Aprovada em novembro do ano passado e sancionada em janeiro, a Lei da Repatriação é uma das apostas do governo federal para equilibrar as contas em 2016. Quando propôs anistiar quem possui recursos não-declarados no exterior, desde que não provenientes de atividades ilegais, o governo previa arrecadar até R$100 bilhões. As contas da Receita Federal eram simples. Os endinhei-rados brasileiros possuem cerca de R$ 1,5 trilhão em dinheiro não declarado fora do País. Metade desses recursos, ou R$ 750 bilhões, foram ganhos honestamente.

R$ 100 bilhões estimados. Bastante conservadora em suas premissas, a lei sancionada pela Presidência da República depende, ainda, de uma instrução da Receita Federal. E, para diversos advogados tributaristas, essa etapa do processo pode dificultar a vinda de dinheiro.

Em um procedimento incomum, a Receita colocou em consulta pública sua proposta de regulamentação da Lei de Repatriação no dia 25 de fevereiro. A expectativa é que as normas sejam divulgadas até o dia 15 de março. A recomendação de quem conhece o assunto é que quem tem dinheiro não-declarado lá fora não deixe de participar do programa. “É a última oportunidade de o contribuinte regularizar sua vida fiscal sem o risco de um processo criminal”, diz o advogado Roberto Justo, sócio do escritório Choaib, Paiva e Justo. “Com a tecnologia e os acordos internacionais de compartilhamento de informações, será praticamente impossível esconder dinheiro da Receita.”

No entanto, na avaliação dos especialistas, alguns pontos que estavam claros na lei agora provocam dúvidas. “A instrução da Receita mostra como a lei será aplicada na prática”, diz o advogado Alessandro Fonseca, sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey e Quiroga. “Alguns pontos, como o que vai entrar na base de cálculo da tributação, foram definidos pela Receita de maneira diferente do entendimento da lei.” Por exemplo, na proposta da lei seriam considerados para tributação apenas bens imóveis, investimentos e empresas. Itens como aeronaves, carros e barcos não contavam, mas foram incluídos na proposta de regulamentação divulgada pelo Fisco. Segundo Fonseca, isso pode criar um problema. “Calcular o valor desses bens é mais difícil, e, portanto, pela proposta, a avaliação do contribuinte que se vincula ao programa pode ser mais facilmente contestada pela Receita”, diz ele. E sempre é bom lembrar que informações falsas trazem o risco potencial de que a grande vantagem oferecida pela nova lei – a ausência de processo criminal – pode ser perdida se a Receita contestar os dados. informados. “Não parece ser o caso de a Receita ter colocado uma ‘pegadinha’, mas é um ponto a se prestar atenção”, afirma o especialista.

Os tributaristas levantam outros pontos duvidosos, mais técnicos. A ideia da lei foi facilitar a vida do contribuinte. Em vez de procurar documentos muito antigos, bastariam declarações dos valores possuídos no último dia de 2014. No caso de investimentos, um extrato bancário serviria. Para as empresas, um balanço auditado. E, no caso dos imóveis, uma declaração do valor por uma empresa local. Porém, na regulamentação está a possibilidade de o contribuinte ter de apresentar, além desses, “quaisquer outros documentos” que a Receita achar necessários. “É uma formulação ampla demais, que pode dar margem a atuações discricionárias da Receita”, diz um tributarista que não quer aparecer para não se arriscar a irritar o Leão.

Esse profissional levanta outro ponto polêmico. Uma das principais discussões durante a tramitação da Lei foram os entraves para legalizar recursos oriundos de atividades criminosas. Um dos mais importantes foi proibir que políticos, servidores públicos e seus familiares participem do programa de regularização. A lei é clara, mas a proposta da Receita só considera impedidos os políticos e servidores que estiverem em seus cargos após o dia 13 de janeiro deste ano. “Isso permite que todos os envolvidos na Lava Jato que ainda não tenham sido condenados participem do programa, o que é no mínimo questionável”, diz o tributarista. Procurada, a Receita não comentou o assunto.