O banqueiro Ricardo Lacerda, CEO do banco de investimento BR Partners, é um dos poucos empresários que declararam publicamente o voto em Dilma Rousseff, no segundo turno de 2014. Arrependido, ele diz hoje que “em retrospecto, tudo é fácil de avaliar.” Crítico do modelo adotado, em especial a partir de 2013, Lacerda acredita agora que a escolha do Henrique Meirelles para comandar a Fazenda, em um provável governo de Michel Temer, é o primeiro choque de credibilidade para recuperar a economia brasileira. Mas, ao mesmo tempo, Temer precisará adotar uma agenda mais ambiciosa, com reformas estruturais para garantir crescimento em longo prazo. Confira os principais trechos da entrevista:

DINHEIRO – Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, caso seja confirmado como ministro da Fazenda, é o homem certo para fazer os ajustes na economia brasileira?
RICARDO LACERDA –
 Essa foi a primeira medida importante que o Michel Temer tomou. Henrique Meirelles tem credibilidade para ser o fiador da solvência do Estado. Acho isso excelente e já criou uma reversão de expectativa que fez o dólar voltar de R$ 4,20 a R$ 3,50 e os juros futuros, que estavam em 16% e 17%, retornarem para 12%. Vínhamos numa trajetória em que essa solvência estava sendo colocada em xeque. Meirelles também ajuda a dar uma previsibilidade à economia e ao ambiente de negócios. O governo da Dilma, a partir de 2014, começou a causar um tumulto enorme no ambiente de negócio e todo mundo perdeu a confiança. Os empresários ficaram com medo de quebrar e os trabalhadores com medo de perder o emprego. Soma-se a isso decisões estapafúrdias e um discurso horroroso. Agora, a lambança com a economia pode acabar.

DINHEIRO – A presidente, no entanto, tentou fazer um ajuste fiscal e nomeou Joaquim Levy para a Fazenda, um economista ortodoxo. O que deu errado?
LACERDA –
 Na verdade, ela nunca tentou fazer um ajuste fiscal. Ela sinalizou que tentaria fazer. Mas achou que apenas essa sinalização iria causar uma melhora da confiança e que os investimentos voltariam. Mas isso não aconteceu. Eu mesmo acreditei que isso poderia acontecer em 2014. A própria nomeação do Levy foi muito a contragosto e nunca houve um endosso daquela política e daquele ajuste fiscal. O mercado, então, perdeu completamente a confiança. E aí você não reverte mais. Confiança e credibilidade é algo que você demora muito tempo para construir e pouco para destruir.

DINHEIRO – O que Michel Temer, em conjunto com Henrique Meirelles, precisaria fazer para retomar essa confiança rapidamente?
LACERDA –
 Existem duas coisas que precisam ser feitas. Uma delas é estabilizar o paciente dentro da UTI. Isso já foi feito. Henrique Meirelles, que deve tocar a economia com carta branca, é um dos melhores nomes possíveis, sob o ponto de vista do mercado financeiro. Com isso, há alguém com credibilidade que vai buscar políticas mais sérias, uma estabilidade fiscal, um ambiente de negócio com previsibilidade e dar confiança para as pessoas investirem. O paciente, então, fica estabilizado, mas ainda está dentro da UTI. Por quê? Porque demoraram muito para reverter essa política. Os problemas que nós temos atualmente são muito piores do que eram em 2014. O segundo passo só será resolvido através de reformas estruturais, como a da Previdência e a fiscal, e uma abertura da economia. Será necessário buscar uma série de coisas que precisam ser costuradas em um ambiente político adverso. Enquanto a Dilma é a antítese da política brasileira, o Michel Temer é a síntese. Se existe alguém preparado para fazer isso, essa pessoa é o Temer. Por outro lado, a política brasileira é muito complexa. São 30 e tantos partidos e um loteamento enorme de cargos. Até que ponto um governo que não tem, num primeiro momento, um respaldo popular pode tomar todas essas medidas? Essa é uma grande incógnita.

DINHEIRO – Com quais os cenários para a economia o sr. trabalha num eventual governo Temer?
LACERDA –
 O primeiro cenário é o governo Temer ser o da Dilma, mas com o Meirelles na Fazenda. É melhor? Sim, mas não o que sonhamos. O segundo é ele ganhar respaldo popular e fazer uma costura política ao longo do tempo e conseguir implementar reformas dentro de um horizonte de médio prazo. E o terceiro, que já perdi um pouco da esperança, seria um cenário mais radical de ele entrar e fazer um choque, não só de credibilidade imediata, como ele fez com o Meirelles, mas também de reformas, cortando os ministérios para menos do que 20, enviando as reformas imediatamente para o Congresso e revertendo algumas das políticas ideológicas e nocivas do governo do PT. Isso já não parece mais viável dentro do cenário político que estamos lidando.

DINHEIRO – Em qual desses cenários o sr. acredita?
LACERDA –
 Eu sonho com o segundo, mas estou com medo de ser entre o primeiro e o segundo.

DINHEIRO – Parte da indústria critica o Meirelles por conta do real apreciado quando foi presidente do BC no período de 2002 a 2010. A crítica faz sentido?
LACERDA –
 O Meirelles foi criticado por quem acredita que a mera desvalorização cambial leva a um desenvolvimento do setor industrial mais forte, o que é um tese muito questionável e quase superada. Não vejo nada que ele tenha feito que tenha sido nocivo.

DINHEIRO – Em 2002, Lula teve de fazer uma carta aos brasileiros, sinalizando que não mudaria a política econômica de FHC. Temer deveria fazer algo semelhante, mas voltado para as conquistas sociais dos últimos anos?
LACERDA –
 Acredito que isso não vai ser necessário. Temer é uma pessoa extremamente sagaz do ponto de vista político. As políticas sociais não têm um custo tão grande quanto se imagina ou quanto o discurso petista quer vender. O custo de se consertar a economia não é o de abortar as políticas sociais. O custo de se consertar a economia é colocar pessoas competentes, com as cabeças certas, tomando as decisões certas e dando previsibilidade para que as empresas e investidores possam investir. Não acho que seria intenção do Temer abortar os programas sociais e fazer o ajuste às custas do que foi conquistado nos últimos anos. Até porque não é preciso.

DINHEIRO – Qual o maior problema da economia brasileira? 
LACERDA –
 Sem dúvida alguma é o desajuste fiscal. Tudo aquilo que foi conquistado, um ajuste fiscal que levasse a uma redução de juros e uma capacidade de investimento maior, acabou sendo colocado em risco a partir de 2013. Há uma diferença grande entre ter juros nominais de 7% a 8% e ter de 14% a 15%. Algumas coisas, como financiamento imobiliário e investimentos de longo prazo, são inviáveis a taxas de juros nominais muito altas. E foi isso que o governo da Dilma subestimou. A conquista de ter as contas públicas sob controle e uma inflação baixa foi a grande conquista social do Brasil. Não teve nenhuma política social que teve um efeito positivo para a população de baixa renda como a redução da inflação. E a inflação girando acima de dois dígitos, com juros a 14%, tem um efeito muito negativo.

DINHEIRO – Quando o sr. acredita que o Brasil voltará a crescer?
LACERDA –
 Nesse cenário básico de Meirelles na economia, com nomes melhores no governo como um todo, e poucas medidas imediatas de impacto, vamos voltar a crescer no ano que vem, talvez no quarto trimestre deste ano. Mas num ritmo lento. Não espero crescimento acima de 2%.

DINHEIRO – Com as receitas em queda e um desajuste fiscal, o governo terá que inevitavelmente aumentar impostos ou há alternativas diferentes?
LACERDA – 
O novo governo deveria fazer um grande esforço de implementar reformas, sem fazer aumento de imposto. Acredito que isso seria uma bandeira política para o PMDB e para o Temer muito eficaz junto ao empresariado. Pode até não causar benefícios tão imediatos quanto uma CPMF. Não sei se é viável uma reversão da situação fiscal sem a CPMF, mas o governo deveria investir muito nisso. Isso demonstraria uma capacidade muito grande por parte do governo. Seria uma conquista, realmente, muito boa.

DINHEIRO – Mas é possível não aumentar impostos?
LACERDA –
 Acredito que é possível fazer os ajustes sem criar a CPMF do ponto de vista econômico. Mas, do ponto de vista político, não sei porque temos uma dificuldade grande em cortar gastos e aprovar reformas.

DINHEIRO – Como os investidores estrangeiros estão enxergando essa crise no Brasil?
LACERDA –
 Num primeiro momento, todo mundo viu a crise com uma certa perplexidade, dada a quantidade de erros cometidos pelo governo e a quantidade de medidas sem nexo, sem pé nem cabeça, como limitar retorno de investimento. Nunca se viu tanta bobagem junta ao mesmo tempo nos últimos três anos do ponto de vista macroeconômico. Num segundo momento, essa perplexidade continuou, mas mais em função do dinamismo do cenário político e das reviravoltas que aconteceram, que acabaram transformando o ambiente político do Brasil em alguma coisa semelhante ao seriado House of Cards um pouco turbinado. Estou nesse mercado há 25 anos e existe uma diferença grande hoje. Antes, o Brasil era visto como um lugar exótico, com poucas oportunidades para se entrar e sair rapidamente. Hoje, o Brasil é um país onde todo mundo tem de estar. Empresas de consumo, por exemplo, não podem se dar ao luxo de não estar no Brasil. Todos os grandes investidores de private equity e os fundos soberanos estão no Brasil. Todo mundo vê o Brasil com muito interesse.

DINHEIRO – O sr. foi um dos poucos empresários que declarou o voto na presidente Dilma Rousseff no segundo turno. O sr. se arrependeu?
LACERDA –
 Não sou político, não tenho partido político, não apoio nenhum governo e declarei meu voto depois da eleição. Nunca tentei influenciar ninguém com meu voto. Em 2014, era um cenário aonde se podia, com o mesmo governo, que tinha apoio da sociedade e das políticas sociais, dar uma guinada para o mercado. Eu achei que Dilma faria isso com convicção. Mas ela nunca fez isso. Nesse sentido, eu errei. Mas em retrospecto, tudo é fácil de avaliar.

DINHEIRO – A presidente Dilma Rousseff tem reiterado em seus pronunciamentos que o impeachment, sem crime de responsabilidade, é golpe. Na sua opinião, foi golpe?
LACERDA –
 Não, não foi. Mas esse processo deixa uma mácula, que é fato de ter sido conduzido por alguém que sofre processos no STF, por ter tido articulação do vice-presidente da própria chapa dela e por não ter punido outros governantes que adotaram as mesmas práticas. Mas não acredito que seja golpe porque tudo foi feito dentro da regras constitucionais e a Dilma perdeu qualquer condição de governabilidade.