21/08/2015 - 20:00
Após semanas vestindo o manto de articulador político do governo Dilma, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, conquistou na quarta-feira 19, a sua maior vitória desde o início do ajuste fiscal. O Senado aprovou a reoneração da folha de pagamentos, que proporcionará uma economia de R$ 10 bilhões ao ano, aos cofres públicos. A semana passada, no entanto, não foi das mais festivas para Levy. Conforme os indicadores econômicos derretem – PIB, emprego, varejo, indústria etc. –, cresce a pressão por uma “flexibilização” do ajuste, para dar “ânimo” à economia. Quem conhece Levy sabe que ele discorda da adoção de medidas pontuais. Em fevereiro, por exemplo, classificou a desoneração de “brincadeira”. O seu plano é muito claro: executar o ajuste fiscal para, em seguida, colocar à mesa uma agenda de crescimento. A pressão política que emana do Congresso Nacional e até do Palácio do Planalto, no entanto, tem levado o ministro a ceder em alguns pontos. O principal deles, até agora, foi autorizar os bancos públicos a financiar um socorro a determinados setores industriais. Por ter a cadeia automotiva como símbolo da operação, a medida foi interpretada como uma volta à fracassada política econômica do ex-ministro Guido Mantega.
O principal articulador do socorro estatal é o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Economista de formação, o ministro acalenta o sonho de liderar a equipe econômica desde 2003, quando o PT chegou à Presidência. Nunca teve a caneta na mão, mas jamais deixou de colocar o seu ponto de vista aos presidentes Lula e Dilma. Desta vez, foi ouvido e venceu a disputa com a área econômica. O pacote prevê a liberação de, ao menos, R$ 14 bilhões pelo Banco do Brasil e pela Caixa para financiar o capital de giro e a produção de alguns setores escolhidos, na contramão de uma política horizontal, com igualdade de condições a todos os agentes (leia quadro na pág. 26). A indústria automotiva foi o primeiro setor a ser contemplado, com R$ 3,1 bilhões. A ideia é possibilitar que as empresas de autopeças, em grave crise, possam tomar empréstimos com taxas de juros mais baixas e carência de seis meses. Para isso, a garantia da operação será, na prática, a encomenda que a montadora fará ao fornecedor. “É uma coisa absolutamente normal, quando se é fornecedor de uma empresa grande, você pode usar recebíveis, as garantias que uma empresa grande dá naquele contrato, para melhorar sua qualidade de crédito”, afirmou Levy, que não participou do anúncio das medidas. “Não compromete o ajuste fiscal. É um arranjo perfeitamente comercial.”
Os investidores reagiram negativamente às medidas. As ações do Banco do Brasil caíram 6,2% em um dia em que o índice Ibovespa encolheu 1,8%. “É um empreendimento absolutamente lucrativo para o Banco do Brasil”, afirmou Alexandre Abreu, presidente do banco estatal, negando que haja subsídios nas taxas. Para o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos (Sindipeças), a ajuda bancária é um “paliativo”. “Isso talvez não seja suficiente, mas a situação é melhor do que estava antes”, diz Paulo Butori, presidente do Sindipeças. Para a cúpula das montadoras, que registram queda de 21% nas vendas neste ano, a articulação com o governo foi um sucesso, mas a comunicação falhou, ao passar a impressão de que novamente o lobby do setor foi usado para obter benefícios exclusivos. “Estamos sendo condenados sem julgamento”, afirmou à DINHEIRO Alarico Assumpção Jr., presidente da Federação da Distribuição de Veículos (Fenabrave). “Faltou detalhar as taxas de juros e mostrar que não há subsídios.”
O ruído maior foi criado pela presidente da Caixa, Miriam Belchior, que ao anunciar as medidas, na terça-feira 18, disse que se tratava de uma “política de governo”, contrariando o discurso de que a decisão foi comercial por parte dos bancos. “O objetivo é ajudar as empresas a respirar”, afirmou Miriam. Para minimizar as críticas de que o governo estava cedendo ao lobby das montadoras, a Caixa e o BB anunciaram que pretendem incluir outros setores no programa de crédito, como construção civil, petróleo e gás, máquinas e equipamentos, papel e celulose, telecomunicações, fármaco, químico e agronegócio. Um ponto do acordo, no entanto, ficou tácito. As empresas que tiverem acesso às linhas de crédito com juros baixos não poderão demitir funcionários. Porém, não existe um mecanismo legal para as equipes técnicas dos bancos exigirem o cumprimento dessa contrapartida. “Ficou no fio do bigode”, diz um executivo do setor automotivo.
REONERAÇÃO DA FOLHA Se a perspectiva de ter acesso a crédito barato animou alguns setores industriais, muitos empresários terminaram a semana insatisfeitos com a aprovação, pelo Senado, da reoneração da folha de pagamentos. Após intensas negociações, com participação do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, acabou prevalecendo a posição do ministro Levy, que prioriza o ajuste fiscal. O texto, que segue para a sanção da presidente Dilma Rousseff, prevê um aumento de 1% para 2,5% e de 2% para 4,5% das alíquotas que incidem sobre o faturamento. Se a empresa não concordar com as novas alíquotas, pode voltar a pagar os 20% de contribuição previdenciária sobre a folha de salários. Dos 56 setores atingidos, cinco terão um reajuste 50% menor da alíquota: comunicações, call center, transportes, calçados e confecções. Skaf queria que todos tivessem essa reoneração menor, mas não conseguiu convencer os parlamentares. A vitória da base governista no Senado foi o primeiro grande teste do recente acordo feito entre o Executivo e o presidente da Casa, Renan Calheiros. Segundo os cientistas políticos, as manifestações populares do domingo 16 (leia reportagem na pág. 28) tiveram um efeito neutro na crise política, o que facilitou a vitória da base governista.
Para os empresários, a perspectiva de dias mais calmos no Congresso representa um alívio. “É sempre positivo ver os Poderes trabalhando de forma harmônica”, diz Luís Pasquotto, presidente da Cummins. “O País precisa de um momento de diálogo.” Na quarta-feira 19, o Banco Central (BC) divulgou o seu índice de atividade econômica, que constatou o tamanho da recessão. No segundo trimestre, o PIB do BC encolheu 1,89% – o dado oficial do IBGE sairá no dia 28 deste mês. O instituto também divulgou, na semana passada, que o desemprego médio do País subiu para 7,5%, em julho, o maior patamar desde 2010. “Hoje, já enfrentamos um quadro muito delicado e a reoneração da folha diminuirá, ainda mais, o fôlego das empresas”, afirma Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).
A partir de agora, o setor produtivo espera que a equipe econômica seja capaz de virar a página do ajuste fiscal e finalmente introduzir a agenda do crescimento. “Tenho certeza de que a partir do quarto trimestre, ou no início do ano que vem, haverá uma onda mais positiva e com mais exportação de manufaturados e commodities agrícolas”, diz Mathias Mangels, diretor da consultoria Symnetics. Para isso, há um consenso de que a manutenção do grau de investimento deve ser a prioridade de Levy. “As agências já sinalizaram que estão confiantes de que o Brasil está fazendo a mudança correta de rumos”, afirma Fernando Alves, presidente da PwC. O passo seguinte, segundo os planos do ministro da Fazenda, será a retomada da confiança. “A gente já tem visto algumas indústrias reagindo às novas condições macroeconômicas”, afirmou Levy, na terça-feira 18, após encontro com investidores, em São Paulo. “Algumas estão com mais lucratividade, exportando mais, crescendo.” Esse ainda não é, porém, o sentimento da maior parte do empresariado. Para obter êxito, o ministro depende de um amplo pacto pró-crescimento, incluindo o Congresso e o setor produtivo. Nesse caso, não pode ser um acordo no fio do bigode.
Colaborou Paula BEZERRA