05/09/2012 - 21:00
Imagine um banco duas faces. A primeira é a de uma instituição que possui R$ 2,3 bilhões em créditos, ativos totais de quase R$ 10 bilhões, convênios com 499 governos estaduais, municipais, autarquias e empresas estatais, e a capacidade de originar até R$ 400 milhões por mês em novos empréstimos se operar em plena carga. A outra face amargou um rombo de R$ 2,2 bilhões – dos quais R$ 1,3 bilhão em empréstimos falsos concedidos à pouco conhecida Associação Beneficente dos Músicos Militares –, nasce com patrimônio zerado, precisa receber R$ 700 milhões em capital e pode aliviar em até 50% o capital dos investidores que compraram seus certificados de depósito bancário (CDB) e seus bônus emitidos no mercado internacional.
Imagem borrada: desconto de 50% imposto a credor afetará captações
Não é preciso pensar muito para descobrir qual desses perfis é o mais o atraente para um eventual comprador. No entanto, o problema que tem atormentado Antonio Carlos Bueno, principal executivo do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), é que esses “dois bancos” ostentam a mesma placa. Essa é a situação do Cruzeiro do Sul. Controlado pelo banqueiro carioca Luis Octávio Índio da Costa e importante no mercado de empréstimos consignados, o banco sofreu intervenção do Banco Central (BC) no dia 4 de junho e vem sendo administrado pelo FGC desde então. No dia 14 de agosto, Bueno e o interventor Celso Antunes da Costa anunciaram que o banco teria até o dia 17 de setembro para encontrar comprador.
Caso contrário, ele seguiria o caminho de outros bancos médios – como o Morada – e seria liquidado. Como parte essencial do processo, 90% dos credores nacionais e internacionais que possuem títulos emitidos pelo Cruzeiro do Sul teriam que se conformar em receber apenas metade do que lhes é devido, uma perda estimada em R$ 1,5 bilhão. “Montamos uma proposta que dividiu as perdas da maneira mais equilibrada possível”, diz Bueno. “Os investidores podem escolher se resolvem perder alguma coisa em vez de se arriscar a perder tudo.” Enquanto a data-limite se aproxima, os candidatos se preparam. Segundo Antunes da Costa, seis bancos já esquadrinharam os livros do Cruzeiro do Sul.“Suas motivações são variadas”, diz ele.
Celso da Costa: o interventor afirma que há seis interessados
na compra do Banco Cruzeiro do Sul
“Alguns querem aproveitar os créditos fiscais de R$ 1 bilhão e outros querem comprar a carteira de empréstimos consignados para se aproximar da concorrência”, diz ele. Quem conhece o mercado sabe que será difícil encontrar um comprador. O Cruzeiro do Sul ainda vai sofrer devido aos arranhões profundos em sua credibilidade, algo mortal para qualquer instituição financeira. É pouco provável que os investidores nacionais e estrangeiros que perderam metade do que aplicaram estejam sequiosos por trazer dinheiro novo, o que pode dificultar a tarefa de captar dinheiro a preços competitivos para movimentar a máquina de conceder empréstimos. Na quarta-feira 29, o FGC prorrogou a data limite para adesão dos investidores para 5 de setembro.
“Notamos que muitos credores internacionais tiveram problemas de sistemas e não conseguiram enviar suas propostas, por isso concedemos mais tempo”, diz Bueno. Segundo ele, a adesão foi melhor que o esperado, mas o percentual – não divulgado – ainda estava abaixo dos 90% no dia 29 de agosto. Há outro problema, esse mais sério. Os créditos consignados, praticamente o único produto do Cruzeiro do Sul, estão sob pressão há tempos. Depois de desfrutar de um forte crescimento nos últimos anos e gerar lucros polpudos para os bancos de médio porte, essa modalidade entrou na mira tanto do BC quanto dos bancos grandes, por motivos diferentes. O BC apertou a fiscalização e endureceu as regras contábeis pelas quais instituições como o Cruzeiro do Sul revendiam seus empréstimos aos bancos de maior porte, golpeando a rentabilidade.
Já os grandalhões, com destaque para a Caixa Econômica Federal, concentraram todo o seu poder de fogo na conquista dos clientes do consignado. Com isso, as taxas deixaram de ser atraentes para os bancos pequenos, que têm de pagar mais caro pelo dinheiro. Apesar das dificuldades, Bueno e Costa dizem estar convencidos da venda do Cruzeiro do Sul. “O banco sem dúvida será vendido, há muitos interessados”, diz o interventor, otimista por dever de ofício. Os nomes são mantidos em sigilo, e os candidatos mais prováveis – os líderes de mercado – fecham-se em copas, com exceção do Itaú Unibanco, que informou não estar participando do processo. Procurados, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, HSBC, Santander e BTG Pactual não fizeram comentários.
Com reportagem de Patricia Alves e Fernando Teixeira