16/12/2016 - 20:00
Ao assumir como ministro da Fazenda em meio à tormenta política do impeachment da presidente Dilma Rousseff, Henrique Meirelles adotou como mantra a máxima “devagar que estou com pressa”, numa tentativa de sinalizar o compromisso com a velocidade nas reformas e, ao mesmo tempo, afastar o risco de a pressão resultar em propostas afobadas e superficiais. Com pouco mais de seis meses de gestão, o ajuste fiscal caminha bem. O Congresso aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita os gastos públicos e deu início à tramitação da reforma da Previdência (leia reportagem aqui).
Mas a temperatura em Brasília voltou a subir e obrigou a equipe econômica a reagir com medidas adicionais, para abafar a crise política, antecipar algum alento contra a recessão e sustentar a confiança dos brasileiros na retomada do crescimento. A ordem agora é do Planalto e o mantra implícito passa a ser: “depressa que estou com pressa.” O pacote de bondades de fim de ano, anunciado pelo governo, na quinta-feira 15, contempla um conjunto de medidas microeconômicas voltadas a aumentar a competitividade da economia no longo prazo e dar um alívio às empresas no curto prazo. E o melhor: sem populismo nem irresponsabilidade fiscal.
O destaque é o programa de regularização de dívidas tributárias, uma espécie de Refis, que permite parcelar pendências com a Receita Federal. O setor privado cobrava a iniciativa havia meses, mas a Fazenda relutava em aceitar. Ao renegociar os débitos em condições favoráveis, os empresários conseguem obter a certidão que dá acesso a linhas de crédito e voltam a ficar aptos a participar de compras públicas. Em setores como o de autopeças e máquinas, mais da metade dos grupos estão sem a certidão e, portanto, sem acesso a financiamento.
Nesta edição, o programa de parcelamento ficou mais rígido e trouxe novidades. Empresas poderão compensar créditos tributários de prejuízos acumulados, inclusive para dívidas previdenciárias. Os prazos chegam a oito anos, com entrada de 20% do valor total, que pode ser parcelado em três anos. Não há desconto nas multas e encargos acumulados como nos Refis passados. Essas condições eram criticadas pelos técnicos, que as avaliavam como um prêmio a grupos com hábito de postergar o pagamento de tributos. Para os empresários, a rigidez deve reduzir o interesse.
“Se não tiver perdão de juros e multa, não vai ter adesão”, afirma João Velloso, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). O setor pressionará parlamentares a alterar os termos quando a Medida Provisória chegar ao Congresso. Para Velloso, o programa é indispensável ao ajuste fiscal. “O plano do Meirelles não fecha sem aumento de arrecadação”, afirma. “Se eu já estou em débito, não pago. Com a regularização, volto a pagar.” O governo espera uma injeção extra de R$ 10 bilhões nas contas do Tesouro.
O BNDES ajudará a aliviar a condição atual das empresas. Oferecerá linhas de crédito em condições mais favoráveis para renegociar dívidas contraídas com o banco estatal. O espaço para revisão é de R$ 100 bilhões em débitos, mas a expectativa é de que fiquem próximos de R$ 20 bilhões. O banco ampliará ainda a oferta para empresas de menor porte, com linhas mais acessíveis, o que deve aumentar os desembolsos nessas categorias em R$ 5,4 bilhões.
“São medidas que visam facilitar o crédito e aumentar a liquidez das empresas num momento de maior aperto”, afirmou o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira. O afrouxamento é apontado como passo fundamental para reverter o quadro de estagnação atual. Com a recessão, bancos ficaram mais cautelosos nas concessões enquanto o endividamento das empresas disparou. “As empresas estão num nível de endividamento tal qual correm o risco de desaparecer”, afirma José Ricardo Roriz Coelho, diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
“O governo dedicou esforço para as correções de longo prazo, mas não resolveu o curto prazo. Não dá para pensar no amanhã sem pensar no hoje.” Um levantamento da entidade com 269 companhias mostra que as dívidas corporativas cresceram 60% de 2010 a 2015, superando hoje os R$ 500 bilhões. Mais da metade dos grupos registram despesas financeiras superiores à geração de caixa. Nesse cenário, o acesso a linhas como capital de giro a custos razoáveis é uma questão de sobrevivência.
“O mercado está travado, precisa de liquidez.”, afirma Alfredo Bonduki, presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem de São Paulo (Sinditextil-SP). Havia a expectativa de mais instrumentos para reduzir o endividamento, como o uso de depósitos compulsórios para o abatimento de passivos e a permissão de saques do FGTS para pessoas físicas. Essas e outras medidas estão em estudo e devem ser anunciadas mais adiante. Na terça-feira 20, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, apresentará uma agenda de medidas estruturais.
Na avaliação de Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, a cautela é acertada. “Não dá para tirar o paciente da UTI, colocar na semi-intensiva e, na semana seguinte, levar para a churrascaria”, afirma Agostini. “Não são medidas salvadoras da pátria, mas quem estava desanimado começa a reacender a esperança ao ver que o governo não está de braços cruzados.” Entre as medidas, a criação de uma fonte de financiamento para o setor imobiliário é vista como um esforço de estímulo à atividade num prazo mais curto. Soma-se ao programa de renovação de frota anunciado pelo governo na terça-feira 13, com previsão de compra de 10 mil ônibus, o equivalente a quase um ano de vendas.
Para quem espera um passe de mágica, o ministro do Planejamento foi taxativo: “O governo não tem uma vara de condão para fazer a economia crescer imediatamente”. Para rebater a impressão de que o pacote responde à crise política, a equipe econômica enfatizou os ajustes para a produtividade. Nesse rol, incluem-se o fim gradativo da multa de 10% do FGTS nos casos de demissão, medidas que visam diminuir o custo do crédito e podem ajudar a redução de spreads (margem de ganho) dos bancos, além de simplificações no sistema de cadastros, mudanças no pagamento com cartões de crédito e uma maior remuneração do FGTS aos trabalhadores.
Segundo Meirelles, a expectativa é de que as correções permitam o crescimento do PIB potencial se elevar de mais de 2% para mais de 3%. “Pela primeira vez em décadas, estamos enfrentando o custo de produzir no País.” No setor privado, o pacote foi bem recebido. Embora reconheçam a necessidade de estímulos para a demanda, empresários destacam o avanço em questões estruturais. “É necessário mostrar, e isso foi feito pelo governo, que há caminhos possíveis para a superação gradual do desafio dos custos gerais de produção no País e da eficiência da economia”, afirmou, em nota, o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco.
ESTADOS
As bondades de fim de ano do governo federal seguiram à promulgação da PEC dos gastos. Em outra frente, foi elaborado um socorro extra para os Estados em situação de calamidade financeira, a partir da criação de um regime fiscal especial que interrompe temporariamente o pagamento de dívidas da União e prevê prerrogativas como a permissão de novos créditos, desde que cumpridas contrapartidas de ajustes. As iniciativas mostram um esforço do Executivo para evitar a sensação de paralisia em meio à pior crise da gestão atual na política e na economia.
“Nós não paramos um momento sequer”, afirmou Temer, na quinta-feira 15. “E, em momentos até agitados do País, o governo tem dito que esta interação do Executivo com o Legislativo tem produzido bons efeitos para a governabilidade.” Na economia, o alarme soou com a queda de 0,9% no PIB do terceiro trimestre. Uma onda de piora nas expectativas foi deflagrada e passou a indicar um crescimento mais próximo de zero no próximo ano. Na quinta-feira 15, o índice de atividade do Banco Central, o IBC-Br, considerado um termômetro do PIB, confirmou o atraso na recuperação, ao mostrar uma queda de 0,5% em outubro.
Na política, a sirene de urgência se acendeu com os vazamentos da delação premiada de executivos da Odebrecht. Os relatos se aproximam do núcleo de confiança do Executivo, tumultuam o ambiente no Legislativo e no Judiciário, e ameaçam a sustentação do governo Temer, cujo nome também aparece nos depoimentos. Na quarta-feira, o assessor da Presidência, José Yunes, pediu demissão após ter sido citado pela empreiteira. Tudo indica que os pedidos do Planalto neste Natal estarão mais centrados na política do que na economia.
—–
Pacote de Natal
Agenda microeconômica busca alívio no curto prazo e queda do custo Brasil:
• Novo instrumento para o crédito imobiliário
• Linhas de refinanciamento do BNDES
• Programa de regularização de dívidas tributárias
• Autoriza varejo a cobrar preços diferentes no cartão
• Aprimora cadastro positivo e cria mais garantias ao crédito
• Redução de prazo para pagamento do cartão de crédito ao lojista
• Redução no prazo para compensação de créditos tributários
• Novos sistemas de registro nacionais (empresas e fundiárias)
• Fim gradual da multa de 10% do FGTS em caso de demissão
• Programa de modernização de frota de ônibus com 10 mil unidades
• Ampliação de crédito do BNDES para micro, pequenas e médias