A luta solitária do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, para ser reconhecido como um líder regional parece ter chegado ao fim. Depois de reivindicar seus direitos de comandar a presidência do Mercosul – pela regra alfabética de rotatividade, a liderança da vez caberia ao país –, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, os quatro sócios fundadores do bloco, chegaram a um consenso: até 1º de dezembro a presidência será colegiada.

A proposta dos argentinos, encabeçada pela chanceler Susana Malcorra, foi ratificada, na semana passada, pelo brasileiro José Serra e pelo paraguaio Eladio Loizaga, enquanto o uruguaio Rodolfo Nin Novoa preferiu se abster. Os votos bastaram para limitar a força política do caudilho venezuelano, que passou de pedra no sapato a membro isolado do Mercosul. “A declaração foi adotada no espírito de preservação e fortalecimento do Mercosul, de modo a assegurar que não haja solução de continuidade no funcionamento dos órgãos e mecanismos de integração, cooperação e coordenação do bloco”, escreveu o ministro Serra, em nota, após a medida de 13 de setembro.

A decisão dos membros fundadores sela uma nova fase no Mercosul e mostra a força de Argentina e Brasil no bloco. José Serra e Susana Malcorra saem vitoriosos ao acabar com o excesso de jogo político, assunto que predominou no encontro entre os países nos últimos quatro anos. O governo Dilma Rousseff era um dos principais defensores e incentivadores dessa linha de atuação.Muitos especialistas duvidavam da capacidade e credibilidade do bloco e propuseram revisões nos rumos da união. Mas o afastamento da Venezuela mostra que o interesse comum voltou a ser a conquista de acordos comerciais vantajosos para os países-membros.

“Por conta das indefinições políticas, o bloco tinha deixado as questões comerciais em segundo plano”, diz Ingo Plöger, presidente internacional do Conselho Empresarial da América Latina. “Precisamos estabelecer marcos comuns para podermos entrar rapidamente em negociações comerciais e setoriais e voltar nosso olhar para os países do pacífico.” O bloco discute, há anos, a resolução de um acordo com a União Europeia. Embora as negociações tenham avançado em 2016, ainda existem pontos que precisam ser amarrados, como a questão agrícola e, principalmente, das proteínas animais, que afetam países como o Brasil e a Argentina.

Além disso, para ganhar protagonismo no cenário de negociações internacionais, a união deve caminhar para acordos bilaterais. A integração com a Aliança do Pacífico, de Peru, Chile e Colômbia, passa a ser estratégica. O clima de impasse político no bloco, que ficou quase 60 dias sem um comando oficial, estava afundando a credibilidade da união. Diversas reuniões “informais” eram convocadas às pressas pelos sócios. A preocupação de uma rápida resolução, porém, se dava justamente para não embargar qualquer decisão referente ao comércio internacional.

Como o responsável por convocar reuniões e por definir as pautas dos encontros é o presidente do bloco, havia muitas dúvidas se Maduro conseguiria atender os interesses comuns. Mergulhado numa crise doméstica sem precedentes em seu país, o sucessor de Hugo Chávez deixou de lado regras básicas do bloco (leia quadro ao lado). Esses erros foram o xeque-mate para afastá-lo do Mercosul e destituí-lo do poder. “A Venezuela é um país importante para o Mercosul. Porém, não podemos deixar que seus problemas prejudiquem a união”, diz Regis Arslanian, ex-embaixador do Brasil no Mercosul e sócio da GO Associados. “A decisão não foi agressiva. É uma solução técnica, não podíamos mais ficar no limbo.”

Os venezuelanos terão quase três meses para se adequar ao Mercosul. Quando assinou, em 2012, a carta para se tornar um membro pleno, o país tinha de adotar uma série de regras impostas pela união, como o acordo de complementação econômica, que propõe uma política comercial comum; o protocolo de proteção dos direitos humanos e o acordo sobre residência. Mas as medidas foram ignoradas por Maduro. “A Venezuela nunca chegou a completar o processo prático. O ingresso se deu apenas por razões políticas”, diz Rubens Ricupero, o ex-ministro da Fazenda e diplomata de carreira. Parece pouco provável, porém, que um país que não é modelo de democracia consiga atender essas exigências no curto prazo.