28/09/2013 - 7:00
Há sete anos, a canadense Research in Motion, rebatizada neste ano como BlackBerry, era uma das mais aclamadas empresas de tecnologia do mundo. Tanto que, em 2006, o dicionário Webster escolheu o termo “crackberry” como a palavra do ano – ela se refere aos consumidores do aparelho. Não era para menos. O BlackBerry dominava o mercado de smartphones e era o celular preferido do mundo corporativo, graças ao seu serviço de e-mail. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, era seu principal garoto-propaganda. A companhia era altamente lucrativa e chegou a valer US$ 80 bilhões. Esses dias hoje são história.
Na segunda-feira 23, a Blackberry foi vendida para o fundo Fairfax Financial Holdings, que já detinha 10% da companhia, por US$ 4,7 bilhões. O negócio ainda depende de uma avaliação mais aprofundada da situação financeira da canadense para seguir adiante. Agora, a Blackberry está nas mãos do ex-integrante de seu conselho de administração e diretor do Fairfax Financial Holdings, Prem Watsa, conhecido como o Warren Buffett canadense. Com esse handicap, Watsa tem boas credenciais para a pergunta que não quer calar: será que ainda é possível juntar os cacos da companhia, que perdeu mercado e relevância para concorrentes como Samsung e Apple? Ninguém sabe responder, nem ele provavelmente.
Watsa ainda não divulgou seus planos para a marca, que detém US$ 3 bilhões em patentes e licenças e conta com 72 milhões de usuários no mundo, nem sempre fiéis: pesquisas mostram que dois terços deles afirmam que vão mudar de fabricante quando forem comprar seu próximo smartphone. Ganhar espaço no acirrado mercado de smartphones é difícil. Nos últimos três anos, não houve nenhuma mudança de posição no mercado. A Samsung se consolida como líder geral nas vendas, a Apple fica mais forte em seus segmentos e LG, HTC, Nokia e outras empresas fazem o melhor com sua casa unitária da porcentagem. “É difícil pensar em mudanças na configuração atual”, afirma Ivair Rodrigues, presidente da consultoria IT Data.
Missão impossível: o CEO Thorsten Heins assumiu a empresa no começo
do ano com a tarefa de conquistar o usuário final
Depois de tanto tempo apostando na clientela corporativa, reciclar a estratégia e sair em perseguição ao consumidor final parece uma reação tardia. A consumerização, ou Bring Your Own Device (traga seu próprio aparelho, em tradução livre), foi uma vilã para o Blackberry. O aparelho era efetivo dentro da empresa, mas fora dela pouco fazia. Apple e Google trataram de implementar características corporativas em seus produtos, que agradavam mais ao consumidor em seu tempo livre. E, com o tempo, seu diferencial, um sistema fechado e seguro, foi deixando de existir. “Os outros sistemas são mais frágeis, especialmente o Android, mas isso pode ser controlado”, afirma Bruno Zani, engenheiro de sistemas da McAfee.
Tentativas de promover a virada não faltaram, mas falharam. No segundo trimestre de 2013, a Blackberry bateu no fundo do poço da participação de mercado, com 2,9%, sendo ultrapassada também pelo Windows Phone. “O Z10 é um celular potente, e que satisfaz, sim, fora do ambiente corporativo”, afirma João Stricker, presidente da Blackberry no Brasil. “Ele está sendo reconhecido pelo mercado. Acreditamos que, com o tempo, ganharemos mercado, não o contrário”. Para onde Watsa pode correr? Dificilmente apostar em inovação parece ser uma saída, pois o mercado de smartphones não tem uma grande mudança de tecnologia desde 2007, quando o iPhone chegou. Além disso, até no “campo da recuperação” a Blackberry tem concorrência.
A empresa teria de disputar a recuperação de pontos de participação no mercado de smartphones com a Nokia, turbinada pelo poderio financeiro e pela expertise dos especialistas da Microsoft, sua nova dona. “Se eu tivesse que apostar em uma das empresas para voltar ao topo, sem dúvida iria de Nokia”, afirma Rodrigues, da IT Data. “Costumo dizer que com a Microsoft não se brinca.” Uma opção mais remota seria abandonar de vez o consumidor final e focar no corporativo. Antes de ser vendida, a Blackberry enxugou seu quadro de funcionários em 30%. “Eles encolheram e podem se transformar em uma empresa de B2B rentável”, afirma Colin Gillis, analista da BGC Partners LP, de Nova York. O primeiro passo nessa direção está sendo dado. “Estamos com foco no corporativo e em clientes que usam o smartphone como uma ferramenta de produtividade”, afirma Stricker.