O clima de Fla-Flu eleitoral de 2014, com uma divisão acirrada do País, invadiu o primeiro ano do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff e logo se converteu em uma crise política sem precedentes. Há meses, a classe empresarial assiste impotente ao teatro da política, numa peça tragicômica que parece não ter fim. A economia anda a reboque, em uma dura recessão. Com tantas nuvens à frente, tornou-se comum a agonia dos mais competentes planejadores em busca de previsões minimamente confiáveis.

No apagar das luzes de 2015, os representantes do setor produtivo estão mergulhados em dúvidas e se veem diante do mais duro desafio: imaginar quem comandará o País no próximo ano e traçar hipóteses sobre o que, no íntimo, eles consideram como a última esperança de um futuro melhor: um governo comandado pelo atual vice-presidente Michel Temer. A hipótese de impeachment ganhou contornos concretos no início deste mês, com a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de autorizar a abertura do processo.

Na segunda-feira 7, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendia a instalação da comissão especial que analisará o tema, foi a vez de Temer protagonizar o principal ato político do ano, em Brasília. Em uma carta vazada à imprensa, o vice dirige críticas à presidente Dilma, deixando clara a discordância na mais alta escala da hierarquia da República. “Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã”, escreveu. Seria uma mensagem de que o PMDB desembarcava oficialmente do governo?

Aparentemente, sim, mas o hábil e experiente Temer fez questão de deixá-la obscura e, na mesma semana, falou em boa convivência com Dilma, que se reuniu com ele e prometeu uma “convivência extremanente profícua”. Aos poucos, a oposição se aproxima da cúpula peemedebista, que trocou a sua liderança na Câmara: saiu o deputado carioca Leonardo Picciani, principal interlocutor do partido com o Planalto, e entrou o deputado mineiro Leonardo Quintão, num movimento apoiado pela ala pró-impeachment da sigla.

Entre os empresários, prevalece o clima de descontentamento, além de uma percepção unânime de que é preciso colocar um ponto final no imbróglio de Brasília. Não é difícil encontrar quem se mostre favorável ao afastamento de Dilma, sentimento que vem sendo mantido, em sua maioria, no plano reservado. Afinal de contas, se Dilma vencer a batalha, ninguém quer virar inimigo do governo petista. Há também uma série de dúvidas a respeito do que pode acontecer num cenário pós-impeachment, incluindo a reação dos movimentos sociais.

“Vou lhe falar uma coisa: quando se chega ao fundo do poço, só pode melhorar”, afirma Edson Godoy de Bueno, presidente do Conselho de Administração da Amil, salientando que se sente desconfortável em comentar o tema por atuar em um setor que é regulado pelo poder público. O seu sentimento, no entanto, não é isolado. “É preciso desatar esse nó”, afirma Ricardo Marek, presidente da fabricante de remédios Takeda. “A crise política está travando o País.” Para Guilherme Leal, co-fundador da Natura e candidato a vice-presidente em 2010, na chapa de Marina Silva, o mais importante é recuperar a governabilidade.

“Não tenho uma posição sobre o impeachment, mas o que precisamos é de um governo que tenha capacidade de governar”, disse o empresário. “Seja via retirada da presidente ou pela recuperação da governabilidade de Dilma.“ A presidente Dilma é tida como uma pessoa de difícil trato, intervencionista e teimosa. O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, relata que acordos feitos com ela são modificados posteriormente, sem notificação.

“Sou a favor do impeachment”, diz Barbato, repetindo uma declaração de apoio feita pelo presidente da Riachuelo, Flavio Rocha, meses antes. “Há dúvidas, porém, se haverá governabilidade no caso de um governo Temer.” O receio de Barbato é de que o PT não aceite a queda de Dilma provoque um impasse ainda maior. O vice-presidente Temer cumpriu, neste ano, um papel relevante num momento em que Dilma esteve mais recolhida. Passou a ser identificado como um interlocutor eficaz e realizou encontro frequente com nomes de peso do PIB brasileiro.

Ao se colocar contra a recriação da CPMF, o famigerado imposto do cheque, conquistou mais respaldo do setor produtivo. “O governo precisa trabalhar com o empresariado”, afirmou Temer, na sexta-feira 12, em evento na capital paulista. “Devemos entrar na era da eficiência.” O vice-presidente também foi elogiado pela divulgação do documento “Uma ponte para o futuro”, com propostas modernizantes para a economia, apresentado pelo PMDB em outubro. “Pela situação, o Temer é mais capaz de reunir apoio político em torno de um propósito”, afirma um executivo de uma instituição financeira, que não quis se identificar.

Em meio a tantas dúvidas, alguns nomes estariam garantidos num governo Temer. Na linha de frente da economia, Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central. O senador José Serra (PSDB) e o ex-ministro da Justiça Nelson Jobim também teriam lugar cativo na sua tropa de ministros. “O processo de impeachment é tumultuado, mas a resolução nos faria sair de um cenário pautado pela política para algo mais prático”, afirma outro dirigente do setor financeiro.

“O Temer ajudaria a passar as reformas.” Para o professor do Departamento de Política da PUC-SP Pedro Fassoni Arruda, tratam-se de diferentes perfis. “A Dilma é tecnocrata. Não conhece, de fato, o Congresso por dentro”, diz Arruda. “O Temer tem uma visão mais apurada da política.” Com os dedos cruzados, o empresariado, assim como o mercado financeiro, torce discretamente por Temer. Mas, no final das contas, o que eles querem mesmo é parar de discutir política e voltar a tocar os seus negócios.

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A despedida de Levy?

Caso o superávit primário seja modificado, ministro da Fazenda promete entregar o cargo e deixar o governo

A tentativa do governo de zerar o superávit primário em 2016 pode ser a gota d’água para a despedida do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Um dos pilares do ajuste fiscal é a economia de 0,7% do PIB, conforme o projeto Lei de Diretrizes Orçamentárias, que vai à votação no Congresso nesta terça-feira. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, é o principal defensor da liberação de cerca de R$ 34 bilhões para investimentos, que seriam abatidos do esforço que cabe ao governo federal.

O embate entre Levy e Barbosa é conceitual. O primeiro defende a estabilização da economia, à custa de sacrifícios, enquanto o segundo prefere o crescimento a qualquer preço. Se o superávit zero vencer, Levy dará sua missão no governo como cumprida e deixará o cargo. Sua saída será uma derrota para um País que afunda na depressão econômica e não entende a importância de dar um passo atrás. A vitória de Barbosa enterrará todas as discussões sobre o ajuste fiscal, que aconteceram durante 2015. O rebaixamento da classificação de risco do Brasil aconteceria no dia seguinte a essa decisão.

A manutenção, disseram as agências de rating, depende dos esforços internos para recolocar as contas públicas em dia. A crise econômica, ao invés de arrefecer, tende a se estender para além de 2016. Esse cenário não agrada nenhum investidor ou empresário. Mas um nome teria capacidade de evitar um desânimo completo: Henrique Meirelles, pela sua habilidade de negociação. Porém, é difícil prever que ele aceite o desafio imediatamente, sem muitas discussões. Depois das pedaladas fiscais, o governo está em busca de pedalar a recessão.