05/12/2012 - 21:00
O bairro de Akihabara, no centro de Tóquio, é o coração da cultura pop japonesa. Jovens de cabelos espetados e coloridos vestem roupas de personagens de desenhos animados, em meio a uma profusão de lojas de produtos eletrônicos. Nas mãos desses adolescentes invariavelmente há um smart­phone, que é usado para ouvir música, jogar, ver filmes, acessar a internet e, claro, também telefonar. O que desperta a atenção é que, embora tenham em seu país marcas tradicionais no setor de tecnologia, o mais comum é vê-los com aparelhos da americana Apple e da coreana Samsung. Esse cenário simboliza o difícil momento vivido pelas fabricantes de tecnologia do Japão. 
 
 
O valor das ações da Panasonic, Sony e Sharp, três das principais empresas nipônicas de eletrônicos, afundou ao nível mais baixo em 30 anos. Somadas, essas companhias são avaliadas em cerca de US$ 24 bilhões, bem longe do valor de Apple e Samsung, respectivamente US$ 528 bilhões e US$ 192 bilhões. O mercado parece cético com o triunvirato japonês, que teve seus papéis rebaixados para o nível de “lixo” (junk) pela agência de classificação de risco Fitch. Diante dessa conjuntura, Panasonic, Sony e Sharp discutem o que as fez perder a aura de encanto que um dia tiveram perante os consumidores. Para alguns analistas de mercado, a questão passa pela força da concorrência.
 
“São empresas que estão sofrendo o baque dos baixos custos de competidores chineses e coreanos”, disse Roberto Gutierrez, analista da consultoria IDC. O CEO da Panasonic, Kazuhiro Tsuga, em um exercício de autocrítica, faz uma análise contundente sobre a situação da empresa, que prevê um prejuízo de US$ 10 bilhões no final do ano fiscal corrente. “Apesar dos nossos esforços, não estamos chegando a resultados tangíveis, o que traz uma sensação de estagnação”, disse ele em entrevista à DINHEIRO. “Não tivemos um entendimento correto da situação.” No posto desde junho, Tsuga já adotou algumas medidas emergenciais, como a redução do quadro de pessoal. 
 
Até março de 2013, a empresa, que é a maior empregadora privada do Japão, terá cortado 46 mil empregos em dois anos. Pela primeira vez em 63 anos, a Panasonic não vai pagar dividendos aos seus acionistas. Parte do problema enfrentado pelo setor japonês de tecnologia se deve ao enfraquecimento do mercado interno. O iene está valorizado frente ao dólar e o PIB caiu 3,5% entre julho e setembro, em relação ao mesmo período de 2011. A queda do consumo de eletrônicos no Japão afeta em especial a Sony. “A maior parte do comércio de eletrônicos da Sony é deficitária, eles parecem estar sobrecarregados”, disse Matt Jamieson, diretor da Fitch na Ásia. 
 
Linha de produção: para recuperar mercado, Sony, Sharp e Panasonic decidiram
revisar seu portfólio de produtos
 
Um exemplo das dificuldades da Sony é o console PS Vita, lançado no final de 2011, cujas vendas estão aquém do esperado. Na semana que terminou dia 11 de novembro, foram vendidas apenas quatro mil unidades no Japão. A Sony não atendeu os pedidos de entrevista da reportagem. Entre as três fabricantes japonesas, no entanto, a situação da Sharp requer atenção especial. A companhia declarou que deve encerrar o ano fiscal de 2012, que termina em março de 2013, com uma perda de US$ 5,6 bilhões. O mercado financeiro reagiu mal à previsão, e as ações acumulam queda de 80% em um ano. Além disso, em setembro, mês em que a empresa comemorou seu centenário, os funcionários receberam a notícia de um corte de 10% nos salários. 
 
Em resposta ao contato feito pela reportagem, a companhia reconhece que vive um período difícil. “A coisa mais importante para a Sharp é reparar o seu desempenho”, afirma por meio de comunicado. “A empresa dedica-se inteiramente a recuperar seus negócios para ganhar de volta a confiança de todas as partes interessadas.” Como parte do plano para se recolocar no jogo, essas empresas decidiram selecionar melhor suas linhas de produtos. Sony e Panasonic, por exemplo, cortaram drasticamente a produção de tevês, enquanto a Sharp ingressou na área de painéis solares. Outro ponto crucial na estratégia para superar a crise tem sido rumar para os mercados emergentes, com destaque para o Brasil. A Sony foi a primeira a perceber o potencial do País, onde cresceu 24% em 2011. 
 
Com o bom desempenho, a fabricante anunciou um investimento de R$ 500 milhões no mercado local. A Panasonic seguiu o mesmo rumo e em setembro deste ano, inaugurou sua primeira fábrica de eletrodomésticos no País, em Extrema (MG). Já estão previstos, para 2013, investimentos de R$ 300 milhões. Os diretores da consultoria Boston Consulting Group em Tóquio, Shigeki Ichii e Susumu Hattori, porém, alertam para o risco de as empresas de tecnologia do Japão priorizarem os clientes de maior poder aquisitivo, em detrimento das classes populares dos países emergentes. “As empresas japonesas correm risco de também perderem nesses mercados, que são os que mais crescem no mundo”, escreveram os dois analistas, em artigo da Harvard Business Review.
 
 
 
“Vamos tomar medidas de emergência”
 
Kazuhiro Tsuga, CEO da Panasonic, reconhece o momento conturbado da empresa. Nesta entrevista à DINHEIRO, ele diz como pretende recolocar a empresa nos trilhos. 
 
 
DINHEIRO – Por que a Panasonic tem registrado resultados ruins? 
Kazuhiro Tsuga – Apesar de nossos empregados trabalharem duro, os esforços não estão nos levando a resultados tangíveis, o que dá a sensação de estagnação. A razão disso é que não tivemos um correto entendimento da situação atual nem de como se posicionar na sociedade global. Preocupa-me que muitas das nossas atividades tenham se focado no mercado interno. 
 
Quais são seus planos para reverter a situação?
Vamos tomar medidas de emergência. Eu e o diretor de finanças, Hideaki Kawai, faremos uma reforma estrutural de grande escala, mas com riscos minimizados. 
 
Quais são as metas da Panasonic?
Estabeleci gerar a médio prazo (até 2015) 200 bilhões de ienes [cerca de R$ 5 bilhões] de fluxo de caixa todos os anos. Esse é o valor necessário para nos tornarmos uma empresa sustentável em termos de resgate de títulos e na relação de lucro esperada pelos mercados de capitais. Trata-se de nossa principal meta. Durante esses três anos, não buscaremos o aumento de receita como se isso fosse um índice de nosso desempenho. E, para alcançar o objetivo de nos tornarmos um grupo de empresas que cria valor para o cliente, nossa meta é atingir uma taxa de lucro operacional de 5% ou mais no ano fiscal de 2015.
 
Enviado especial a Tóquio