13/01/2017 - 20:00
Na manhã da quarta-feira 11, em seu gabinete no 20º andar do edifício-sede do Banco Central (BC), o presidente Ilan Goldfajn tinha um grande motivo para sorrir. O IBGE havia divulgado, às 9 horas, algo que, até meados de dezembro, os analistas duvidavam que pudesse acontecer. A inflação oficial em 2016 fechou em 6,29%, abaixo do teto da meta (6,50%). Além de poupá-lo de escrever uma carta ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com a justificativa para o descumprimento da meta, o anúncio do IBGE sacramentou a reconquista da credibilidade do BC protagonizada por Ilan, como é conhecido no mercado financeiro.
É essa credibilidade que, a partir de agora, os diretores do Comitê de Política Monetária (Copom) colocam em jogo ao acelerar – corretamente, frise-se – a queda dos juros básicos, que passaram de 13,75% para 13% ao ano. A decisão, tomada na noite da mesma quarta-feira, surpreendeu a maioria dos economistas, que acreditavam num corte de meio ponto percentual. Mas houve quem antecipou a medida, como a equipe da gestora de recursos Mauá Capital, que precificou a queda de 0,75 ponto percentual.
“O Banco Central foi cirúrgico na sua atitude”, afirma Luiz Fernando Figueiredo, sócio fundador da Mauá e ex-diretor do BC (leia entrevista no link ao final da reportagem). Para tirar o País da maior recessão de sua história, no entanto, o governo ainda vai precisar de outras vitórias que, associadas a uma política monetária mais agressiva, poderão finalmente resultar num Produto Interno Bruto (PIB) positivo. Num raro momento de convergência, o setor produtivo e o mercado financeiro aplaudiram a decisão do Copom.
“O corte de 0,75 ponto percentual é um primeiro passo para a retomada do crescimento econômico e a geração de empregos que o Brasil precisa”, afirmou Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Além de reduzir a Selic, é preciso aumentar o crédito da economia para que as empresas invistam e as famílias consumam.” Na mesma linha, a Fecomércio RJ ressaltou que “reduzir o custo do crédito é fator-chave para a retomada do ânimo dos agentes econômicos e a necessária recuperação do consumo e do investimento”.
No mesmo dia, o Bradesco, o Banco do Brasil e o Santander anunciaram o repasse imediato da queda da Selic para as taxas cobradas de seus clientes. A redução, que tende a ser seguida pelas demais instituições financeiras, é bem-vinda dado o patamar elevadíssimo praticado no Brasil. A mais recente pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) mostra que a taxa média paga pelas pessoas físicas, em dezembro, era de 8,16% ao mês (156,33% ao ano) e a taxa média oferecida para as pessoas jurídicas era de 4,74% ao mês (74,32% ao ano).
“Com uma queda maior dos juros na ponta, os consumidores e as empresas terão a oportunidade de renegociar suas dívidas antigas, que são mais caras”, diz Antonio Carlos Machado, conselheiro da Anefac. “As condições serão menos ou mais favoráveis dependendo da concorrência entre os bancos.” Na avaliação da economista Tatiana Pinheiro, do Banco Santander, o papel dos financiamentos será fundamental para lubrificar a roda do crescimento econômico, num processo que se dará em duas etapas. “O destaque nesse ano será o crédito voltado para o investimento das empresas, enquanto o consumo das famílias será o carro-chefe em 2018”, diz Tatiana, que projeta uma expansão de 0,7% do PIB em 2017.
“Hoje, a realidade é que não há o canal do crédito, seja para os indivíduos, seja para as empresas, devido ao custo extremamente alto do dinheiro.” Desde 2007, o BC monitora a evolução do crédito no Brasil. Até 2015, o volume de empréstimos bancários cresceu todos os anos, sem exceção. Em 2016, no entanto, o estoque de financiamentos recuou aproximadamente 2%, para uma carteira pouco superior a R$ 3,1 trilhões – o dado oficial será divulgado no fim de janeiro. Como esse montante de empréstimos para empresas e consumidores representa quase 50% do PIB, é unânime entre os economistas a análise de que a recuperação da economia depende diretamente, mas não exclusivamente, do aumento do crédito.
Sendo assim, o afrouxamento monetário do Copom contribui para esse processo ao baratear o custo dos empréstimos. Contribui, mas não resolve todo o problema. Para que uma operação de financiamento se concretize num ambiente recessivo é preciso que o cliente tenha confiança no futuro da economia, se dispondo a contrair uma nova dívida mesmo com o risco de perder o emprego. Na outra ponta, a instituição financeira precisa aprovar a operação mesmo ciente de que o tomador pode virar inadimplente se o desemprego atingi-lo. É justamente essa dificuldade em unir as duas pontas que explica, por exemplo, o tombo de 20,2% nas vendas de veículos em 2016 – o quarto ano consecutivo de retração.
Basta analisar as estatísticas da indústria automotiva para constatar que o papel do crédito foi fundamental nos tempos áureos, no início desta década, quando o setor chegou a vender 3,8 milhões de unidades por ano, ante o atual patamar de 2 milhões. “Hoje em dia, de cada dez clientes que tentam financiar um carro novo na concessionária, sete recebem um não como resposta dos bancos”, diz Alarico Assumpção Jr., presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). “Nos bons tempos, a proporção era a oposta, com sete aprovações em cada dez pedidos.”
O rigor excessivo das instituições financeiras tem incomodado os executivos das montadoras. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), apenas 53% dos carros novos estão sendo financiados, percentual considerado baixo em se tratando de um bem durável de alto valor. “Os bancos estão seletivos, mas esse quadro deve melhorar com a queda dos juros pelo Banco Central”, diz Antonio Megale, presidente da Anfavea. Para o setor de eletroeletrônicos, que também é extremamente dependente das compras parceladas, a queda da Selic representa um alívio.
Uma sondagem feita pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) mostra que 60% dos empresários acreditam em uma recuperação dos negócios ainda no primeiro semestre. Com dois anos seguidos de queda nas vendas e nos lançamentos, o mercado imobiliário também esfrega as mãos diante das perspectivas de barateamento do crédito de longo prazo. “A queda dos juros pelo Banco Central incentiva a produção e reduz a saída de recursos da caderneta de poupança, que é o nosso principal funding”, diz Flavio Amary, presidente do Sindicato da Habitação (Secovi-SP). Em 2016, a poupança registrou perda líquida de R$ 40,7 bilhões, o segundo pior resultado desde a criação do Plano Real.
Isso ocorreu porque muitos poupadores transferiram seus recursos para outras aplicações financeiros que oferecem retornos atrelados à Selic. Como as regras do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) determinam que 65% dos recursos depositados nas cadernetas devem ser destinados ao financiamento de moradias, o esvaziamento das poupanças é uma ameaça para o crédito imobiliário. “O interessante é que a queda da Selic também vai baratear o crédito imobiliário que não está atrelado à poupança nem ao FGTS”, diz Amary, que acredita numa recuperação das vendas de imóveis novos em 2017.
DESAFIOS Apesar de o crédito ser um motor importante da economia, os especialistas ressaltam que a recuperação do PIB depende de outras conquistas do governo. No âmbito fiscal, a aprovação da reforma da Previdência Social é fundamental para não inviabilizar a nova regra de expansão dos gastos públicos, que já está em vigor. Pela lei, as despesas só poderão crescer no mesmo ritmo da inflação do ano anterior. Além disso, a renegociação das dívidas dos Estados, com a adoção de contrapartidas fiscais, é vista como imprescindível para a estabilidade fiscal (leia destaque “Socorro antecipado” ao final da reportagem).
A boa notícia para os cofres públicos é que, por causa da queda da Selic, o país gastará menos com o pagamento do serviço da dívida. O Tesouro Nacional administra uma dívida interna de R$ 2,96 trilhões, dos quais 26% (R$ 770 bilhões) são de títulos pós-fixados, ou seja, seguem a oscilação da taxa Selic. Cada ponto percentual a menos de Selic significa que a União economizará R$ 7,7 bilhões por ano com o pagamento de juros. Se o aperto monetário total do Banco Central derrubar a taxa básica para um dígito, como parte do mercado está apostando, o Erário poupará mais de R$ 30 bilhões em apenas 12 meses.
A recuperação do PIB também passa pelo destravamento dos investimentos. Para isso, os empresários aguardam a retomada das concessões de infraestrutura. Em março, serão leiloados quatro aeroportos: Porto Alegre, Florianópolis, Salvador e Fortaleza. O governo estuda privatizar Congonhas e Santos Dumont, além de desengavetar o plano de aviação regional. Há ainda a expectativa de leilões de rodovias, portos, ferrovias, além de oportunidades nas áreas de energia, petróleo e gás. Aos poucos o País vai resgatando sua credibilidade no exterior, atraindo recursos.
Foram US$ 78,8 bilhões em investimento estrangeiro direto nos 12 meses encerrados em novembro e mais US$ 70 bilhões previstos para 2017. Na segunda-feira 9, a Petrobras surpreendeu os analistas ao captar US$ 4 bilhões no exterior para uma demanda próxima de US$ 20 bilhões (leia destaque “País mais atrativo para investidor internacional” ao final da reportagem). Na quarta-feira 11, o presidente da estatal, Pedro Parente, anunciou uma expansão de 35,7% dos investimentos neste ano, totalizando US$ 19 bilhões. No auge do período pré-Lava Jato, a Petrobras chegou a representar 10% de todos os investimentos feitos no País.
Animado com as recentes notícias positivas, o presidente Michel Temer comentou, na quinta-feira 12, em evento na Praia Grande (SP), que “em pouco tempo” o Brasil terá juro “de um dígito”. “Vocês viram que os bancos já começaram a reduzir também as suas taxas de juros”, disse o presidente. “Nós estamos nesse trabalho e esse trabalho tem dado resultado, somado, naturalmente, à questão da queda da inflação.” A favor de Temer, há pela frente alguns dados positivos como a queda contínua da inflação, o dólar bem comportado e a colheita de uma safra agrícola recorde.
Na lista dos riscos, estão a disputa na base aliada pela presidência da Câmara dos Deputados, os impactos políticos da Operação Lava Jato e os potenciais estragos causados pela administração Donald Trump. Há ainda o fantasma do desemprego, que gera cautela nos consumidores. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) prevê que a taxa de desocupados no Brasil vai subir para 12,4% neste ano, quase um ponto percentual a mais do que em 2016.
Trata-se de um incremento de 1,2 milhão de pessoas na fila do desemprego, o que representa quase um terço de todos os trabalhadores que ficarão sem trabalho no mundo, neste ano. O cenário recessivo foi levado em consideração pelo Copom. No comunicado divulgado após a reunião, os diretores afirmam que “a retomada da atividade econômica deve ser ainda mais demorada e gradual que a antecipada previamente”. O BC começou a fazer a sua parte ao iniciar a demolição da rocha de juros que travam o crescimento. A esperança é que Brasília viabilize os próximos passos para reativar o PIB.
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País mais atrativo para investidor internacional
Por Cláudio Gradilone
Desde 1991, quando o Brasil normalizou suas relações com a comunidade financeira internacional, o mercado tem uma praxe: aguardar a captação externa da Petrobras, normalmente em janeiro, para sentir o apetite dos investidores. Os problemas da estatal impediram que isso ocorresse entre 2014 e 2016, mas, neste ano, o mercado voltou à normalidade. E os indícios são favoráveis.
Na segunda-feira 9, a Petrobras captou US$ 4 bilhões em títulos globais. Os papéis de cinco anos pagaram 6,125% ao ano, abaixo dos 6,5% previstos inicialmente, e os de dez anos pagaram 7,375%, abaixo dos 7,5% previstos. A demanda chegou a US$ 20 bilhões, cinco vezes mais do que a captação. Dois dias depois, na quarta-feira 11, a empresa de celulose Fibria levantou US$ 700 milhões por dez anos, pagando 5,3% ao ano, ante os 6,125% previstos no início do processo, que pretendia levantar
US$ 500 milhões.
Finalmente, na quinta-feira 12 a Raízen fechou a captação de US$ 500 milhões por dez anos, com taxas ainda sendo negociadas. Segundo a empresa de informações financerias Dealogic, nos dez primeiros dias de janeiro os países emergentes captaram US$ 9,6 bilhões no mercado global, sendo mais da metade captações brasileiras. A melhora do cenário para o Brasil, aliado à pressa do mercado que quer fechar negócios antes da posse de Donald Trump, em 20 de janeiro, estimulou os banqueiros de investimento a voltarem mais cedo do recesso de Ano Novo.
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Socorro antecipado
Por Gabriel Baldocchi
A crise fiscal do Estado do Rio de Janeiro cobrará um alto custo dos servidores. Além da proposta de aumentar a contribuição previdenciária, rejeitada pela Assembleia Legislativa no pacote de ajuste enviado pelo Executivo, os funcionários públicos estaduais podem sofrer cortes nos salários, com redução proporcional da jornada de trabalho. O pacote de socorro costurado pelo governador Luiz Fernado Pezão com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deve envolver garantias para empréstimos de ao menos R$ 6 bilhões e incluir a venda da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), outro ponto visto com resistência pelo Legislativo estadual.
Somadas as iniciativas de corte de custo, suspensão no pagamento de juros e antecipações de receitas, o pacote de ajuste pode chegar a R$ 50 bilhões por um período de até quatro anos. Os detalhes serão apresentados nos próximos dias para a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia. A equipe do presidente Michel Temer havia elaborado um programa de ajuste a Estados com maior gravidade – além do Rio de Janeiro, Minas Gerais e o Rio Grande do Sul já decretaram calamidade financeira –, mas o projeto foi vetado no final do ano passado depois que o Congresso retirou contrapartidas exigidas pelo Ministério da Fazenda.
A intenção é evitar que a crise dos governos regionais não evolua para um colapso social ou um socorro frouxo, sem ajustes que possam evitar novas dificuldades no futuro. Entre as contrapartidas exigidas no projeto original, que autorizou a renegociação da dívida de outros Estados com a União, estava a proibição para contratar novos servidores e para conceder reajustes aos funcionários públicos.