aos fundos. Para 2016, essa conta foi estimada no Orçamento em R$ 16 bilhões, só atrás do BNDES e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), entre as subvenções financeiras. Diante da crise orçamentária atual, especialistas em contas públicas têm reforçado a importância de o Estado reavaliar a eficácia das políticas em relação aos seus custos. “Crise fiscal é o momento de maximizar o retorno dos recursos públicos”, afirma Bernard Appy, ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda e diretor do Centro de Cidadania Fiscal.
“Todo mundo quer dinheiro barato, mas quer eficiência só quando é dos outros.” Como comparação, o custo implícito dos fundos equivale a quase seis meses do Bolsa Família. Appy reconhece a importância de políticas de desenvolvimento regional, mas cita como exemplos alternativos encontrados na literatura o reforço nos recursos destinados a qualificação de mão de obra e para infraestrutura. O crédito oferecido pelos fundos (do Norte, do Centro-Oeste e do Nordeste) abrange atividades produtivas em modalidades tão abrangentes quanto rurais e industriais, com foco em empresas de menor porte.
Análises feitas por diferentes especialistas nos últimos anos apontam resultados divergentes em relação à política. Há estudos que mostram avanço em emprego e renda e outros que sugerem uma melhora apenas nas cidades com alto dinamismo. É possível perceber ainda um esforço para aprimorar a gestão, feita pelos bancos regionais. Mas nas contas dos fundos ainda há números que chamam a atenção, como o saldo de R$ 14,6 bilhões em valores baixados como prejuízo. Embora não seja possível precisar o período exato do acumulado, revela o tamanho do desafio na administração dos riscos. Procurados, os bancos afirmaram que adotam medidas para evitar as perdas, como o pedido de garantias, renegociações com devedores e cobranças judiciais.
Desde a criação, os fundos de financiamento emprestaram cerca de R$ 200 bilhões nos 22 Estados cobertos pela política. Para representantes dessas regiões, os instrumentos são essenciais para atrair investimento. Segundo Fernando Castelo Branco, economista da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), o reajuste de dezembro inviabiliza a política de desenvolvimento regional. Como exemplo, ele cita as taxas para pequenas empresas, em que os juros subiram de 8,2% para 14,1%. “É um contrassenso total, contraria a função dos fundos de reduzir a disparidade entre as regiões”, afirma. “O que vai acontecer é que os recursos ficarão ociosos.”