O caso de doping do ciclista americano Lance Armstrong, campeão sete vezes da prova mais nobre da modalidade, o Tour de France, pode ser analisado sob duas óticas. A primeira delas é pessoal. Armstrong perdeu todos os seus patrocinadores, um prejuízo, nos próximos cinco anos, de mais de US$ 50 milhões na sua conta bancária. Seus principais apoiadores eram a marca de material esportivo Nike – com quem tinha um contrato vitalício –; a cerveja light Michelob Ultra, da AB Inbev; a fabricante de bicicletas Trek; e a Oakley, marca de óculos da Luxottica. A segunda consequência é mais grave e de largo alcance, em termos econômicos. O escândalo está colocando em xeque o apoio das marcas ao ciclismo. 

 

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O tombo das bikes: o holandês Rabobank, um dos principais investidores em atletas

do Tour de France (foto), deixou o ciclismo profissional

 

Na sexta-feira, 19 de outubro, o banco holandês Rabobank anunciou que deixará de investir a modalidade. A instituição, que era o maior patrocinador do ciclismo mundial e que financiava uma das principais equipes do Tour de France, direcionava anualmente € 15 milhões ao esporte. Bert Bruggink, seu executivo-chefe de finanças, afirmou à BBC que há pouca probabilidade de que o ciclismo profissional possa se tornar uma modalidade “limpa” nos próximos anos. É fácil de entender a posição do banco holandês. O caso de Armstrong é exemplar, mas está longe de ser o único. Diversos dos maiores rivais do ciclista americano já se viram envolvidos em situações similares. 

 

O alemão Jan Ullrich, o espanhol Alberto Contador – campeão e bicampeão do Tour, respectivamente – e o americano Tyler Hamilton, medalha de ouro na Olimpíada de 2004, também foram acusados de doping, no escândalo conhecido como Operación Puerto. O caso, descoberto em 2006, revelou uma rede estruturada em torno de um médico espanhol, que aplicava medicamentos proibidos e até trocava o sangue dos atletas. Agora, a revelação do esquema de Armstrong superou o anterior, ao ponto de a Agência Antidoping dos EUA tê-lo caracterizado como “o mais sofisticado, profissional e bem-sucedido programa de doping que o esporte já viu”. 

 

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O adeus de Lance Armstrong vai custar ao atleta mais de US$ 50 milhões,

que ganharia de seus apoiadores nos próximos anos

 

Com tantas denúncias, apenas quatro das últimas 15 edições do Tour de France tiveram vencedores que depois não acabaram sendo punidos por doping. O abandono de Rabobank ao esporte é o caso de maior repercussão, desde que a T-Mobile fez o mesmo, em 2007, por motivo idêntico. Também a espanhola Liberty Seguros e o banco francês Caisse d’Epargne desistiram do esporte nos últimos anos. “O novo escândalo foi uma pá de cal em tudo o que foi construído em torno do ciclismo”, afirma Cesar Gualdani, sócio da empresa de marketing esportivo Stochos Sports & Entertainment, de São Paulo. Mesmo no Brasil, em que a modalidade possui pouca tradição, a relação entre patrocinadores e o doping já causou incidentes. 

 

Em 2011, a Confederação Brasileira de Ciclismo foi criticada por não revelar os nomes de quatro atletas pegos no exame antidoping. O motivo seria que a associação temia ver o seu contrato com o Banco do Brasil afetado pelo episódio, o que de fato acabou acontecendo. “Existia um acordo prévio com o BB, mas o escândalo estourou na semana em que o contrato seria assinado”, diz Antonio Silvestre, técnico da seleção brasileira de ciclismo de estrada. Dessa forma, a confederação chegou à Olimpíada de Londres sem patrocínio, situação em que permanece até hoje. A seu favor, o ciclismo tem o trunfo de ser considerado um dos esportes com melhor retorno por investimento e com capacidade de atingir um público com alto poder aquisitivo. 

 

Patrocinar uma equipe de futebol europeia de ponta custa acima de € 20 milhões, mais do que Rabobank gastava. “O ciclismo traz muito retorno”, afirma Silvestre, morador de Austin, a mesma cidade em que Armstrong vive. “Acredito que o impacto do novo caso será de curto e médio prazo, mas depois os patrocinadores voltarão.” Alguns dos principais apoiadores do Tour de France – o banco LCL ( ex-Credit Lyonnais), a rede varejista Carrefour, a engarrafadora de água Vittel e a fabricante sueca de automóveis Skoda – anunciaram que manterão o apoio ao evento. Mas a dúvida, se os casos de doping continuarem, é pertinente: até quando?

 

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