05/09/2014 - 20:00
A privatização do setor de telefonia, em meados da década de 1990, trouxe uma série de novos competidores ao Brasil. No modelo pensado pelo então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, as empresas que compunham a estatal Telebras foram cindidas em diversas outras e vendidas à iniciativa privada. Além disso, foram criadas empresas-espelho, cuja missão era rivalizar com as companhias privatizadas. Dessa forma, a Telesp, comprada pela espanhola Telefônica, concorria com a Vésper, no Estado de São Paulo. Ao final desse processo, havia 27 operadoras.
Os grupos econômicos que as controlavam vinham de todas as partes do globo, como as americanas Bell South, MCI e Motorola, as canadenses Bell Canada e Telesystem, a suíça Telia, as japonesas DDI e NTT, a britânica National Grid, a italiana Telecom Italia, a portuguesa Portugal Telecom, a francesa France Telecom e as espanholas Telefónica e Iberdrola. Os brasileiros não ficaram de fora dessa nova configuração. Participaram da abertura do mercado desde fundos de pensão até companhias de outros setores, como a Vicunha, do setor têxtil, controlada pela família Steinbruch, e a Suzano, de papel e celulose, do clã Feffer, além dos bancos, como o Opportunitty, de Daniel Dantas, e o Safra.
Mas isso é história. A realidade, hoje, é bem diferente. Quase 16 anos desde a privatização da Telebras, a holding estatal que detinha o monopólio das telecomunicações no País, e muitas brigas societárias, farpas, acusações, falências, fusões e aquisições depois, o setor de telefonia brasileiro caminha para uma concentração inédita. Do emaranhado de empresas do passado devem sobrar apenas três grandes grupos econômicos. O maior deles será a espanhola Telefónica, dona da Vivo, que está concluindo a aquisição da GVT, da francesa Vivendi, em um negócio de € 7,45 bilhões.
O segundo é o mexicano América Móvil, dono da Embratel, da Claro e da NET. E, por fim, o luso-brasileiro Oi, que contratou o banco BTG Pactual, para estruturar uma proposta pela TIM, da Telecom Italia. O objetivo é fatiá-la com Telefônica/Vivo e América Móvil, eliminando um forte concorrente do mercado, caso o negócio avance, segundo fontes a par da transação. Esses três impérios brasileiros das telecomunicações podem ser personificados em seus comandantes. A Telefônica/Vivo conta com Antônio Carlos Valente como seu homem forte no Brasil.
A América Móvil, que está integrando suas três empresas, poderá ter seu chefe na figura de José Formoso, presidente da Embratel, executivo de confiança de Carlos Slim, o dono do grupo. A Oi tem no moçambicano Zeinal Bava sua referência no Brasil. Do ponto de vista financeiro, a concentração do mercado em apenas três grupos faz todo o sentido. Em um setor de capital intensivo, a formação de gigantescos conglomerados traz escala, o que ajuda na amortização dos pesados investimentos necessários para manter a atualização tecnológica.
Mas, sob a ótica do consumidor, essa não deve ser necessariamente uma boa notícia. “Para o usuário é ruim, pois se está diminuindo a competição”, afirma Juarez Quadros, sócio da consultoria Órion Investimentos, e ex-ministro das Comunicações, um dos responsáveis pelo modelo de privatização. É a mesma opinião do atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. “Claro que é uma concentração de mercado”, disse ele, no começo de agosto, quando a proposta da Telefónica sobre a GVT se tor nou pública. “Acho que, para o consumidor, sempre é bom ter muitas empresas e ter concorrência entre elas.”
Desde a privatização, o setor de telefonia já investiu R$ 316 bilhões, segundo dados do SindiTelebrasil, que representa as operadoras. O número de telefones fixos passou de 20 milhões, em 1998, para 44,2 milhões, no ano passado. No mesmo período, os assinantes de celulares dispararam, passando de minguados 7,3 milhões para 271 milhões. Se a universalização e massificação dos serviços de telefonia foi uma meta atingida, a qualidade ainda é um ponto fora da curva. As empresas de telefonia, em geral, figuram no topo das listas de reclamações dos órgãos de consumidor. A Telefônica/Vivo e a América Móvil, por exemplo, lideram o ranking da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo (Procon-SP), em 2014.
“O consumidor não ganha com as mudanças”, diz Maria Inês Dolci, coordenadora institucional do Proteste, entidade que defende os direitos dos consumidores. “A concentração elimina concorrentes e o consumidor perde o poder de escolha.” O movimento de concentração da telefonia precisa ser aprovado pela Agência Nacional de Telecomunicações e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica. É provável que ocorram restrições em São Paulo na avaliação da aquisição da GVT pela Telefónica. O fatiamento da TIM, se acontecer, também deve passar por um escrutínio rigoroso das autoridades reguladoras. Analistas, no entanto, acham difícil parar esse processo. Caberá aos consumidores descobrir se três é pouco, ou bom demais.