21/10/2011 - 21:00
A empresária cearense Francisca Mayara da Silva Porto, 18 anos, chegou menina ao Rio de Janeiro, onde reside há 13 anos. Trabalhou por muito tempo na informalidade, como vendedora ambulante de roupas. Há sete meses, a empresária transferiu seu ponto de vendas para um espaço fixo na comunidade da Rocinha, onde mora. Ao abrir a loja, batizada Porto Fashion, Mayara, como é conhecida, passou a integrar outra comunidade, esta em franco crescimento: a dos cidadãos que têm conta bancária. “Abri minha primeira poupança para guardar o dinheiro da loja”, diz ela. “Se deixar em casa, eu gasto e, no banco, ele rende.” Hoje, Mayara precisa andar poucos metros se quiser conversar com seu gerente. A agência do Bradesco da qual é correntista está instalada ali na Rocinha mesmo. Segundo as estatísticas oficiais, a comunidade abriga 160 mil moradores. Líderes comunitários, porém, avaliam que a população chega a 200 mil pessoas. Seria preciso mais de dois Maracanãs para acomodar a todos.
Dinheiro na bolsa: A empresária Francisca Mayara da Silva Porto em sua loja, na Rocinha:
relacionamento bancário e fim da informalidade do comércio ambulante
A diferença de 40 mil pessoas nas estimativas em um único bairro carioca mostra como o Brasil formal ainda não conhece esse mercado. A maior parte dos moradores da Rocinha não tem contato com bancos. Mesmo assim, clientes como eles são vistos como os mais promissores para o sistema financeiro, a despeito do desencontro dos números oficiais e das dificuldades operacionais. Eles são a aposta de instituições como Bradesco, Banco do Brasil, Caixa e Santander para crescer em uma fatia de mercado ainda pouco explorada pela concorrência. Os números são exuberantes. Um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no início do ano, indica que 39,5% dos brasileiros, cerca de 75 milhões de pessoas, não têm conta em banco. Em regiões mais avançadas, pelo menos 40% da população não é bancarizada. Esse percentual pode chegar a 50% nos pontos menos desenvolvidos. Mais importante do que isso, 40,6% desse contingente, ou 30 milhões de pessoas, deseja ser cliente de um banco, o que quase equivale à população do Canadá. Aldemir Bendine, presidente do Banco do Brasil, não exagera quando diz que os clientes de renda mais baixa são “o nosso pré-sal”.
Crescer nesse mercado não é simples. O maior obstáculo não é a dificuldade de acesso nem a informalidade, mas sim o fato de os clientes não conhecerem como os bancos funcionam. Para superar esse entrave, o Bradesco está apostando em um trabalho educativo, realizando palestras em plena comunidade. DINHEIRO participou de um desses eventos, um encontro de uma hora realizado à noite na quadra da escola de samba Acadêmicos da Rocinha no início do mês. Empunhando calculadoras presenteadas pelo banco, 300 moradores aprendem como não deixar que os gastos do dia a dia saiam do controle. “Se eu comprar uma bala por dia, quanto eu vou ter gasto no fim do mês?”, pergunta ao microfone Mário Petronilho, gerente de treinamento do Bradesco. Ao chegarem ao resultado, os participantes se espantam – sinal inequívoco de que os conceitos de educação financeira estão chegando aos cidadãos de renda mais baixa.
O impacto do crédito: O empresário cearense Antonio Hamilton de Macedo Marques começou como garçom.
Com capital de giro, hoje ele emprega 70 pessoas, a maioria moradores da Rocinha
“Passar o mínimo de noção de produtos financeiros e orçamento traz tranquilidade para as famílias e é positivo para o banco”, afirma Domingos Abreu, vice-presidente do Bradesco. Ele não divulga quantos clientes conquistou na Rocinha, para não alertar a concorrência. Outro obstáculo a ser superado é a dificuldade de acesso dos bancos a esses clientes. A estratégia do Santander é crescer por meio da expansão física. O banco espanhol foi um dos primeiros a se instalar no Complexo do Alemão, que já foi uma das comunidades mais violentas do Rio de Janeiro. Sua agência foi inaugurada em maio de 2010, antes mesmo da pacificação. “Não faria sentido ficar fora de uma comunidade que está crescendo”, diz Robson Rezende, superintendente do Santander. “Até o primeiro trimestre de 2012, deveremos ter mais duas agências em comunidades cariocas.”
O banco também aposta no microcrédito para crescer, e tem 22 postos de atendimento que atuam em 600 municípios de dez Estados. “Implantamos esses postos onde o empreendedorismo tem mais potencial, pois nosso foco é permitir que o empreendedor gere renda e emprego”, afirma Jerônimo Ramos, superintendente de microcrédito do Santander. A informalidade, obstáculo geralmente intransponível, é contornada por meio de uma análise caso a caso. “Cerca de 90% dos pedidos de empréstimo são aprovados, e os 10% que não conseguem crédito são informados do motivo e orientados de maneira a ter sucesso na próxima tentativa”, afirma Ramos. Instalar agências em comunidades melhora a convivência dos clientes com o banco. Mesmo assim, os moradores dos bairros mais pobres das grandes capitais sempre tiveram agências bancárias razoavelmente acessíveis. E quando o cliente fica a muitos quilômetros e a várias horas de carro – ou de barco – do posto bancário mais próximo, algo frequente para as populações ribeirinhas da Amazônia? Nesses casos, a distância é o principal entrave.
Para driblá- lo, a Caixa Econômica Federal lançou, no fim de 2010, uma agência flutuante para atender municípios no Estado do Amazonas.A embarcação faz viagens periódicas por sete municípios, que juntos somam mais de 200 mil ribeirinhos, nas vizinhanças de Manaus. Só na viagem inaugural foram abertas mais de 200 contas. Em um ano de atividade a agência flutuante contabiliza 15 mil atendimentos e a abertura de três mil contas-correntes e 707 cadernetas de poupança – as primeiras da vida dos clientes na maioria dos casos. As grandes distâncias da região Norte são bem cobertas por correspondentes bancários que cobram contas e pagam aposentadorias, mas as estruturas mais completas são escassas. “Tivemos de inovar e a solução foi o barco, pois, no Amazonas, os rios são as estradas”, afirma Noemia de Sousa Jacob, superintendente da Caixa na região amazônica. As peculiaridades são inimagináveis para quem está acostumado ao asfalto das grandes cidades.
Ao contrário do que ocorre no Sul-Sudeste, a escassez – e não o excesso – de chuvas deixa as vias intransitáveis. “Em outubro, o rio baixa e não conseguimos navegar até todos os municípios”, afirma Noemia. Além disso, a agência não pode chegar sem avisar, sob pena de não encontrar os clientes. Por isso, vale um marketing baseado na veiculação de anúncios em emissoras regionais de rádio e até panfletos distribuídos nas igrejas. A agência flutuante oferece quase todos os serviços, exceto grandes pagamentos. Abrir contas, poupança, e outros serviços como a emissão de cartão cidadão, por exemplo, estão garantidos. Outro banco que aposta em navegar para levar inclusão bancária é o Banco do Brasil. “As pessoas que vivem em comunidades ribeirinhas estão acostumadas a ter todo tipo de serviço e comércio em barcos, por isso foi natural colocar um terminal do BB para flutuar”, diz Hideraldo Dwight, gerente-geral da unidade “gestão de canais do BB”. No entanto, o banco também resolveu – literalmente – pisar fundo no acelerador e lançou um correspondente bancário próprio instalado em um furgão.
Na água e no asfalto: agência flutuante da Caixa (direita) e furgão do Banco do Brasil (esquerda)
são instrumentos para atender os clientes de baixa renda que estão distantes dos grandes centros
O veículo tem dois guichês e pode atender comunidades isoladas, canteiros de obras ou atuar em situações de emergência. Ele estreou em São Luiz do Paraitinga, cidade histórica do interior de São Paulo destruída pelas chuvas no início de 2010. Os moradores tinham direito à ajuda de emergência do governo, mas não tinham onde receber o dinheiro. Segundo Dwight, a ideia é que cada vez mais correspondentes estejam disponíveis para atender a períodos sazonais ou demandas pontuais. “Queremos ter um correspondente móvel para cada regional”, afirma. Hoje, são quase 200. Barcos, furgões, palestras. Vale tudo para os bancos conquistarem clientes de baixa renda. Nesse caso, porém, o apreço dos bancos pelo lucro tem uma enorme contrapartida social, capaz não só de oferecer as benesses da cidadania a mais brasileiros como também fomentar a geração de emprego e de renda.
Entre os milhões de clientes em potencial há muitos casos como o do empresário Antonio Hamilton Macedo Marques, 42 anos. Casado e pai de um filho, como Mayara, ele nasceu no Ceará e migrou para o Rio de Janeiro. “Vim para vencer na vida, e venci”, diz ele. Marques trabalhou como copeiro e garçom até pedir demissão em 2003 e comprar um restaurante na Rocinha. Teria bastado, mas ele queria mais. “Com o dinheiro do restaurante, e a ajuda do banco, fui aumentando os negócios”, diz ele, em tom modesto. Hoje, com duas lojas de suco além do restaurante, ele emprega 70 funcionários, a maior parte moradores da própria Rocinha, tem outra loja no centro do Rio e está estudando corretagem de imóveis para abrir uma corretora na própria comunidade. “Vou para Fortaleza três vezes por ano, algo que não conseguiria se ainda fosse empregado”, diz Marques. “O capital de giro que eu consigo no banco é fundamental para dar fôlego e investir em novos negócios.”