03/07/2015 - 20:00
A visita da presidente brasileira Dilma Rousseff aos Estados Unidos, na semana passada, marcou a retomada da relação entre os dois países, interrompida em 2013, após o ex-funcionário da NSA, agência de segurança americana, Edward Snowden, denunciar que Dilma havia sido espionada pelos serviços secretos comandados pelo líder americano Barack Obama. Além de colocar um ponto final nos ressentimentos causados pelo escândalo de espionagem, a reaproximação gera expectativas a respeito da abertura de oportunidades de negócios na terra do Tio Sam.
Em discurso proferido na terça-feira 30, para uma plateia de 300 empresários, em Washington, a capital americana, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou que o País precisa ir para cima nas tratativas com o maior mercado consumidor do planeta. “Temos uma indústria diversificada, vigorosa, e vamos encontrar novos mercados para a nossa produção”, disse o ministro. “Nossos objetivos devem ser ambiciosos.” Levy, de fato, está de olho bem gordo na retomada da economia dos Estados Unidos que, ao contrário da Europa e do próprio Brasil, vêm apresentando bons indicadores.
Com uma expectativa de crescimento do PIB de 3,1%, desemprego em baixa e a popularidade de Obama em alta, os Estados Unidos vivem situação oposta à do Brasil, que vê as demissões crescerem, a economia encolher e a popularidade de Dilma despencar. Segundo Levy, o País quer fazer parte dessa recuperação econômica. “Estamos no caminho de mais comércio e mais investimentos”, afirmou o ministro da Fazenda. Na quinta-feira 2, o Departamento de Trabalho americano divulgou que a taxa de desemprego caiu para 5,3% em junho, o índice mais baixo em sete anos.
Esse é um dos principais indicadores da retomada. Faltava, no entanto, um impulso final para que os economistas, definitivamente, reconhecessem que os Estados Unidos estão fora da recessão: a elevação dos salários, que ainda se mostrava tímida, apesar do aumento da atividade econômica e das vagas de emprego. Enquanto burocratas e acadêmicos criavam teses para tentar explicar esse descompasso e o ritmo lento dos reajustes salariais, o movimento pela elevação dos pisos ganhou eco nas ruas, forçando gestores públicos e empresas a antecipar os aumentos, para a alegria dos assalariados. A onda de reajustes se iniciou com a participação de alguns dos símbolos mais proeminentes do capitalismo americano: as cadeias de fast food, como McDonald’s e Starbucks.
As redes de alimentação empregam pouco mais de três milhões de funcionários em todo o país. O piso salarial do ramo é o mais baixo entre todos os setores da economia – varia entre o mínimo federal, de US$ 7,25 a hora, até US$ 9,00. Nos últimos três anos, os empregados do McDonald’s vêm reclamando do baixo poder de compra de seus rendimentos e se mobilizam para aumentar o mínimo para US$ 15,00 a hora. Após uma greve em mais de 200 cidades, no início do ano, a rede decidiu responder às exigências dos trabalhadores e anunciou uma mudança de US$ 7,25 para US$ 8,25.
Há dúvidas se o efeito positivo nos salários chegará aos degraus mais altos da hierarquia, mas esse movimento vem se espalhando por outros setores. O impacto na economia deve ser amplo, já que o consumo das famílias responde por cerca de 80% do PIB americano. “Somado à alta na confiança dos americanos, o consumo interno será um ponto chave para o crescimento dos EUA”, diz Janwillem Acket, economista-chefe do banco Julius Baer. No primeiro semestre deste ano, a confiança do consumidor aumentou 16,5%, em relação a 2014, para o maior patamar desde 2004.
RACISMO Enquanto trabalhadores se mobilizam e ajudam a elevar os salários e o consumo, outras manifestações trazem à tona feridas antigas, não cicatrizadas, que datam da época da Guerra Civil Americana, no século 19. Nos últimos meses, o embate racial se tornou ainda mais forte. Em meados de abril, a morte do jovem negro Freddie Gray, que estava sob custódia policial, desencadeou uma série de violentos protestos na cidade de Baltimore, no estado de Maryland. De acordo com testemunhas, Gray, de 25 anos, estava em perfeito estado de saúde quando foi detido por porte ilegal de arma branca.
Exatos sete dias após sua a prisão, ele foi declarado morto em decorrência de lesões na medula espinhal. Em reação, as ruas e avenidas de Baltimore se transformaram em uma verdadeira zona de guerra, com conflitos violentos entre manifestantes e a polícia. “Imagine a situação: você já não tem emprego e, na sua própria rua, encontra policiais ofendendo-o por causa da sua cor”, disse à DINHEIRO Daniel Johnson, de 51 anos, morador de Baltimore. “Antes tínhamos uma relação cordial com os policiais, mas a abordagem deles mudou e precisamos nos defender.”
O saldo das manifestações foi a prisão de cerca de 500 participantes, mais de 200 lojas danificadas e quase duas centenas de carros incendiados. O preconceito relatado por Johnson representa, também, uma questão econômica. A taxa de desemprego entre os negros é mais do que o dobro da registrada entre os brancos: 9,5%, ante 4,2%. A divisão da sociedade pode ser constatada quando se caminha pelas ruas das maiores cidades americanas. Na área de Baltimore, por exemplo, o problema é ainda mais gritante. Na região Norte do município, onde o nadador multicampeão olímpico Michael Phelps treina para a Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016, negros somente são vistos trabalhando em lojas como Starbucks e outras redes de fast-food.
Já na parte Oeste, brancos são raros e, quando presentes, olhados com desconfiança pelos moradores do local. Questões como essa devem fazer parte das eleições americanas, no final do próximo ano. Apesar do aumento de sua popularidade, Obama e os democratas vêm perdendo apoio nos últimos anos, inclusive entre os negros. Nesse contexto, pode ficar difícil para o presidente fazer concessões a nações estrangeiras. Uma das maiores críticas feitas pela oposição republicana, que, provavelmente, escolherá como candidato em 2016 o ex-governador da Flórida Jeb Bush, irmão do ex-presidente George W. Bush, está, justamente, na política externa do atual mandatário, considerada muito branda com os inimigos do país.
Quando foi reeleito, em 2012, Obama estabeleceu quatro diretrizes principais para sua política externa: concluir um acordo nuclear com o Irã, restabelecer as relações diplomáticas com Cuba, fazer das mudanças climáticas uma questão de segurança nacional e estabelecer um acordo de livre comércio com a Ásia. Exceto pelo plano cubano, que teve avanços significativos – as embaixadas dos dois países serão reabertas no próximo dia 20 de julho –, o presidente americano vem tendo muita dificuldade para atingir seus objetivos. “Rússia, Irã e China estão, a seu próprio modo, tentando mudar o status quo internacional”, afirmou Walter Russell Mead, professor da universidade Bard College, de Washington, ao jornal The Wall Street Journal.
“Até o momento, não parece que a administração de Obama tenha conseguido mudar o pensamento de nenhum desses países.” Na visão dos republicanos, essas políticas estão enfraquecendo o país no cenário global. Até mesmo alguns democratas se posicionaram contra o acordo com o Irã. Trata-se de um assunto delicado para a provável candidata do partido de Obama à presidência, a senadora e ex-secretária de Estado Hillary Clinton. Diante de um cenário como esse, ficará difícil para o atual presidente apoiar medidas que facilitem o ingresso de empresas estrangeiras na economia.
O presidente americano, inclusive, deixou claro durante a visita de Dilma de que lado ele está. A presidente brasileira o presenteou com um agasalho verde e amarelo, bordado com a palavra Brasil nas costas, que faz alusão à Olimpíada do Rio. Ele achou muito confortável, mas “inapropriado para usar em público”. “Se o Brasil estiver jogando contra algum outro país, talvez eu use”, afirmou Obama. Mais importante para Dilma é enfrentar, no Brasil, o clima pró-impeachment que está se formando. Até nos EUA, ela enfrentou um protesto de estudantes ao visitar a Universidade Stanford, na Califórnia. Será um longo caminho até que a tocha olímpica chegue ao País.