09/01/2013 - 21:00
Três anos atrás, o Brasil iniciava 2010 com uma ponta de esperança no horizonte, após ter sobrevivido aos efeitos da pior crise da economia mundial desde a década de 1930. No fim de 2008, o sistema financeiro dos Estados Unidos entrou em colapso, contaminando o restante do planeta. Com incentivos à renda e ao consumo, o brasileiro passou quase ileso pela tormenta de 2009, e se mostrava confiante no futuro. Num boletim de março daquele ano, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) detectava que o otimismo contínuo do consumidor, que vinha sendo captado por suas sondagens, iria acabar contagiando a indústria, até então abalada pelas pespectivas pessimistas.
De olho na vitrine: Trícia (à esq.) faz planos de poupar neste ano, enquanto Rosângela pretende
trocar o aluguel pela prestação da casa própria. Na foto, ambas posam
para a DINHEIRO no Shopping Villa-Lobos, de São Paulo
A previsão se confirmou, e 2010 terminou em clima de vitória em final de Copa do Mundo, quando a atividade industrial alcançou crescimento recorde de 10,5%, e contribuiu para que se colhesse um “pibão”, com um crescimento de 7,5%. Agora, a despeito do pálido desempenho do ano passado, que faz com que os empresários mantenham uma postura cautelosa, as expectativas favoráveis se repetem, com consumidores seguros de que os ventos continuarão soprando a favor. A grande massa da população brasileira entra em 2013 mais otimista do que no ano passado, em todos os aspectos do seu cotidiano. A pesquisa da agência Data Popular para a DINHEIRO, realizada em 54 cidades, revela que o otimismo do consumidor emergente cresceu de um ano para o outro.
No fim de 2011, 76% dos entrevistados pela agência acreditavam que sua vida iria melhorar no ano passado. Agora, 81% têm essa percepção. Das 1,8 mil pessoas ouvidas pela pesquisa, quase 80% estão seguras, ainda, que vão progredir no aspecto financeiro. No ano passado, essa era a convicção de 70% dos entrevistados pelo instituto. É exatamente essa fé no futuro que impulsiona as pessoas a comprometerem sua renda para adquirir os bens e serviços de que precisam. “Os brasileiros estão vivendo o pleno emprego e as empresas estão pagando salários mais altos”, diz Renato Meirelles, presidente do Instituto Data Popular. Só na base da pirâmide, o ano de 2013 começa com um aumento de 9% do salário mínimo, que deve injetar R$ 32 bilhões na economia.
“Diante dessa realidade, eles estão fazendo planos de comprar um imóvel, de colocar os filhos na faculdade, de comprar computadores, financiar um carro, etc.” A Caixa, por exemplo, que tem na nova classe média grande parte da sua clientela, fechou 2012 com a concessão de R$ 101 bilhões em crédito imobiliário, 34% a mais do que em 2011, e espera atrair novos clientes neste ano. Um deles, seguramente, é a empregada doméstica Rosângela Barreto, de São Paulo. Em dezembro, ela conseguiu trocar o fogão, com os recursos de seu décimo terceiro e o do marido, Josué, gerente de um restaurante.
Animada, Rosângela pretende continuar comprando, desta vez, pensando mais alto. “Nosso foco, neste ano, é financiar a casa própria, trocando o aluguel por uma prestação de um imóvel”, diz Rosângela, mãe de duas filhas, que já percorreu o Banco do Brasil e a Caixa para ver as possibilidades. Ela e o marido buscam um financiamento que não cobre mais que R$ 600 mensais, o que não comprometeria a renda familiar de R$ 4 mil. Rosângela ainda vai tentar economizar, neste ano, para tirar suas filhas da escola pública e matriculá-las numa escola privada. “Minha filha mais velha deve começar a estudar inglês neste ano”, diz Rosângela.
A qualificação já é percebida como um elemento fundamental para o progresso na vida profissional e financeira, explica Marcelo Neri, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “A educação já é a segunda preocupação dos brasileiros, perdendo apenas para a saúde”, diz Neri. Não por acaso, os gastos nessa área vêm subindo. Segundo a pesquisa do Data Popular, os gastos com qualificação devem chegar perto dos R$ 25 bilhões neste ano, 20% a mais do que foi gasto em 2010. Com tantas demandas, a classe média emergente faz as contas para que todas essas prestações caibam no bolso. Só na área de saúde, por exemplo, devem ser gastos R$ 71 bilhões, segundo levantamento exclusivo do Data Popular.
A Odontoprev, operadora de planos odontológicos, confia nesse ganho de renda consecutivo na base da pirâmide, e aposta num novo ciclo de crescimento das vendas do grupo com o acesso à classe C. Depois da parceria com o banco Bradesco, fechada há três anos, a aposta do grupo é no Bradesco Dental, um plano que custa R$ 30 mensais, e que começou a ser vendido por meio dos milhares de agências do banco. “É uma oportunidade única atuar nessa base e não tenha dúvida de que estamos fazendo o maior esforço para conquistá-la”, diz José Roberto Pacheco, diretor de relações com investidores da Odontoprev.
O grupo vive hoje um “ciclo de aprendizado” para educar o consumidor emergente sobre a necessidade de ter um plano odontológico. Trata-se de um desafio gigante – correr atrás da escala, garantindo uma margem de lucro pequena, equação que assusta todas as empresas que atendem a nova classe média. Mas Pacheco assegura que é um ganho viável, e a aposta vale a pena. “Nossas margens de ganho continuam crescendo, procuramos a escala de clientes, com foco obcecado de controle de custos”, afirma. “É uma conta que fecha.” Seja como for, as empresas em busca de melhores resultados em 2013 têm tudo para capitalizar esse bom humor dos consumidores, e não só dos emergentes.
A diretora de marketing da operadora Claro, Trícia Cristilli, de São Paulo, por exemplo, se diz uma grande beneficiária da expansão de crédito e do financiamento no Brasil, o que lhe garantiu adquirir dois imóveis na última década. No ano passado, Trícia deixou a Telefônica, depois de 13 anos de trabalho, para assumir a diretoria da Claro. “A mudança veio num cenário claro de oportunidades, no qual pude inclusive escolher a opção que considerei mais adequada para o meu momento de vida”, diz Trícia, que teve de se decidir diante de dois convites de emprego. Agora, a executiva faz planos de poupar para novos projetos de consumo no médio prazo. Assim como Trícia, outros brasileiros fazem planos de aumentar suas economias.
Uma pesquisa da consultoria Kantar Worldpannel, divulgada em setembro do ano passado, mostrava que 72% das famílias paulistas e cariocas tinham a intenção de poupar para o longo prazo. Trata-se de um número bem superior ao que foi apurado em 2008, quando a parcela de famílias dispostas a poupar era de 29%. Para Trícia, o Brasil vive um momento propício para pensar positivo. “Independentemente da orientação política, o Brasil tem alcançado conquistas importantes que garantem um cenário otimista, diz.“Assim como eu, grande parte da população tem podido se dar ao luxo de fazer acontecer seus desejos, mesmo que ‘a prestações’, com perseverança e acreditando no futuro.”
“O ex-presidente Lula é o que toda marca deveria ser”
O publicitário Renato Meirelles, presidente do Instituto Data Popular, está convencido de que as mudanças ocorridas no Brasil, nos últimos anos, exigem um novo modelo de negócios. “É preciso repensar as estratégias de marketing”, diz Meirelles. Para ele, o ex-presidente Lula é o que toda marca deveria ser: tem história, identificação com a nova classe média e serviços prestados para esse grupo.
Meirelles, do Data Popular: o desafio das empresas no Brasil é repensar as estratégias de marketing
Por que o otimismo das empresas está mais moderado que o dos consumidores?
Sentimos, entre nossos clientes, uma ponta de esperança com a economia, mas um medo de ser muito otimista, por terem se colocado metas em 2012 que não foram alcançadas. Enquanto isso, o consumidor da classe média está no processo de freio de arrumação, para se livrar das dívidas, para voltar a consumir. O comportamento de compra do brasileiro está mudando, ele está saindo de um estado de euforia dos últimos dez anos, e passou a fazer uma compra mais racional. É uma classe cada vez mais escolarizada, ainda muito longe do ideal, mas que já sente a diferença da educação em seu salário final. Esses consumidores têm planos de comprar imóvel, de colocar filho na faculdade, de trocar de carro…
A situação financeira lidera o otimismo dessa classe média. Por quê?
Estamos vivendo em pleno emprego, é um momento propício para empreender. No caso dos assalariados, embora o ganho de renda seja menor neste ano, ainda assim, há uma percepção positiva. Em pleno emprego, ainda, o mercado está pagando mais.
Quem está sabendo capitalizar esse otimismo para 2013?
Há um movimento grande na área de educação e um varejo tentando entender esses consumidores. Na escassez, só se olhava para o preço. Com o aumento de renda, esse consumidor olha para a qualidade. E, num determinado momento, ele topa pagar mais pela qualidade. Mais tarde, num período de freio de arrumação, ele volta a se orientar por preço, mas não quer abrir mão de qualidade. Isso obriga a indústria e o varejo a reestruturare o preço.
Por que o setor produtivo no Brasil não consegue atender a essa demanda?
Há vários fatores. Temos multinacionais que têm seus centros de inovação nas suas matrizes. E ainda, historicamente, se associou qualidade com preço. É o que ensinou o papa do marketing, Philip Kotler: os premium price são os produtos de alto valor agregado. Esse modelo não serve para a classe média. O estudioso indiano C.K. Prahalad (autor de Riqueza na Base da Pirâmide) dizia isso. Tenho de investir mais em tecnologia para baratear cada vez mais esse produto.
Como a corrupção é vista na classe C?
Não existe o “rouba, mas faz”. Mas o Lula, por exemplo, cujo nome apareceu em alguns dos escândalos recentes, é uma figura fortalecida e tem um efeito teflon muito grande. Lula é o que toda marca deveria ser para a classe C. Tem história, tem identificação com esse grupo e tem serviços prestados. A vida dessas pessoas realmente melhorou em seu governo, ele fala a linguagem que o consumidor entende, é uma marca forte e consolidada. Não significa que exista espaço para corrupção. Mas, se quiser desconstruir, a oposição vai brigar com um conjunto de imagem que não é fácil de destruir. É uma marca muito forte.