O executivo paulista Paulo Sérgio Kakinoff, de 37 anos, já decidiu qual será a primeira missão quando assumir a presidência da Gol, a partir do dia 2 de julho. Ele vai andar – e muito – nos aviões da companhia aérea criada e comandada por Constantino de Oliveira Júnior desde a sua fundação, em janeiro de 2001. Não se trata de férias, muito menos de viagens de negócios. O objetivo desses voos é bastante simples. Kakinoff pretende passar, incógnito, por um cliente para checar a pontualidade das partidas, o atendimento e o serviço de bordo. Essa é a forma encontrada por ele para conhecer as dificuldades que os passageiros enfrentam e saber em detalhes como funciona a operação que passará a chefiar daqui a poucos dias, depois de quase 20 anos trabalhando na Volkswagen, empresa na qual começou como estagiário, aos 18 anos de idade. 

 

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Novo público: Kakinoff, que atuava com clientes de alta renda, agora terá de lidar com a classe C.

 

Nos últimos três anos, ele presidiu a subsidiária brasileira da marca de carros de luxo Audi, controlada pela montadora alemã. “Esse é o maior desafio da minha vida”, tem dito Kakinoff aos amigos mais próximos. Em uma analogia simples, Kakinoff está trocando o volante dos potentes e luxuosos carros alemães pelos econômicos voos da vice-líder do mercado de aviação comercial brasileira, conhecida pelo seu serviço de bordo espartano, uma característica do modelo de negócios das companhias áreas de baixo custo. A missão de Kakinoff, chamado de Kaki pelos mais íntimos, no novo cargo não será nada fácil. Esse executivo – nascido em Santo André, na região do grande ABC, berço das montadoras automobilísticas brasileiras – terá de reconduzir a Gol à lucratividade. 

 

Apesar do faturamento de R$ 7,5 bilhões, a empresa acumula um prejuízo de quase R$ 1 bilhão desde 2008, dos quais R$ 710 milhões apenas no ano passado. A companhia começou uma dura e dolorosa reestruturação, que culminou com a demissão de funcionários, redução do número de voos e da frota e mudanças na estrutura hierárquica (veja quadro “Corte na carne” ao final da reportagem). Conduzida por Constantino Jr., essa revisão chega ao fim com a transição no poder da Gol, se as condições de temperatura e de pressão do mercado de aviação não mudarem. “A chegada de Kakinoff vai permitir que a Gol ganhe agilidade”, afirmou Constantino Jr. à DINHEIRO. “Os vencedores são os mais ágeis, não necessariamente os maiores.”

 

A mudança no comando da Gol não significa que Constantino Jr., aos 43 anos de idade, esteja se aposentando. A partir de julho, ele assumirá a presidência do Conselho de Administração, hoje ocupada por Alvaro de Souza, ex-CEO do Citibank. Terá também mais tempo para se dedicar aos outros negócios da família, como a fabricante de matérias-primas para produtos de higiene Providência e a operadora de concessões rodoviárias BR Vias, além das diversas empresas de ônibus, ramo original do clã Oliveira, liderado por seu pai, o polêmico empresário mineiro Nenê Constantino. Nos próximos 90 dias, ele ainda estará ao lado de Kakinoff, ajudando-o no período de transição. 

 

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Troca de comando: após liderar a reestruturação, Constantino Jr.

assume a presidência do conselho da Gol.

 

Depois, Constantino Jr., que se diz um empresário não centralizador, promete que não irá fazer sombra à gestão do novo presidente. “Panela com duas colheres desanda a comida”, afirma ele, que escolheu o nome de Kakinoff sem a ajuda de nenhum headhunter. A primeira conversa aconteceu há pouco mais de 60 dias na sede da Comporte, holding que controla as atividades da família, na Vila Olímpia, em São Paulo. “O que você acharia de ser o novo presidente da Gol?”, perguntou Constantino Jr., de forma direta e sem subterfúgios, na ocasião. Depois de diversas reuniões e vários almoços, o empresário recebeu, finalmente, o sim de Kakinoff, há quatro semanas. O anúncio oficial aconteceu apenas na segunda-feira 18, após a informação ser adiantada pelo colunista Guilherme Barros, da DINHEIRO, em seu blog.

 

O novo presidente da Gol não é exatamente um estranho no ninho. Desde 2010, Kakinoff faz parte do conselho de administração da companhia. Sabe, portanto, o que lhe espera. A pessoas próximas, ele tem usado a imagem de que a Gol era uma criança prodígio, que agora chegou à adolescência. “A voz e o corpo estão mudando, mas, como ela fez muitas coisas importantes no passado, é cobrada como um adulto”, afirmou a alguns colegas. Kakinoff também fez tudo prematuramente em sua carreira profissional. Aos 24 anos, assumiu seu primeiro cargo gerencial, o de supervisor regional de serviços da Volkswagen, em São Paulo. Com 30 anos, já era diretor de vendas e marketing da montadora no País.

 

“Kakinoff foi o pai dos slogans ‘Você conhece, você confia’ e ‘Perfeito para a sua vida”, diz um executivo que trabalhou com ele nesse período. “Ele ajudou a mudar o conceito da marca.” Em 2007, mudou-se para Berlim, como diretor-executivo do grupo para a América do Sul. Retornou ao Brasil, em 2009, na presidência da operação local da Audi. Seu estilo de gestão também é peculiar. Duro nas cobranças que faz aos seus subordinados, gosta de ser exigido da mesma forma. A cada semestre tranca em uma sala todas as pessoas que se reportam diretamente a ele – secretária, motorista e diretores. Sem sua presença, eles conversam apenas sobre os pontos negativos de Kakinoff. 

 

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Depois, escrevem em um papel tudo o que discutiram e entregam o relatório para ele. Ninguém é identificado e aqueles que se arriscam a contar algo para ele podem ser demitidos. O executivo acredita que essa é a única forma de receber um feedback verdadeiro de seus subordinados. Já avisou aos funcionários que replicará o sistema na Gol. “Mas darei um tempo para que me conheçam”, disse ele, em um encontro com alguns executivos, na semana passada, na sede da Gol, vizinha do aeroporto de Congonhas. Um exemplo que ilustra bem sua forma de comandar uma empresa aconteceu quando era diretor de marketing da Volkswagen – e ajuda a entender por que ele pretende viajar pelos aviões da Gol. Kakinoff reunia semanalmente seu staff para discutir estratégias. 

 

Em uma delas, abriu a reunião com uma pergunta. “Qual carro vocês alugariam se fossem fazer uma viagem?” Todos os gerentes, unanimamente, responderam que escolheriam um carro da montadora alemã. Ele discordou. “Vocês deveriam alugar um carro da concorrência, porque devem conhecer seus adversários.” Procurado por DINHEIRO, ele disse que não queria dar declarações. Alegou que ainda trabalha na Audi até o dia 29 de junho e concordou apenas em posar para as fotos desta reportagem. À frente da Gol, Kakinoff terá de usar de todo o seu arsenal gerencial para tirar a companhia do prejuízo. A seu favor, há o fato de que a reestruturação comandada por Constantino Jr. está praticamente concluída. 

 

Isso não significa, no entanto, que o céu será de brigadeiro a partir de agora. No primeiro trimestre de 2012, o prejuízo foi de R$ 41 milhões. A tendência é de que os números piorem ainda mais no segundo trimestre, época mais fraca do ano em termos de volume de viagens. Além disso, a empresa teve sua nota de crédito rebaixada por agências de classificação de risco. Seu valor de mercado, que já foi superior a R$ 17 bilhões, hoje representa um sexto desse patamar histórico. É verdade que a turbulência que atingiu a Gol se deve, em boa parte, a razões conjunturais do mercado, que atingem também suas concorrentes. A TAM, liderada por Marco Antônio Bologna, apresentou um prejuízo de R$ 335 milhões em seu balanço anual. 

 

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Bologna, da TAM: líder no mercado brasileiro ainda precisa consolidar a união com a chilena LAN.

 

A principal causa externa é um aumento forte nos custos variáveis. O combustível de aviação, responsável por quase metade dos custos das empresas aéreas, por exemplo, teve aumento médio de 30% no ano passado. O câmbio também jogou contra: a valorização do dólar frente ao real aumentou os valores pagos na compra e no leasing de aeronaves. “Os custos das companhias aéreas aumentam em dólar, enquanto o preço das passagens fica em real”, afirma Alcides Leite, professor da Trevisan Escola de Negócios. Isso não significa, no entanto, que a Gol não tenha dado sua contribuição e cometido seus próprios erros. Segundo analistas, a empresa superestimou fortemente as estimativas de crescimento para o mercado brasileiro. 

 

Nos últimos anos, o aumento da demanda se deu a taxas próximas dos 20%. “Era um número claramente insustentável, mas eles encomendaram aviões acreditando que o mercado cresceria nessa proporção”, afirma um especialista que pediu que não fosse identificado. Como resultado, quando a demanda começou a minguar, a Gol se viu com aviões demais, pagando combustível, seguro, pilotos, equipes e manutenção para voos com passageiros de menos. Pesou também no balanço a compra, em meados do ano passado, da concorrente Webjet, detentora de 7% do mercado, numa operação de R$ 310 milhões. A aquisição ainda não foi aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Em um ponto, porém, a aquisição já começa a funcionar a favor do grupo. 

 

A Gol está repassando parte de seus aviões modernos para a controlada. “Com isso, eles reduzem a ociosidade da frota e substituem os modelos antigos da Webjet”, afirma Daniel Spilberg, analista do banco britânico Barclays. A medida é um exemplo do esforço feito pela Gol para reduzir seus custos. Constantino Jr. retomou as rédeas do dia a dia durante toda a transição. A decisão de reestruturar a Gol veio em outubro do ano passado, mas as medidas só entraram em vigor em março – após o fim da época de fim de ano, que gera a maior demanda de todo o período. “Os últimos meses foram duros”, diz o empresário. “Ninguém gosta de demitir. Mas quem ficou sabe que isso foi necessário para o bem da empresa no futuro.” 

 

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É justamente a preocupação com o futuro que deve nortear os primeiros passos da Gol sob a nova direção. De acordo com analistas, a prioridade estratégica será redefinir qual é, afinal, a identidade da Gol. Quando a empresa começou a operar, tinha uma cara própria. Era a companhia da passagem barata e do despojamento, que servia barrinha de cereal e tinha aeromoças vestindo camisetas. “Isso fez com que a empresa se destacasse de todas as outras e garantiu seu crescimento por vários anos”, diz Valter Pieracciani, da consultoria Pieracciani, de São Paulo, especializada em inovação. Segundo ele, ao longo do tempo, essa marca foi perdida, e a Gol se tornou cada vez mais parecida com sua grande rival, a TAM – que também deixou de lado ações que criaram sua imagem de bom atendimento aos clientes, como os tapetes vermelhos estendidos no embarque dos voos. 

 

O destino da empresa passa por uma questão que há tempos circula no mercado e na cabeça dos consumidores: afinal, a Gol ainda é uma companhia aérea de baixo custo? “Não vamos deixar de lado esse modelo”, afirma Constantino Jr. “Na imensa maioria das vezes, nossos preços são mais baixos que os dos concorrentes.” Nem todos pensam da mesma forma. “Há muito tempo a Gol deixou de ser baixo custo”, diz Paulo Cury, sócio-diretor da consultoria brasileira Condere. “Não há grandes diferenças no custo das passagens e a empresa mantém voos em rotas de baixa densidade, com média de ocupação pequena.” Outras questões também estarão à espera de Kakinoff. Uma delas é um possível aumento da participação da americana Delta Air Lines no capital da Gol, passando dos atuais 3% para o limite de 20% estipulado pela companhia brasileira. 

 

Rumores nesse sentido começaram a circular no mercado logo após a Delta comprar sua fatia inicial, em dezembro do ano passado, por US$ 100 milhões, e ganharam força nas últimas semanas. Constantino Jr. nega uma negociação desse nível. “O mais provável é que aconteça o inverso”, diz o empresário. “Nosso departamento de vendas está fechado, mas o balcão de compras segue funcionando.” Ele não fala em nomes para essas operações. Segundo analistas, só existem dois alvos em potencial. Um deles é a Avianca brasileira, que não consegue acertar sua entrada no grupo internacional colombiano Avianca Taca. O outro é a regional Passaredo, sediada em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.

 

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Neeleman, da Azul: fusão com a Trip para dominar as rotas regionais do País e incomodar as gigantes.

 

Outro tema que precisará ser tocado pelo novo presidente é a conclusão da transformação do programa de milhagem da Gol, o Smiles, herdado com a compra da Varig, em uma empresa independente. A operação é vista como uma forma de potencializar a renda vinda dos cerca de oito milhões de usuários, especialmente após uma possível abertura de capital dessa nova companhia na Bovespa. O modelo da operação é a Multiplus, da concorrente TAM, que já conta com quase dez milhões de clientes. A Gol já contratou a consultoria Boston Consulting para ajudar na operação. “O Smiles tem sido uma surpresa agradável, mas ainda é muito cedo para se falar em abertura de capital”, diz Constantino Jr. 

 

Evasivas à parte, o fato é que as receitas extras vindas de qualquer dessas operações seriam muitíssimo bem-vindas em um momento complicado. Constantino Jr. diz que a Gol é “uma criança que cresceu muito rápido e agora sente as dores desse crescimento”. Mas o empresário afirma que, com ou sem receita adicional, a companhia está bem posicionada no mercado. “Vamos ganhar agilidade com Kakinoff e voltar a registrar lucro”, afirma. Questionado, ele diz não poder estipular uma data para esse retorno do azul na última linha do balanço, mas garante que isso acontecerá cedo ou tarde. “Não tenham dúvidas: nós somos uma verdadeira fortaleza.”

 

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Colaboraram: Guilherme Barros e Rafael Freire