O executivo francês François Dossa, presidente da Nissan no Brasil, se tornou um dos homens de confiança de Carlos Ghosn, brasileiro que comanda a aliança Renault-Nissan em todo o mundo. Com razão. Em seu ano de estreia na companhia, em 2012, as vendas cresceram nada menos que 60%. A reputação conquistada, no entanto, é proporcional ao seu desafio: elevar de 2% para 5% a fatia da marca no mercado nacional. Para isso, o executivo orquestrou a construção de uma fábrica em Resende (RJ) que, junto com a unidade paranaense de São José dos Pinhais, elevou a capacidade de produção para 250 mil carros por ano. Fora das linhas de montagem, Dossa definiu as estratégias do maior investimento de marketing da história da marca no País, com o patrocínio aos Jogos Olímpicos Rio 2016, dentro de um plano de R$ 2,6 bilhões. Em entrevista à DINHEIRO, Dossa conta como tirar proveito da Olimpíada na Cidade Maravilhosa.

DINHEIRO – Quando a Nissan anunciou seu patrocínio à Olimpíada do Rio, há pouco mais de dois anos, o ambiente econômico era outro. Os jogos acontecerão em um cenário de crise e pessimismo. Como trabalhar a marca em um clima de baixo-astral? 
DOSSA –
 Nosso objetivo é aumentar o conhecimento da marca Nissan junto ao consumidor brasileiro. Das grandes marcas japonesas, fomos a terceira a chegar ao País e, por isso, nem todo mundo conhece a Nissan. A Olimpíada será uma poderosa vitrine para os nossos carros. Se ajudar a turbinar as vendas, não vou reclamar. Mas o objetivo principal é a exposição da marca.

DINHEIRO – Existem dúvidas em relação à capacidade do Rio de Janeiro em sediar uma Olimpíada. Se a organização não sair como planejado, o benefício não pode se transformar em problema para os patrocinadores?
DOSSA – 
Não acredito. Estamos muito otimistas com os Jogos Olímpicos. Quinze dias atrás, visitei as instalações no Rio e constatei que está tudo correndo bem. A organização da Rio 2016 está fazendo um trabalho sensacional em parceria com a Prefeitura e, com absoluta certeza, todos se surpreenderão com a qualidade e grandiosidade dos jogos. Esta Olimpíada será a melhor da história.

DINHEIRO – Esse desconhecimento da marca explica a maior desvalorização de revenda de um carro da Nissan em comparação aos carros das rivais japonesas?
DOSSA – 
Sim. Por isso estamos investindo na marca. Acredito que a realização da Olimpíada em um ambiente de crise pode ser ainda melhor do que se a economia estivesse girando normalmente. Quando só existe notícia ruim no noticiário, uma Olimpíada ajuda a melhorar o ambiente. Será, provavelmente, a única agenda positiva no Brasil. O evento poderá ajudar a resgatar o orgulho do brasileiro, o pensamento positivo e a vontade de superar desafios.

DINHEIRO – Esse será o maior legado?
DOSSA –
 Com certeza. O esporte ajuda a tirar o foco dos problemas da economia e da política. Menos pessimistas, os consumidores voltarão a consumir e as empresas, a produzir. Os programas de apoio ao esporte olímpico e paraolímpico continuarão mesmo após a Olimpíada. O legado dos jogos será bom tanto para as empresas quanto para a sociedade.

DINHEIRO – Até lá, a crise na economia terá passado?
DOSSA –
 Infelizmente, acho que não. Há dois ou três meses eu diria algo diferente. O que estamos assistindo agora é uma deterioração muito rápida de junho para cá. Os últimos três meses foram terríveis, com o dólar passando de R$ 3,40 para R$ 4, as estimativas de mercado para a queda do PIB passaram de um ponto alguma coisa para perto de uma retração de 2,5%. Enfim, é como se a economia tivesse se jogado da janela. Vai caindo, vai caindo, e não se sabe onde vai descer. Ninguém sabe.

DINHEIRO – Como foi o ano para a Nissan?
DOSSA – 
A gente passou o primeiro semestre relativamente bem e estamos na expectativa para ver o que acontece no segundo. Mas estamos com os pés no chão. A situação é complicada.

DINHEIRO – Esse dólar caro não abre espaço para as exportações? 
DOSSA – 
A Nissan do Brasil nunca exportou. Estamos qualificados, seja pela qualidade dos carros, seja pelo câmbio, a exportar com competitividade para toda a América Latina. Nossos vizinhos formam um mercado de mais de um milhão de unidades. O início das exportações deve ocorrer em abril.

DINHEIRO – Com uma fábrica recém-inaugurada, existe uma pressão da matriz para a que operação brasileira cresça mais?
DOSSA – 
Nosso foco não é volume, é qualidade. Preciso entregar qualidade hoje para ter volume no futuro. Se eu erro na qualidade, levo mais de cinco anos para superar o erro.

DINHEIRO – Os números da Nissan mostram que o desempenho no País tem variado muito. Em 2012, o crescimento foi de quase 60%. Um ano depois, houve queda acentuada. Em 2014 foi registrado um pequeno declínio e, no primeiro semestre deste ano, um crescimento de 5%. O que explica essa oscilação?
DOSSA – 
A gente está crescendo em participação de mercado a um ritmo de 25% na comparação ao ano passado. Isso seria muito bom se o mercado estivesse crescendo ou, ao menos, estável. O grande drama do País neste ano é o mercado, que de janeiro a setembro caiu 22%. Trata-se de uma situação muito crítica. Estamos na contramão, mas, mesmo assim, os volumes não estão no patamar que a gente esperava.

DINHEIRO – Como a Nissan cresceu em um mercado em queda?
DOSSA – 
Sem nenhum triunfalismo, estamos felizes, mas sem comemorar. Todos os especialistas, um ano atrás, previam que o mercado automobilístico brasileiro fecharia 2015 com um volume de aproximadamente 3,5 milhões de unidades. Hoje todos falam de 2,2 milhões ou 2,4 milhões, para os mais otimistas.

DINHEIRO –É possível prever o alcance e a duração desta crise? 
DOSSA –
 Conheço o Brasil há muitos anos. Nunca vi uma coisa assim. Hoje em dia, o maior desafio é saber dizer quando isso irá parar. Está tudo ligado à política. O estrago na economia é causado, em boa parte, pela política.

DINHEIRO – A Nissan refez ou adiou algum plano de investimento em razão da crise?
DOSSA – 
Não. A Nissan está no País para o longo prazo. Posso te garantir que o mercado brasileiro alcançará 6 milhões a 7 milhões de carros em menos de dez anos. O índice de carros por habitante no Brasil ainda é muito baixo se compararmos com países mais desenvolvidos. Este mercado ainda irá crescer muito. Estaremos aqui quando isso acontecer.

DINHEIRO – Então, empresários que cancelaram os investimentos não estão certos?
DOSSA –
 Historicamente, o Brasil é um país cíclico. Quem está aqui há muito tempo sabe disso e precisa estar preparado. Daqui a dois anos, que não pode ser considerado um período longo em termos de ciclos econômicos, devemos entrar em um ciclo de alta dos investimentos. O que não se pode fazer é planejamento baseado em joguinhos de previsões. As previsões não funcionam no Brasil. Ninguém consegue acertar nada. O que é certo é que 2015 e 2016 são anos perdidos.

DINHEIRO – Como planejar os negócios no longo prazo se não é possível prever o que vai acontecer no mês que vem? 
DOSSA – 
Por isso não paramos os investimentos. Não podemos cair na armadilha do joguinho ‘stop and go’, que se investe quando as coisas vão bem e para tudo quando vão mal. Temos um plano muito claro para o Brasil, com uma fábrica em Resende, um headquarter no Rio de Janeiro, um super centro de peças, o patrocínio da Olimpíada de 2016, etc. Antes de trabalhar em montadora, trabalhei 20 anos em bancos. Quando o senhor Carlos Ghosn me contratou, lembro-me muito bem, ele me disse que eu precisava mudar o chip do meu cérebro porque banco pensa no retorno de curto prazo e na indústria automobilística se planeja os negócios para dez, vinte ou trinta anos.

DINHEIRO –Apesar da da queda do mercado brasileiro, as marcas japonesas, como Honda e Toyota, estão crescendo. Por quê? 
DOSSA – 
O brasileiro passou a buscar carros melhores nos últimos anos. As marcas asiáticas trouxeram ao País alternativas melhores e, evidentemente, o cliente mais inteligente vai para o melhor produto, para o carro mais atrativo em termos de custo-benefício.

DINHEIRO – Há indícios de que o dólar voltará a um patamar mais realista?
DOSSA –
 Não tenho a mínima ideia. Se você tiver, eu te contrato. O que posso dizer é que o modelo de operação da Nissan no Brasil de anos atrás não é o mesmo de hoje. Gradualmente, reduzimos a importação de carros produzidos no México. A grande maioria do que vendemos hoje, em torno de 80%, é fabricado no Brasil. O câmbio atrapalha, sim, mas não dependemos somente do dólar.

DINHEIRO – E quem só importa? 
DOSSA –
 Para sobreviver no Brasil, os custos e as receitas precisam ser na mesma moeda. Não podemos correr o risco do câmbio. O senhor Ghosn sempre enfatizou isso, muito antes da disparada do dólar. Por isso, nos últimos anos, a participação dos importados, que era de 80%, hoje está em 20%. Quem é só importador está com muitos problemas. Além do câmbio desfavorável, ainda temos cotas de importação sob pena de pagar uma sobretaxa de 30%. A importação, somente ela, se tornou inviável.

DINHEIRO – Qual é a cotação ideal? 
DOSSA – 
Todos sabiam que não era real quando o dólar estava a R$ 1,70. A moeda americana a R$ 4 também não faz sentido. Um câmbio realista é entre R$ 3,00 e R$ 3,20. Como está, os importadores não vão sobreviver. E isso não é bom para ninguém.