O presidente venezuelano Nicolás Maduro deu um recado claro aos seus vizinhos e membros do Mercosul: “A Venezuela é respeitada, somos presidentes do bloco e vamos exercer nosso direito plenamente.” Palavras ao vento. Com os ânimos exaltados, os sócios da união regional não lhe deram ouvidos, em mais um capítulo de uma das piores crises institucionais do Mercosul, que vem se acentuando desde o início de julho. À época, o Uruguai, país que conduzia o bloco, afirmou que passaria o posto à Venezuela, respeitando o sistema de rotação. Pela regra, a liderança muda a cada seis meses, seguindo a ordem alfabética. Desde então, os governos brasileiro, argentino e paraguaio articulam ações para que Maduro não assuma o posto, alegando que ele viola direitos humanos ao manter opositores políticos presos. Em carta direcionada à Venezuela, o ministro de Relações Exteriores, José Serra, enfatizou que o país não tem condições de presidir o bloco. “Evidentemente, alguém que não consegue governar o seu país não vai poder levar o Mercosul para um bom caminho”, afirmou.

O impasse no bloco, que ficará maisduas semanas sem um comando oficial, fez com que os representantes convocassem reuniões “informais” e às pressas. Nesse período, ao menos dois encontros para discutir o futuro do Mercosul foram realizados, e um terceiro está agendado para o final de agosto. A enorme preocupação se dá porque a indefinição da liderança embarga qualquer decisão referente ao comércio internacional. Isso porque o país que preside o bloco é o responsável por convocar reuniões e por definir as pautas dos encontros. Nesse ritmo, a resolução do acordo entre o Mercosul e a União Europeia seria, mais uma vez, protelada. Para tentar solucionar o problema, a ministra de Relações Exteriores da Argentina, Susana Malcorra, propôs a adoção de uma presidência compartilhada. O chavista, porém, se diz perseguido por uma “Tríplice Aliança sul-americana de torturadores”. “Essa indefinição traz impactos reais relacionados às decisões práticas do comércio”, afirma o ex-secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, da Barral M Jorge Consultores.

Com seu cargo doméstico sob risco, Maduro enxergou na Presidência do Mercosul uma maneira de legitimar seu governo internacionalmente. O que o caudilho não contava, todavia, é que suas manobras políticas e o não cumprimento das obrigações com as quais concordou para se tornar membro oficial do bloco, há quatro anos, acentuaram a animosidade do Paraguai, que sempre foi contrário a sua entrada. Quando ingressou no bloco, em 2012, a Venezuela já dava sinais de que não tinha condições prévias e uma democracia sólida para cumprir as cláusulas do bloco, mas fora cativada pelos governos de Dilma Rousseff e Cristina Kirchner. Agora, Maduro reagiu como o de costume: assumiu o cargo para si, assim como emitiu um comunicado ríspido, que equivale a uma ruptura. “A Venezuela é um país importante e sua participação no Mercosul não foi um erro. Todavia, é preciso dar um tratamento coerente aos interesses do bloco”, diz Regis Arslanian, ex-embaixador do Brasil no Mercosul e sócio da GO Associados. “No momento, a melhor opção seria suspender o país, evocando a cláusula democrática.”

Em uma das piores crises econômicas e políticas da atualidade, a Venezuela chegou ao fundo do poço. Com previsão de queda no PIB de 8% em 2016, a inflação no país deve ultrapassar 400%, segundo o FMI. Já as reservas cambiais, que são inferiores a US$ 20 bilhões, são insuficientes para uma economia que importa mais de dois terços do que consome. A falta de reserva internacional fez com que Maduro decretasse estado de emergência, para garantir o abastecimento de bens básicos à população. “Não se pode deixar que a crise doméstica da Venezuela prejudique economicamente o Mercosul”, diz Thomaz Zanotto, diretor do departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp.