Em 2009, no cargo de presidente do Banco Central, Henrique Meirelles foi breve ao enaltecer as forças econômicas que credenciavam o Brasil para receber os Jogos Olímpicos de 2016. Em Copenhague, na Dinamarca, ele citou dois exemplos: a posição de quinto maior mercado publicitário global e o descobrimento do maior campo petroleiro mundial, o pré-sal. Na ocasião, Meirelles foi o único chefe da área econômica entre os concorrentes a comparecer – e discursar – na cerimônia que consagrou o Rio de Janeiro como vencedor.

No comando da Fazenda, neste ano, o recém-empossado ministro luta contra a mais grave recessão da história. A seu favor, nas próximas semanas, ele terá a Olimpíada para melhorar a imagem do País entre os investidores. E cariocas poderão desfrutar dos avanços na infraestrutura local, o maior legado do evento. A abertura dos Jogos do Rio de Janeiro, nesta semana, marca a fase final de mais de dez anos de trabalhos em torno do evento. Quase tudo mudou na economia.

Para ficar nos exemplos de Meirelles, o País é hoje apenas o nono mercado global de publicidade e o maior campo de petróleo ainda pouco se traduziu em riquezas de fato. O PIB caminha para o segundo ano seguido de queda, de pouco mais de 3%, e 11 milhões de brasileiros estão sem emprego. Quando o País decidiu embarcar, pela terceira vez, em uma candidatura pelo evento, em 2006, o ritmo de crescimento era de 4%, não havia problemas sérios na área fiscal, empregos estavam sendo criados e era possível sonhar com um futuro mais rico e estável.

Ao ser confirmado, em 2009, a situação era semelhante, o Brasil acabara de crescer 5% e se destacava com respostas positivas à crise financeira mundial. Cerca de 50 mil pessoas foram à praia de Copacabana comemorar o anúncio feito em Copenhague. A deterioração econômica recente ajuda a explicar agora a percepção negativa sobre o evento às vésperas de seu início. Seis em cada dez brasileiros enxergam mais prejuízos do que benefícios, segundo pesquisa Ibope divulgada na quarta-feira 27.

Entre os estrangeiros, episódios como a entrega inacabada da Vila Olímpica e a poluição da Baía de Guanabara reforçam as dúvidas sobre a capacidade de gestão e a maturidade do País. Tamanha tormenta conjuntural, acentuada pelo processo ainda incompleto do impeachment da presidente Dilma Rousseff, dificulta a avaliação sobre os possíveis ganhos e prejuízos com a edição brasileira, um debate que tradicionalmente divide os economistas. Em referência ao momento, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, chegou a classificar o evento como uma oportunidade perdida.

“A Olimpíada é uma oportunidade de mostrar ao mundo que o País consegue fazer as coisas no custo e no prazo”, afirmou à DINHEIRO (leia entrevista aqui). “Que pena que o Brasil, no foco do mundo, não esteja no seu melhor momento político e econômico.” A decisão da candidatura implica gastos públicos desde o início. De partida, foram desembolsados R$ 80 milhões para estruturar a campanha. Após quatro atualizações, os custos totais da Rio 2016 estão estimados atualmente em R$ 39,1 bilhões, divididos em gastos operacionais com o evento, como contratação de pessoal e alimentação (R$ 7,4 bilhões), investimentos na construção das arenas (R$ 7,1 bilhões) e em infraestrutura, como trens e metrô 
(R$ 24,6 bilhões).

Cerca de 40% do total envolve recursos públicos nas diferentes instâncias estatais: União, Estado e município (veja ao lado). Em diferentes escalas, as três sofrem com a queda na arrecadação e enfrentam batalhas para manter a prestação de serviços em meio à deterioração das contas públicas. Diante da sangria de recursos, o Estado do Rio de Janeiro, o mais debilitado, teve de decretar, em junho, calamidade pública para se habilitar a receber um aporte adicional da União voltado à segurança dos Jogos.

O episódio contribuiu para arranhar a imagem do evento às vésperas da abertura. No governo federal, tampouco há folga. A equipe econômica liderada por Meirelles corre para aprovar reformas capazes de estancar o avanço da dívida pública que culminou com a perda do grau de investimento e deflagrou o nível de desconfiança em relação à economia nacional.

REAVALIAÇÃO Em todo o mundo, cidades estão desistindo de suas candidaturas olímpicas, por temor da repercussão negativa diante da necessidade de destinar somas elevadas de recursos em obras que nem sempre atendem às demandas locais. Toronto, Boston e Hamburgo estão entre as desistências recentes. “É muito raro ver alguma cidade-sede colher benefícios econômicos, a maior parte gasta mais do que recebe, desperdiçando recursos”, afirmou à DINHEIRO Andrew Zimbalist, economista da Smith College, que estuda o tema de grandes eventos esportivos e questiona os seus benefícios.

“O Brasil vai sofrer no longo prazo devido à instabilidade causada pela decisão de hospedar os jogos e o dano que será provocado à imagem do Rio de Janeiro.” A principal crítica se dá sobre as razões que justificam gastos que deveriam ser destinados para saúde, educação e segurança, por exemplo, para a construção de arenas fadadas à ociosidade posterior ou em obras de infraestrutura feitas para atender as exigências do Comitê Olímpico Internacional (COI). O debate recente deflagrou estudos da comunidade olímpica para alterar o modelo de candidatura no futuro, de modo a acomodar ambições menos gigantescas e permitir a utilização de mais redutos prontos.

O objetivo é racionalizar os custos para evitar casos como os da Grécia, em que as Olimpíadas são apontadas como o início das dificuldades que redundaram no pedido de calote do país anos depois. Na outra ponta, considerando a decisão tomada há mais dez anos, economistas avaliam o que pode ficar de positivo ao País. Só para a compra de produtos e suprimentos, o orçamento da Rio 2016 somava R$ 3,8 bilhões. Com o prazo apertado, as obras dos Jogos Olímpicos operaram a pleno vapor até próximo do prazo de entrega, enquanto os canteiros de construção por todo o Brasil eram desativados.

Até meados do ano passado, o saldo de vagas ainda era positivo na construção civil carioca, enquanto, no País, o setor já havia perdido quase meio milhão de empregados. O fenômeno também foi observado nas empresas de serviços, que optaram em manter funcionários ociosos focando o evento. “Os indicadores mostram que o Rio de Janeiro sofreu muito menos com a crise do que o resto do País”, afirma Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

Nos cálculos da entidade, os cerca de 900 mil turistas esperados nos Jogos devem movimentar R$ 2,7 bilhões entre a Olimpíada e a Parolimpíada, um incremento de quase 20% para os setores ligados ao turismo da cidade. Cerca de quatro mil postos de trabalho temporários devem ser criados. O efeito dos recursos adicionais no PIB nacional, no entanto, é marginal, sobretudo porque é ofuscado pelo impacto negativo dos feriados. Em 2014, a Copa do Mundo foi apontada pelo governo como vilã, responsável por subtrair 0,3 ponto percentual da atividade econômica devido ao fechamento das lojas.

Não são os efeitos de curto prazo que ocupam a maior parte do debate. Para os economistas, o mais importante é o legado pós-Jogos. No plano mais concreto, a expectativa é que a exposição pontual ao longo dos 15 dias possa ajudar a atrair mais turistas ao Rio de Janeiro no futuro. Com a capacidade hoteleira duplicada para atender aos Jogos, a cidade se firma como destino mais atrativo para eventos internacionais nos próximos anos. Até 2020, 165 eventos já estão contratados, com uma visitação esperada de 1,35 milhão de turistas e receita de quase R$ 6 bilhões.

“O aumento no número de quartos foi fundamental para recolocar o Rio de Janeiro de volta na rota do turismo de negócios”, afirma Antonio de Mello, secretario de Turismo do município. Na infraestrutura, avanços na mobilidade e na restauração do centro são apontadas como os principais incrementos aos cariocas e estrangeiros que visitarão a cidade. Uma linha de metrô, dois corredores expressos de ônibus (BRTs) e um trem urbano (VLT) foram entregues para o evento. São construções que dificilmente sairíam do papel em tempo tão curto não fosse a realização da Olimpíada.

“O arco metropolitano demorou 20 anos para ficar pronto”, diz Roberto Kauffmann, presidente do Sindicato da Construção Civil (Sinduscon- RJ). “Provavelmente, essas obras seguiriam o mesmo caminho.” Os corredores de mobilidade abrem oportunidades para o setor imobiliário ao longo da via e devem contribuir para promover uma descentralização da cidade. O plano de legados da Rio 2016 inclui a revitalização da área portuária, a um custo de R$ 8,2 bilhões, com a inauguração do Museu do Amanhã. No plano subjetivo, a expectativa é que a exposição da Olimpíada possa ser usada como argumento para atrair investimentos.

“Em Tóquio, em 1964, a Olimpíada foi um turning point (ponto de virada) para o Japão, que se mostrou para o mundo como país inserido e com ambições globais”, afirma Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco. “Acredito que os Jogos do Brasil poderão cumprir papel semelhante, de ser um ponto de virada e uma revelação ao mundo de um País maduro, com grandes dificuldades, mas com amplas condições de se firmar no cenário mundial.” Na Copa do Mundo de 2014, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) convidou investidores de todo o mundo para fazer visitas técnicas a parques produtivos e Estados entre as partidas.

Desta vez, a agência usará a Casa Brasil, montada no Centro do Rio de Janeiro, para as conversas com potenciais investidores. “Usamos a Olimpíada como argumento de promoção há alguns anos”, afirma Maria Luisa Cravo, gerente de investimentos da Apex. “Agora é a hora de entregar o evento para que o fato concreto colabore para a formação dessa imagem.” A avaliação do desempenho dependerá do resultado final fora das quadras, com a execução de um evento sem incidentes e satisfatório aos olhos do mundo. Para as autoridades, o jogo já começou e o placar será definido em poucos dias.

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“Os investimentos feitos no Rio de Janeiro Transformarão a cidade para sempre”

Christophe Dubi, diretor-executivo do Comitê Olímpico Internacional

Por Paula Bezerra

Estima-se que os Jogos Olímpicos poderão gerar £ 41 bilhões para Londres até 2020. Qual será o legado econômico para o Rio de Janeiro? 
Nos próximos sete anos, os progressos em turismo, saúde pública e educação já serão observados pela população. É importante ressaltar que os investimentos feitos no Rio de Janeiro transformarão a cidade para sempre. O turismo nunca mais será o mesmo, pois a cidade tem mais capacidade para acolher um número de pessoas muito maior do que estava acostumada, assim como para receber outros eventos de grande porte. O mesmo pode-se dizer para os transportes, que estão mais eficientes.

Sediar a Olimpíada gera um alto custo para as cidades. Isso tem feito com que elas desistam de se candidatar para as próximas edições.
Sediar os Jogos é uma vitrine, tanto para o país como para a cidade. Quando olhamos para o futuro, temos de fazer duas grandes distinções sobre o que significa sediá-los. A primeira diz respeito ao orçamento operacional inicial e, a segunda, é em relação ao legado econômico de longo prazo. É possível receber o evento e ter grande parte do investimento da iniciativa privada, por exemplo. Além disso, é importante levar em consideração qual é a ambição da cidade.

Há alguma mudança no Rio, nesse sentido?
O legado que o evento pode deixar não diz respeito apenas aos Jogos. Ele pode melhorar o setor de turismo, a infraestrutura, e essa é uma decisão feita pela própria cidade e que pode sofrer alteração a cada edição. Quando há um evento que pode acelerar a capacidade de desenvolvimento de seu país, deve-se prezar para que ele seja bem-feito. Por isso, desenvolvemos a Olympic Agenda 2020. Nela, olhamos todos os aspectos para encontrar o melhor contexto para as cidades e quais seriam os benefícios de sediar o evento. Mostramos quais são os investimentos que podem deixar um legado econômico.

O sr. acredita que estamos seguros de possíveis ataques terroristas? 
Tenho certeza que o evento terá muito sucesso. O sistema de segurança está muito bem integrado e conta com um efetivo significativo para um evento desse porte. Além disso, contamos com a colaboração de outros países, o que mostra que todos estão muito empenhados nessa questão.

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