“A dor é temporária. Já a desistência dura para sempre.” Uma das frases mais célebres do ex-ciclista americano Lance Armstrong, heptacampeão da Volta da França, a mais importante da modalidade, essa máxima inspirou milhares de atletas profissionais ou amadores mundo afora a nunca abandonar seus objetivos. Exemplo de tenacidade, persistência e coragem, o Armstrong que superou um câncer e retomou a carreira vitoriosa, na quinta-feira 23 de agosto, capitulou. Na ocasião, ele informou que não mais se defenderia das acusações de doping feitas pela Agência Americana Antidoping (Usada). “Não vou insistir nesse tema, apesar das circunstâncias”, afirmou Armstrong, em um comunicado em seu site. “Chega um momento em sua vida que é preciso dizer ‘é o bastante’.” 

 

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Lance Armstrong: “chega um momento em sua vida que é preciso dizer ‘é o bastante’ “

 

Com essa decisão, ele perdeu todas as suas conquistas, incluindo os títulos da Volta da França e a medalha de bronze da Olimpíada de Sydney, em 2000. Até mesmo as premiações em dinheiro, que embolsou desde 1998, deverão ser devolvidas– o valor total não foi divulgado. Não bastasse o prejuízo financeiro, Armstrong terá que abandonar as competições de triatlo, esporte que praticava atualmente. Seria de esperar que, em uma situação como essa, os patrocinadores de Armstrong desaparecessem e as doações para sua fundação, que faz pesquisas relacionadas ao câncer, diminuíssem. Não foi, no entanto, o que aconteceu. Diferentemente de outros atletas envolvidos em escândalos, como o golfista americano Tiger Woods, que perdeu seus principais patrocinadores, Armstrong recebeu apoio público das empresas que o patrocinam. 

 

“Lance declarou sua inocência e foi firme nessa posição”, afirmou Mary Remuzzi, porta-voz da Nike, em nota. “Vamos continuar apoiando-o, assim como a sua fundação.” Outra companhia que também se manifestou a favor de Armstrong foi o fundo de investimentos American Century Investments. “Ninguém pode nos tirar o que Lance fez pelos 28 milhões de pessoas no mundo que vivem com câncer”, disse Chris Doyle, porta-voz da American Century. A lista de empresas que se manifestaram publicamente a favor de Armstrong é extensa e estrelada: Johnson Health Tech, Anheuser-Busch, Sporting KC, FRS e Honey Stinger. Como explicar essa reação? “Lance tem uma imagem de superação que é valiosa para as empresas”, diz Mauro Johashi, sócio-diretor da divisão de gestão da consultoria BDO Brazil. 

 

“A história de vida do atleta se sobrepõe ao escândalo.” Para a Livestrong, fundação idealizada pelo atleta, o saldo desse episódio, por incrível que pareça, foi ainda mais positivo. De acordo com Doug Ulman, CEO da entidade, a quantidade de pessoas que contribuem diariamente passou de 45 para 400, na sexta-feira 24 de agosto. “Elas estão oferecendo ajuda no que for possível e até se comprometem a comprar produtos da Livestrong apenas para mostrar seu apoio”, disse Ulman. Segundo ele, a Livestrong é a fundação mantida por um esportista que mais angariou recursos no mundo para o combate ao câncer, arrecadando US$ 500 milhões desde sua inauguração, em 1997. “O fato de ter desistido da causa contribuiu bastante para que Armstrong saísse dessa situação como vítima”, afirma Johashi. 

 

Além disso, embora o ciclista tenha desistido de enfrentar a acusação de doping, nada foi comprovado. Armstrong lidou com acusações de que usava substâncias ilícitas para melhorar seu desempenho durante boa parte de sua carreira. Nos últimos dois anos, a situação se agravou, com o depoimento de um ex-companheiro – Floyd Landis, que também perdeu o título da Volta da França de 2006 por um exame antidoping positivo. Depois de Landis, outros ex-colegas teriam fornecido detalhes sobre as práticas de doping e isso motivou a investigação da Usada. “Foram 500 exames antidoping em todo o mundo, tanto fora como em competição. Nunca positivo. Os fatos falam por si mesmos”, afirmou em sua defesa Armstrong, em abril deste ano, numa de suas últimas tentativas de provar sua inocência. 

 

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