26/02/2016 - 20:00
Mark Twain, escritor e humorista americano, considerado um dos maiores romancistas em língua inglesa, disse, certa vez, que há duas ocasiões na vida de uma pessoa em que ela não deve jogar: quando não tiver posses para isso – e quando tiver. A frase cabe como uma luva para explicar o enrosco em que os governos petistas de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff meteram a Petrobras. Envolvida em uma série de escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava Jato, a petroleira acumula dívidas superiores a R$ 500 bilhões e colocou à venda uma série de ativos.
O objetivo é levantar cerca de US$ 14 bilhões (R$ 56 bilhões), este ano, justamente em um período em que os bens do setor petroleiro estão em baixa devido à queda brutal dos preços do petróleo, para menos de US$ 30 o barril. A empresa foi tão abalada durante o período em que foi comandada por José Sérgio Gabrielli e Graça Foster que ficou sem capacidade de investir adequadamente na exploração do chamado pré-sal, a fortuna submersa que iria colocar o Brasil entre os maiores produtores de petróleo do mundo e que, até agora, é um sonho distante – a ponto de o Planalto concordar com o projeto do senador José Serra, que tira da companhia a exclusividade obrigatória na operação dos campos do pré-sal (leia mais aqui).
Para entender como a Petrobras, símbolo da soberania nacional, chegou a esse estado de asfixia financeira, é preciso ir além dos autos da Operação Lava Jato. Nos últimos anos, a companhia virou instrumento de políticas populistas do governo, como a venda de gasolina barata para incentivar o consumo e controlar artificialmente a inflação. No País em que a marca Land Rover foi associada a propinas pagas em forma de carros aos dirigentes corruptos das estatais, foram os tanques cheios dos Fuscas do povo mais humilde e dos carros zero-quilômetro da “nova classe média” que arruinaram boa parte do balanço da estatal.
“Pode haver corrupção, mas a má gestão é um fator determinante para a geração das perdas”, afirma o consultor Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura. Ele estima que o prejuízo causado à Petrobras pela política de preços administrados do governo seja de, no mínimo, R$ 60 bilhões, podendo chegar a R$ 100 bilhões. Outras decisões equivocadas, envolvendo investimentos em refinarias e projetos megalomaníacos, podem ter lesado os cofres da petroleira em mais R$ 80 bilhões. “É o equivalente a quase 25% da dívida da empresa”, diz Pires.
Para reeleger Dilma, o governo do PT não teve escrúpulos em sacrificar as finanças da Petrobras. Durante cinco anos, os preços da gasolina e do diesel no Brasil ficaram praticamente inalterados, apesar de o petróleo ter passado de US$ 100 o barril, numa farra de consumo irresponsável que hoje cobra um preço alto: a volta da inflação à casa dos 10% ao ano, depois do reajuste inevitável dos combustíveis e de outras tarifas públicas, como as de eletricidade. A política de preços controlados continua causando dano à sociedade: apesar da queda global do petróleo para o menor nível de preço em 13 anos, os consumidores continuam pagando caro para abastecer seus veículos no Brasil e as empresas arcam com custos de produção exagerados.
Agora, a Petrobras não reduz o valor dos derivados de petróleo, sendo beneficiária de uma transferência de renda às avessas, que não existe em países nos quais os preços dos combustíveis seguem as cotações do livre mercado, como os Estados Unidos. Cidadãos e empresários dos setores prejudicados, como a indústria petroquímica, de etanol e biocombustíveis e de navegação de cabotagem, por exemplo, pagam o pato dessa política econômica anacrônica que a presidente Dilma e seu ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, fazem questão de manter.
No caso da indústria petroquímica, esse imbróglio gerou uma polêmica envolvendo a Braskem, maior indústria petroquímica das Américas, controlada pelo Grupo Odebrecht e que tem entre os principais acionistas a própria Petrobras. Como a Petrobras vende a maior parte da nafta petroquímica utilizada pela Braskem para produzir resinas plásticas e produtos químicos, a estatal teve de honrar os contratos existentes mesmo no período em que passou a importar combustível mais caro para atender à demanda crescente dos consumidores (as vendas de gasolina subiram mais de 60% após os incentivos às vendas de carros, feitos por Lula durante a crise de 2008 e 2009, e por conta dos preços camaradas nos postos).
Incapaz de refinar todo o combustível que entregava ao mercado local, a Petrobras passou a importar gasolina e nafta, o que gerou prejuízos bilionários. Somente no caso da nafta, essa mudança causou à Petrobras um prejuízo estimado em R$ 6 bilhões, segundo reconhece a própria empresa em documentos enviados aos procuradores da Lava Jato. Em resposta a um questionamento feito pela Procuradoria da República do Paraná, em 23 de julho de 2015, a área técnica da Petrobras defende o contrato com a Braskem, assinado em 2009, e informa que foram as medidas equivocadas do governo que causaram as perdas na venda de nafta.
“No período de negociação do referido contrato, o cenário da Petrobras era de continuar a ser exportadora de gasolina”, diz a empresa, em e-mail encaminhado ao procurador Antônio Carlos Welter, em julho passado. “Entretanto, devido ao aumento de renda da população, políticas públicas de incentivo ao consumo e da perda de competitividade do etanol, ocorreu um aumento não previsto na demanda de gasolina, tornando a companhia importadora de gasolina”, diz o documento.
“As análises econômicas mostraram que deveríamos maximizar a produção de gasolina, ou seja, adicionar o máximo possível de nafta no pool de gasolina e, com essa medida, passamos a importar nafta, uma vez que seu custo de importação é inferior ao da gasolina”. Em outro trecho, a Petrobras defende o contrato firmado com a Braskem, que previa uma banda de preços. Dependendo da cotação do petróleo, a petroquímica pagaria de 92,5% a 105% do valor de referência da nafta pela cotação ARA, praticada no mercado europeu. O objetivo desse mecanismo, comum no mercado, é garantir um equilíbrio de preços no longo prazo, que favoreça compradores e vendedores em momentos de crise.
Diz a Petrobras: “No cenário da época, o piso da fórmula contratual estava aderente ao custo de oportunidade da produção doméstica, portanto, não representava lucro/prejuízo para a Petrobras (“breakeven”).” O problema é quem vai responder pela perda de R$ 6 bilhões: o governo, que manipulou os preços e importou caro, ou a Braskem, que cumpriu o contrato? Essa dúvida ameaça a venda da participação da Petrobras na Braskem, avaliada em R$ 5,8 bilhões. Ou seja: em qualquer cenário desse jogo político desastroso, a Petrobras perde – e o Brasil paga a conta.