27/08/2015 - 18:00
Inevitáveis como a morte, os impostos sobre a pessoa física vão se tornar ainda mais dolorosos. Premido pela crise e necessitando equilibrar as contas, o governo federal está preparando três mudanças na tributação que terão um impacto profundo sobre as finanças dos investidores. A primeira – e mais visível – dessas mudanças é uma anistia para quem repatriar ou mesmo informar o dinheiro não-declarado investido fora do Pais. Não há estatísticas confiáveis, mas a estimativa é de que existam US$ 400 bilhões (R$ 1,4 trilhão) de brasileiros lá fora. É um montante ganho legalmente que não aparece nas contas oficiais. O governo busca legalizar e tributar esses recursos.
Atualmente, é possível fazer isso por meio da chamada denúncia espontânea. O investidor informa à Receita sobre a existência e o paradeiro do dinheiro, paga 27,5% de Imposto de Renda e se livra das garras do Leão. O problema é que, ao acertar sua situação com o Fisco, o contribuinte entra na mira da Justiça. “Quem fizer essa declaração será automaticamente indiciado pelos crimes de evasão fiscal e de lavagem de dinheiro”, diz o advogado Alessandro Amadeu, sócio do escritório paulista Mattos Filho. “E isso significa um processo judicial em que a condenação é quase certa, visto que o contribuinte declarou formalmente a existência dos recursos.”
Essa possibilidade, aliada à exposição pública, inviabiliza a denúncia espontânea. Por isso, o projeto de lei do Senado nº 298/2015, do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), garante a anistia jurídica para quem declarar o dinheiro. A vantagem está longe de vir de graça: as presas do Leão aprofundam-se a ponto de arrancar 35% dos recursos declarados. Em uma conta simples (e improvável), se todos os recursos fossem declarados, a dentada traria R$ 490 bilhões aos cofres da União.
Essas propostas não são novas, nunca prosperaram, mas agora um fato novo ajuda o Leão: está mais difícil manter dinheiro não declarado no exterior. Desde 2010, em sua luta contra o terrorismo, o governo americano apertou o cerco contra o recursos suspeitos, obrigando todos os bancos que têm negócios nos Estados Unidos a informar sua existência. “Quem tem dinheiro lá fora pode receber um comunicado do banco solicitando a retirada dos recursos”, diz Celso Portásio, sócio da consultoria RGF, de São Paulo. Além disso, em setembro do ano passado, Brasil e Estados Unidos assinaram um acordo para troca de informações, tornando mais fácil a fiscalização.
Por isso, Amadeu, do Mattos Filho, considera que há grandes possibilidades de aprovação do projeto devido à necessidade de o governo fazer caixa. O projeto já recebeu parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e está tramitando em regime de urgência. A proposta consta da Agenda Brasil, lista de medidas enfeixadas pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), mais novo defensor do ajuste fiscal do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
O projeto 298/2015 não é o único que passa por uma tramitação acelerada. Outro é o Imposto sobre Grandes Fortunas. O polêmico tributo está na Constituição de 1988, mas nunca foi regulamentado. A primeira tentativa de regulamentação partiu do então senador Fernando Henrique Cardoso, em 1989, mas ela – assim como as várias propostas posteriores – não avançou. Agora, um projeto do deputado Paulo Teixeira (PT-SP) propõe taxar todos os anos o patrimônio de quem possui mais de R$ 15,23 milhões declarados, descontando-se o imóvel usado para moradia. A alíquota, cobrada todos os anos sobre o patrimônio declarado do ano anterior, começa em 0,5% e chega a 1% para valores superiores a R$ 142,8 milhões. “Assim como os cotistas de fundos de investimento pagam o ‘come-cotas’, quem tiver dinheiro terá de pagar o ‘come-fortunas’ todos os anos”, diz Amadeu. Pelas contas do governo, esse imposto poderá reforçar a arrecadação em R$ 100 bilhões todos os anos. O projeto tramita na Câmara dos Deputados, em regime de prioridade, e aguarda apenas sua inclusão na ordem do dia do plenário.
Já seria bastante, mas o apetite do Leão é insaciável. A terceira mordida é a elevação da alíquota do imposto sobre heranças, o ITCMD. Arrecadado pelos Estados, esse imposto tem uma alíquota média de 3,86% e máxima de 8%, praticada em Santa Catarina, Bahia, Ceará e Pernambuco. Nos demais Estados, São Paulo inclusive, a alíquota é de 4%, chegando a modestos 1,5% no Rio Grande do Norte. Está em discussão a elevação dessa alíquota para 20% ou até 25%, sendo que a parcela superior a 8% seria dividida entre a União e o município em que reside o contribuinte. Esse é o projeto cuja tramitação está mais atrasada, mas o governo tem bons motivos para se apressar. No primeiro semestre, a arrecadação do ITCMD no Rio Grande do Sul cresceu 104% em relação ao mesmo período de 2014, atingindo R$ 238 milhões. O governo gaúcho anunciou que dobraria a alíquota de 4% para 8%, o que precipitou a antecipação de muitas doações e transferências.
O que fazer? Segundo Amadeu, será difícil escapar desses impostos e por isso a recomendação é realizar um planejamento sucessório. No caso da repatriação de recursos, é preciso esperar a aprovação do novo imposto, para evitar o processo criminal. Já no caso das heranças e grandes fortunas, aconselha-se antecipar a partilha familiar. O cálculo é simples. No caso da herança, a transmissão antes da aprovação reduz a alíquota de potenciais 20% ou 25% para os atuais 4% a 8%. Já no caso das grandes fortunas, é possível amansar um pouco o Leão dividindo os recursos entre vários herdeiros, o que manterá a base de arrecadação em uma alíquota mais baixa. “O planejamento financeiro reduz, legalmente, o total de imposto a pagar”, diz o consultor Mauro Calil, ligado ao banco Ourinvest. O banco, assim como o Mattos Filho, estão ampliando sua atuação nessa área, visando atender uma necessidade que deve crescer. “Na Europa e nos Estados Unidos, sucessão patrimonial é algo planejado com décadas de antecedência, e essa prática precisa ser adotada também no Brasil”, diz Amadeu.