23/09/2016 - 20:00
O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega foi do céu ao inferno nos governos do PT. Como fiel escudeiro dos presidentes petistas, o czar econômico virou estrela internacional quando o Brasil viveu o período de prosperidade da Era Lula, mas acrescentou à sua biografia a pior derrocada do Brasil de todos os tempos, a recessão da Era Dilma. Na quinta-feira 22, Mantega sofreu na pele a consequência de ter sido protagonista de dois governos manchados pela corrupção na Petrobras. Foi preso pela Polícia Federal em São Paulo, enquanto acompanhava a esposa numa cirurgia no Hospital Albert Einstein, e solto cinco horas depois por ordem do mesmo juiz que decretara sua prisão temporária, Sérgio Moro, comandante da Operação Lava Jato.
A própria truculência da medida da 34a fase da investigação, batizada de Arquivo X, levou à revogação da prisão. Mantega, obviamente, não oferecia risco de fuga nem de obstrução às investigações. Mas pesam contra ele suspeitas de corrupção em favor do PT, que o colocam na mira da Lava Jato e indicam que o próximo grande alvo pode ser a ex-presidente Dilma Rousseff. Mantega foi acusado de cobrar do empresário Eike Batista uma contribuição de R$ 5 milhões ao caixa do partido. O dinheiro, pago no exterior pela OSX, teria sido usado para quitar dívidas de campanha de Dilma.
Para as autoridades, o arranjo fazia parte de um esquema que beneficiou fornecedores da Petrobras em contratos de plataformas – na época, ele era também o presidente do conselho de administração da petroleira. O advogado do ex-ministro, José Roberto Batochio, nega as acusações e acusa a força-tarefa da Lava Jato de cometer arbitrariedades e abusos. Mantega ganhou projeção internacional quando estava no poder, mas hoje vive recluso e evita ir a locais públicos para evitar agressões verbais de antipetistas. Num encontro do G20 no final de 2010, líderes das principais potências globais aguardavam com ansiedade a presença do então ministro da Fazenda do Brasil.
Era ele o responsável por cunhar, semanas antes, a expressão “guerra cambial”, que ganhou repercussão global ao alertar para a prática de algumas economias de desvalorizar artificialmente o câmbio para tornar seus produtos mais competitivos, e que passou a ser o tema central daquela reunião. Enquanto o mundo ainda sofria os efeitos da crise financeira, o Brasil experimentava um ritmo de crescimento quase chinês e chamava a atenção. A revista The Economist, de linha conservadora, reconhecia as medidas anticíclicas de Mantega como a cereja do bolo de um período longo de acertos na política econômica, responsável por alçar milhões de brasileiros à classe média.
Mas já antecipava dois alertas: sobre a presunção das autoridades brasileiras em insistir que o mundo deveria aprender mais com o País e do risco de perda de controle na condução de uma economia que avançava rápido demais. Quando as derrapadas começaram a ficar mais evidentes, meses depois, a publicação radicalizou: pediu a demissão de Mantega, acusando-o de se curvar aos desejos da presidente Dilma em experimentos que minavam o crescimento e a confiança dos empresários. O recado soou como provocação e foi ignorado. Em 2014, Mantega tornou-se o mais longevo ministro da Fazenda, com nove anos no cargo. Mas sair naquela hora era tarde demais.
A Polícia Federal e o Ministério Público o investigam há tempos. Em maio passado, Mantega foi conduzido coercitivamente para prestar depoimento na Operação Zelotes, que apura compra de sentenças no Conselho Administrativo de Recursos Financeiros (Carf). Um julgamento previsto para os próximos dias no Tribunal de Contas da União (TCU) deve apontá-lo como um dos responsáveis pelas pedaladas fiscais, prática que contribuiu para fundamentar o impeachment de Dilma. As chances de condenação são elevadas. Ele é apontado como um dos principais culpados pelas decisões que levaram o Brasil à derrocada ao insistir em práticas como a contabilidade criativa e o exagero na concessão de incentivos fiscais para incentivar empresas e o consumo.
No fim de sua passagem na Fazenda, ele sofreu críticas dentro do próprio governo e foi demitido antecipadamente pela ex-presidente Dilma durante a campanha de reeleição, em 2014. É difícil não associar seu nome às decisões de política econômica do PT. Mantega não era um ministro qualquer. Na Era Lula-Dilma, ocupou os cargos econômicos mais relevantes da administração federal, do Planejamento à Fazenda, passando pelo BNDES. Foi um dos idealizadores da chamada Nova Matriz Econômica, política heterodoxa caracterizada pela forte intervenção governamental e que deixou para trás o tripé econômico formado por superávit primário, meta de inflação e câmbio flutuante.
Nascido na Itália e formado na USP, Mantega foi professor da FGV e um dos quadros técnicos do partido antes de ser alçado aos cargos de liderança pelo ex-presidente Lula. Dois empresários acostumados a se reunir com o ex-ministro ouvidos pela DINHEIRO, sob condição de anonimato, lembram que sua fidelidade a Dilma e Lula o diferenciava do resto da equipe e lhe dava poder. Trata-se justamente da característica que pode lhe complicar agora. Nas próximas semanas, sua defesa tentará rebater as acusações de corrupção e de lavagem de dinheiro, além de buscar reverter o bloqueio dos recursos disponíveis nas suas contas bancárias.