10/06/2016 - 20:00
Na última década, o setor de educação foi um dos maiores protagonistas da economia brasileira. O grande número de jovens sedentos para entrar no mercado de trabalho criou um contingente de milhares de estudantes que, beneficiados pelos programas governamentais como o ProUni e o Fies, possibilitaram o surgimento de grandes grupos empresariais focados no ensino superior, como a Kroton, a Estácio e a Ser Educacional. Preocupações com o fato do ensino se pautar mais por uma lógica financeira do que acadêmica, no entanto, sempre estiveram presentes. É essa mesma polêmica que, agora, se encontra no centro de uma disputa comercial entre três dos maiores conglomerados educacionais do País. A Kroton, líder do setor, disputa com a Ser Educacional, o quinto maior grupo em faturamento, o controle da Estácio, segunda maior empresa do mercado. A primeira, cujo faturamento foi de R$ 5,2 bilhões em 2015, tem a seu favor a força do dinheiro. Sua proposta é considerada mais vantajosa pelo mercado. A Ser, que faturou R$ 1 bilhão no ano passado, por sua vez, aposta na ideia da união de forças para gerar crescimento orgânico, em uma proposta que flerta com o sentimentalismo. Os argumentos de ambas as empresas já teriam colocado o conselho de administração e o corpo gerencial da Estácio, liderado pelo presidente Rogério Melzi, em lados opostos.
A disputa ganhou notoriedade na quinta-feira 2, quando a Kroton admitiu publicamente uma possível combinação com a Estácio. No domingo 5, foi a vez da Ser Educacional, controlada pelo empresário Janguiê Diniz, indicar interesse numa junção dos negócios com a empresa. A proposta da Kroton, apresentada oficialmente na segunda-feira 8, envolve a troca de 0,977 ações ordinárias da companhia para cada ação uma da Estácio. Pelos termos, os acionistas da concorrente ficariam com 15,7% da nova empresa. Já a proposta da Ser é de realizar um pagamento extraordinário de dividendos aos atuais acionistas da Estácio no valor de R$ 590 milhões, o equivalente a R$ 1,92 por ação. Após a distribuição de proventos, as empresas combinariam seus negócios, dividindo seu capital em 68,7% para os acionistas da Estácio e 31,3% para os acionistas da Ser. Neste caso, os executivos da Estácio ficariam no comando da nova empresa.
O mercado parece ter escolhido um lado. Consultores ouvidos pela DINHEIRO enxergam uma clara vantagem na negociação com a Kroton. “Mesmo com uma possível intervenção do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, estrategicamente faz mais sentido para a Estácio se juntar à Kroton”, diz Bruno Giardino, analista de educação do Banco Santander. Até mesmo concorrentes não colocam fé que a Ser Educacional vai se dar bem nessa briga. “É praticamente claro que a Kroton vai ganhar, o potencial de sinergia é monstruoso”, diz o presidente de uma companhia rival. O mercado demonstrou essa intenção no valor das ações. Desde o anúncio da negociação, no dia 2, as ações da Estácio subiram 40,3%, enquanto as da Kroton aumentaram em 20,4%.
A força da proposta da líder do mercado está baseada nas sinergias que viriam com o negócio, no curto prazo, em função da junção das áreas administrativas das duas empresas. Segundo estimativa do Bank of America Merrill Lynch isso poderia resultar em uma economia de R$ 4 bilhões. “Esses números são até conservadores, pois vemos potencial de até R$ 8 bilhões”, diz um executivo da Kroton que acompanha as negociações. Tais números fizeram os olhos dos integrantes conselho da Estácio brilharem. Mas alguns fatores ainda dificultam a conclusão da negociação. O conselho da empresa, presidido por João Cox, ex-CEO da empresa de telefonia Claro, está exigindo o pagamento de um prêmio pelas ações da empresa. O presidente da Kroton, Rodrigo Galindo, já confidenciou a interlocutores que está disposto a pagá-lo. O valor, no entanto, ainda não está definido e não será fácil chegar a um consenso. Isso porque os fundos Oppenheimer, Capital, BlackRock e Coronation, que são donos de 40% do capital da Estácio, com valor de mercado de R$ 4,9 bilhões, são também detentores de uma fatia de 21,6% da Kroton, avaliada em mais de R$ 22 bilhões. O pagamento de um prêmio elevado esbarraria no interesse desses grupos.
Do lado da Ser, apesar de considerada menos vantajosa do ponto de vista financeiro, a proposta ganha atratividade em função da complementaridade dos negócios. Juntas, Ser e Estácio formariam a maior empresa de ensino presencial do Brasil em número de alunos: 570 mil estudantes, contra 450 mil da Kroton. As sinergias seriam de cerca de R$ 6 bilhões, no cenário mais otimista, ante R$ 8 bilhões da concorrente. Porém, segundo Jânyo Diniz, presidente da Ser, os ganhos operacionais em termos acadêmicos seriam maiores. “Nós temos uma área de ensino à distância (EAD) ainda em desenvolvimento, enquanto a Estácio já tem um EAD maduro”, diz o executivo, que é irmão de Janguiê Diniz, fundador da companhia. “No longo prazo, a união das duas empresas traz um potencial maior de crescimento e de ganhos para os acionistas, em comparação à proposta da concorrente, que oferece ganhos maiores no curto prazo.” Regionalmente, no entanto, a Estácio, que tem 93 campi espalhados pela região Norte e pelo Estado do Rio de Janeiro, complementa as operações das duas empresas. A Ser tem 43 campi, quase todos no Nordeste. A Kroton, por sua vez, concentra suas 123 unidades no Sudeste, com exceção do Rio de Janeiro, e no Centro Oeste.
A Ser já vinha estudando, segundo Diniz, uma união com a Estácio há algum tempo. A divulgação de uma proposta foi acelerada por conta da movimentação feita pela Kroton. O executivo acredita que, no mercado de educação, tamanho faz diferença por conta da maior capacidade de investimentos na área acadêmica. “Com custos administrativos compartilhados, é possível investir mais em biblioteca, laboratórios e outros equipamentos”, afirma. “Em termos de número de professores, nada muda, mas a infraestrutura é melhorada.” Caso perca a disputa, a Ser ficará em grande desvantagem. Kroton e Estácio, unidas, disparam na liderança do mercado, com um faturamento conjunto superior a R$ 8 bilhões e 23,5% de participação de mercado, ante um faturamento de R$ 1 bilhão da Ser, dona de uma fatia de apenas 2,1% do setor.
Essa visão, segundo apurou a DINHEIRO, é compartilhada pela gerência da Estácio, que se preocupa com a sobreposição de cargos e departamentos numa eventual união com a Kroton. O consenso é que, nesses casos, as escolhas tendem a pender mais para o lado da Kroton do que da Estácio. Seria difícil, por exemplo, a nova empresa não ser comandada por Rodrigo Galindo, afinal, numa eventual fusão, os acionistas da Estácio ficariam somente com 15,7% da nova empresa. Há também uma grande rivalidade entre as companhias. Isso porque, em 2013, as duas disputaram o controle de outro grande grupo educacional brasileiro, a Anhanguera, batalha que foi vencida pela Kroton. Essa fusão, inclusive, justifica os receios dos executivos da Estácio, já que a maioria dos gestores da empresa adquirida acabou perdendo o cargo ou sendo deslocada para funções menores. O então presidente da Anhanguera, Roberto Valério, por exemplo, foi nomeado como vice-presidente de ensino à distância.
O tamanho da companhia resultante da união entre Kroton e Estácio levanta, ainda, questões ligadas à livre concorrência. É possível que o Cade coloque barreiras para a negociação. A diretoria da Kroton, no entanto, já fez um estudo de viabilidade da nova companhia. Segundo pessoas familiarizadas com o trabalho, a conclusão foi que a venda da UniSEB, comprada pela Estácio em 2013 por R$ 615 milhões, seria o suficiente para diminuir a concentração no segmento de ensino à distância, que estaria na faixa de 50%, deixando pouca margem para contestações. Além disso, outros pequenos ativos poderiam ser vendidos. “Não teria impacto maior do que 5% na receita”, diz um executivo ligado à Kroton.
Independentemente de quem leve a melhor nessa disputa, a tendência é que as fusões e aquisições no mercado de educação não parem por aí. “A economia está dando mais sinais de estabilidade e, por ser um mercado ainda muito pulverizado, as compras estão longe de se esgotar”, afirma Roberto Rudzit, sócio da Veirano Advogados, escritório especializado em fusões e aquisições. Jânyo Diniz, inclusive, dá margem para esse tipo de especulação. Questionado sobre o que faria se não fosse o vencedor, ele disse que há sempre um plano B. “Nossa posição é confortável, temos muito espaço para crescer organicamente”, afirma o executivo. “Mas estamos sempre estudando possibilidades.”