O Fundo Garantidor de Crédito (FGC) completa 18 anos no sábado 31 atravessando um inferno astral. Na sexta-feira 23, Celso Antunes da Costa, diretor-executivo do fundo, pediu demissão após a divulgação de que seu ex-sócio, José Marcelo Brandão, era responsável pela companhia IMS. Durante o primeiro semestre deste ano, essa empresa cuidou de cobrar os devedores do banco Cruzeiro do Sul, que sofreu intervenção do Banco Central (BC) em junho de 2012 e foi liquidado três meses depois. O caso da IMS, porém, não é o único questionamento. Outro a reclamar da atuação do Fundo é o advogado Getúlio Araújo Silva, representante dos credores do banco goiano BBC, no qual o BC interveio em 1998 e que seria liquidado em 2004. 

 

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Cúpula do FGC: Otto Steiner, o advogado, Antonio Bueno, o presidente do conselho,

e Celso Antunes, o demitido (a partir da esq.), na intervenção no Cruzeiro do Sul: atuação criticada

 

Segundo Araújo, há um conflito de interesses na atuação do advogado Otto Steiner, consultor jurídico do Fundo. “Ele (Steiner) é advogado do fundo, que é o credor, mas também trabalha para a empresa que sucedeu o BBC, que é a devedora. Sem falar que ganhou muito dinheiro ao prestar esses serviços”, diz Araújo (veja a reprodução de documentos fornecidos por Araújo ao final da reportagem). Steiner rebate. “Não houve conflito, agimos na defesa dos credores do banco e também do FGC, e fomos remunerados por isso”, diz. Segundo ele, na atua­ção junto ao BBC, o fundo procurou ir além de meramente procurar pagar os devedores. 

 

“Meu escritório é o mais competente do Brasil para tratar de liquidações bancárias, e antecipamos soluções que seriam adotadas na Lei de Falências”, diz Steiner. “Solucionamos o problema da maioria dos credores, que receberam 40% do que tinham investido e, se não fosse por isso, teriam recebido apenas os R$ 20 mil que eram cobertos pelo fundo naquela ocasião.” Antonio Carlos Bueno, presidente do conselho de administração do FGC, assina embaixo. “Sem a atuação do fundo, o prejuízo ao sistema financeiro e à sociedade teria sido muito maior”, diz ele em entrevista exclusiva à DINHEIRO. Ambas as atuações – a mais recente, no caso do Cruzeiro do Sul, e a mais antiga, no BBC – mostram a profunda mudança no escopo de atuação do FGC. 

 

“Steiner é advogado  do Fundo, que é o credor, mas também trabalha

para a empresa que sucedeu o BBC, que é a devedora”

Getúlio Araújo Silva, representante dos credores do BBC

 

Criado em novembro de 1995 na esteira da quebra do Banco Econômico, o fundo destinava-se a proteger os pequenos poupadores no caso de quebra de bancos. “O FGC foi criado apenas para isso”, diz Bueno. “Mas agora ele evoluiu e deixou de ser apenas uma caixa para fazer pagamentos; agora seguimos o exemplo dos países desenvolvidos e atuamos na prevenção das crises bancárias.” O que vem sendo questionado não é a necessidade do FGC, mas sua forma de atuação. O Brasil não é o único país relevante a ter uma instituição dedicada a ressarcir os correntistas cujos bancos quebrarem. A diferença é que, no Brasil, os fundos são privados. O dinheiro do FGC vem de uma contribuição compulsória dos bancos, calculada a partir de seus depósitos a prazo. 

 

Com R$ 30 bilhões em caixa, o fundo é grande. Se fosse um banco, seus depósitos o colocariam em sétimo lugar na lista das instituições financeiras, à frente de nomes como BTG Pactual, Citibank e Safra. Por ativos, o FGC fica na 17ª posição. Muito desse dinheiro vem sendo – corretamen­te – usado para socorrer os correntistas dos bancos. Nas últimas semanas, Bueno e sua equipe destinaram R$ 1,1 bilhão aos ex-clientes do banco Rural, que foi liquidado no início de agosto. No entanto, parte desse dinheiro vem servindo para garantir liquidez aos bancos menores com descasamento de prazos. 

 

No balanço de 2012, que será divulgado na primeira quinzena de setembro, o FGC deverá mostrar uma perda superior a R$ 2 bilhões com os aportes garantidos por títulos a receber do Cruzeiro do Sul. Cifras como essas têm provocado choro e ranger de dentes nos bancos e uma onda de mau humor no Banco Central. Bueno e Steiner creditam as críticas à so­ma de interesses contrariados. Ao liquidar um banco, o BC desagrada a todos. “O banqueiro contesta a precipitação e os credores afirmam que houve demora e o FGC leva a culpa”, diz o advogado. Bueno detecta outra fonte de mau humor. “Quando o fundo assume a liquidação de um banco, isso provoca inveja no corpo técnico do Banco Central.” Justificadas ou não, as críticas vêm se avolumando e devem provocar – discretamente, é claro – uma revisão na forma de atuação do fundo.

 

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