29/03/2016 - 18:18
Aos 85 anos, o empresário Alencar Burti acumula uma longa vivência nas mais diversas crises, da Segunda Guerra Mundial até a era da hiperinflação. Seu diagnóstico sobre 2016 é desanimador: “A lição que vivemos não serviu de lição aos políticos.”
Em seu quinto mandato como presidente da Associação Comercial de São Paulo, Burti defende que a classe política trabalhe mais para o País e menos para os partidos, garantindo um ambiente mais favorável às empresas. Sua esperança é evitar repetições de crises como as que o Brasil vive hoje, em que a política contamina a economia, mina empregos e quebra negócios. No primeiro bimestre, a associação conta 50 pedidos de falência apenas na cidade de São Paulo e vê seus índices de confiança estacionar num dos patamares mais baixos da história. Nesta entrevista, ele explica o que levou a entidade a apoiar o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
DINHEIRO – Por que a associação decidiu sair em favor do impeachment?
ALENCAR BURTI – Porque não tem alternativa. Saímos a favor da renúncia confiando que a nossa presidente, que foi uma revolucionária, acordasse e dissesse: deixa eu me desprender um pouco e trabalhar no sentido de que não haja uma outra ditadura, que não haja uma revolução, que se respeite o próximo. Ela se perdeu.
DINHEIRO –Como mudou da renúncia para o impeachment?
BURTI – A renúncia prescreveu. Se ela não renunciou e está enfrentando, não vai renunciar. Se tiver um desencontro social profundo no País, aí o cenário fica imprevisível. Não estamos buscando conflitos. Estamos buscando solução e a melhor é uma pacífica, política. E não revolta na rua, onde se perde o controle. Isso que temos de evitar. A questão é buscar uma solução, comprometer os políticos com a realidade. Parece que eles vivem em outro mundo.
DINHEIRO –Qual foi o indicativo de que a presidente não renunciaria?
BURTI – Ela falou que não era mulher de abandonar, que iria lutar. Esqueceu que podia ser um traço de união entre as classes, pensar no Brasil antes do seu partido, do sucesso político ou do poder. Ela declinou totalmente isso e chamou o patrão dela para ser funcionário. Aí tem de se buscar uma solução. Temos de acordar agora que ainda está no campo das ideias e não deixar descambar para vitimar pessoas. Aí fica incontrolável.
DINHEIRO – A nomeação do Lula contribuiu para endossar a defesa do impeachment?
BURTI – A entrada do Lula, sim. Da forma como ele se colocou, ficou acima, no quarto andar do Palácio do Planalto. Ela quis ser grata a ele, não quis ser ingrata. Só que ela tem de pensar no País, ela é a presidente.
DINHEIRO –Foi unânime o apoio dentro da associação?
BURTI – Sim, consultamos 40 pessoas. Os vices do interior e os da capital.
DINHEIRO – Algumas entidades têm certa ressalva em defender um posicionamento.
BURTI – Às vezes é vínculo político. Foram guindadas a um posto, fruto de uma parceria com partidos. É normal, mas chega um ponto em que a prioridade deve ser o País e não os partidos. A sociedade tem de entender que é responsável pelo que ocorre e assimilar os erros que comete em se encantar com quem prometeu e não cumpriu. Não pode ser traída em seus princípios.
DINHEIRO –Como empresário, o que o senhor espera da política?
BURTI – O Brasil é politicamente instável. Só consegue crescer através das contradições entre o que o povo quer e o que o político faz. Mesmo que você não seja fã da política, um país sem a política não pode sobreviver. Mas é importante que os políticos não usem a política para si, mas para o País que representam. Isso é o que eu não vejo muito. Um vai para a esquerda, outro para a direita, outro para o centro e esquecem o País. Tem momentos… Eu, como descendente de italiano, passei o tempo da guerra, em que os italianos eram maltratados aqui.
DINHEIRO – O senhor vê paralelo entre a instabilidade atual e o período da guerra?
BURTI – É um cenário em que, em vez de haver convergência, há muito mais divergências, cada um trata do que interessa ou a ele ou ao partido e esquecem do País. As consequências que estamos vivendo são piores do que durante a guerra. Durante a guerra, o Brasil tinha de viver unido para sobreviver. As dificuldades eram grandes, então isso congregou a sociedade em favor do País. Tivemos ditaduras… e aí vai ficando um aspecto de salve-se quem puder. Essa lição que vivemos não serviu de lição para os políticos. Isso tem feito muito mal. O País resiste porque é gigante. Tem tudo aqui, senão já teria sucumbido.
DINHEIRO – Estamos numa situação de salve-se quem puder?
BURTI – Cada um procura a sua sobrevivência, porque não confia no governo. Isso traz um desacerto. Ninguém confia em ninguém. Aí vem um desalinhamento que nenhuma empresa comporta. Como eu digo, os países são grandes empresas e tem de haver coesão para que haja uma força de mercado. Isso que gera receita. Não adianta pegar o dinheiro do governo e distribuir criando dívida, como temos hoje. Tem de gerar riqueza.
DINHEIRO – De certa forma, as manifestações evidenciaram esse clima…
BURTI – O povo fica perdido com tantas contradições na política. A pessoa que tem de trabalhar oito, dez horas por dia recebe aquelas mensagens, mas não resta tempo para analisar quem tem razão, então fica atônito. E se segura onde dá. É isso que está trazendo ao País um desencontro de perspectiva. Se tiver uma empresa em que cada departamento pense nele e não na empresa, está falida. Isso é uma crescente. Cria uma assimetria social perigosa, tem um contingente muito grande de pessoas que não tem nada. Eu digo sempre: ‘mesa que não tem pão, ninguém tem razão’. Todo mundo busca solução para si e não há esperança.
DINHEIRO – O empresário está atônito?
BURTI – Mais do que ninguém. O governo quer aumentar impostos, em vez de reduzir despesas. Teria de reduzir custo e aumentar a competitividade. Veja o que aconteceu com a Coreia do Sul. A evolução veio através da educação e do compromisso com a coerência. Como a Coreia do Norte sempre foi uma ameaça e eles entenderam que, ou se tornavam uma grande empresa ou não iriam sobreviver, formou-se uma união. Às vezes a adversidade une.
DINHEIRO –E no Brasil? De onde virá esse impulso já que não temos uma Coreia do Norte como fator de pressão?
BURTI – Hoje está difícil porque não há exemplo. O exemplo tem de vir de cima, de quem governa. Você elege a pessoa para te dar orientação. Minha preocupação é que o desemprego é crescente e as oportunidades, decrescentes. Gera-se um mal estar, um desespero normal e os governos não assimilam isso. Não entendem que têm de congregar, não ficar brigando enquanto o País é esquecido. Está um salve-se quem puder. A pessoa vai para rua e grita para ver se é ouvido. Como sai desse poço? Chega um momento em que os políticos tinham de ter a consciência de parar para pensar no País. Às vezes eu não durmo por causa disso. Não adianta salvar o partido, os políticos têm de salvar País.
DINHEIRO –O governo que está aí não tem mais condições de fazer isso?
Burti – Está difícil. Tiveram um momento extremamente favorável. Depois, quando viram o dinheiro, foi um desperdício geral. Agora chega em tal estágio que temos de buscar uma solução, porque não tem alternativa. Nós queremos o impeachment. O que precisa é de uma solução sem os custos que poderiam ter, confusão, atrito que leva a morte, uma revolução. Isso é o que me preocupa. Mas mesmo que haja o impeachment, não é pegar os que saem e jogar fora. É procurar trazê-los e mostrar que estavam errados, uma conciliação.
DINHEIRO –Na visão do empresário, como o senhor imagina o País pós-impeachment?
Burti – Continuará dependendo de mim, de você, deles. Temos de participar. Dizer o que a gente pretende com argumentos sólidos, válidos e não por interesse pessoal. O impeachment vai ter de levar os políticos a uma solução maior que o interesse dos seus partidos.
DINHEIRO –Qual seria o primeiro pedido que um empresário do comércio levaria para um novo governo?
Burti – A consciência de que temos de mudar a nossa maneira de ser. Não é que assume na segunda-feira e quero a solução na sexta-feira. A pessoa tem de ter a honestidade de dizer o que pode e o que não pode. O ideal é todos convergirem por uma solução nacional e não enganar a população. É melhor ser duro e levar à população soluções, sem enganar. Precisamos de um, dois anos de sacrifício .
DINHEIRO –O Michel Temer tem condições de fazer isso?
Burti – Experiência ele tem, cultura ele tem, é um professor de direito. Se for ele mesmo, precisa receber, de imediato, apoio da população e não enganar, dizer que a solução não é imediata, que tem um processo. Tem dois anos e meio para encaminhar uma solução. Não é a solução. Tem de ter essa consciência de que entra e oferece apenas um processo de solução. E que tem de haver coesão para o seu País. Que deixe as ideologias e os interesses momentaneamente de lado para que haja uma convergência na busca do melhor para nós.
DINHEIRO –Em evento na entidade, o ex-deputado Moreira Franco afirmou que o impeachment deve ter apoio de 70% da população. Segundo o mais recente Datafolha, 68% apóiam…
Burti – Esse é o perigo. Se não apresentar um programa em que você sinta o que esses 32% pensam e dê perspectiva de que juntos vamos dividir os riscos e lucros que vamos obter nesse processo, pode terminar com grandes assimetrias. O apoio vem através disso, de não enganar, falar a verdade. É difícil, dificílimo. Não adianta querer que o Temer seja a solução. Vai ser se dermos a perspectiva de que estamos com ele se ele estiver conosco em princípios. O político não pode perder a confiança que depositamos nele.
DINHEIRO –Um dos temas centrais para a economia hoje é a confiança do empresário. Poderia ter uma reversão de confiança?
Burti – Com o tempo. Precisa exatamente que, aquilo que eu perdi, alguém me ofereça o caminho para reencontrar a confiança.
DINHEIRO –Na visita, o Moreira Franco explicou o programa do PMDB “A ponte para o futuro”. Pode ser uma solução?
Burti – Se houver coesão. Se apresentar um caminho em que o PT, o PP e outros não concordem, vão minar a ponte. Então a Ponte para o futuro vai virar a ponte do atraso.
DINHEIRO –E se o impeachment não vencer? O que acontece depois com o País?
Burti – Aí temos de chamar o Chico Xavier (risos). É imprevisível. Porque terá uma parte enorme da sociedade absolutamente descrente. E se isso vier a ocorrer, essa descrença não soma, ela multiplica. Quando há descrença da sociedade e não há esperança, perspectiva, tudo fica imprevisível.
DINHEIRO –Qual o principal problema do empresário do comércio hoje?
Burti – É um conjunto. Tem uma crise estrutural, que é a burocracia, então tem que caminhar esse tema e, acima de tudo, mostrar uma perspectiva. Não adianta prometer o que não pode cumprir. Isso é que traz uma confusão e o brasileiro fica perdido. O que nos levou a esse ponto? O desprezo pelo dinheiro público. Esse rombo trouxe uma desconfiança e um desequilíbrio social que afeta o pequeno empresário. Ele precisa de um financiamento, não tem. A inadimplência está crescendo… Se não houver coesão, é como um paciente que tem uma pneumonia, recebe alta e quer correr uma maratona em seguida. Não dá.
DINHEIRO –Sem o impeachment, mais empresas vão quebrar?
Burti – No momento, o risco de quebra é grande, com ou sem impeachment. As dificuldades são imensas.
DINHEIRO –Mas aumenta a chance de não quebrar no final?
Burti – É isso que nós queremos. A única forma de não quebrar é aumentar a audição [dos políticos] e conter a locução.