18/10/2016 - 18:45
O trabalho do engenheiro italiano Giuseppe Perrucci parecia bastante complicado no início de 2013, quando ele chegou para presidir a gestora de recursos Azimut no Brasil. Responsável pela subsidiária local da empresa fundada em 1988 em Milão, na Itália, e que no fim do primeiro semestre administrava € 39,1 bilhões (R$ 136 bilhões), Perrucci precisava convencer os investidores internacionais que o Brasil não iria quebrar, e também precisava convencer os brasileiros com mais de R$ 500 mil disponíveis para aplicar que deixar esse dinheiro nos bancos podia até ser seguro, mas não era um bom negócio. Três anos depois, Perrucci ainda tem de se esforçar para tornar sua companhia conhecida, mas ele nota que os investidores internacionais estão muito mais animados com o Brasil, em especial após a primeira vitória do governo na tramitação da medida que limita os gastos públicos. Ele conversou com a DINHEIRO:
DINHEIRO – Como os investidores internacionais vêem os mercados emergentes atualmente?
GIUSEPPE PERRUCCI – Toda análise tem de ser feita em termos relativos, mas vamos olhar para o que está ocorrendo na Europa, nos Estados Unidos e no Japão. Nesses três mercados, que são as principais fontes de recursos, os investidores estão sofrendo com os juros negativos ou perto de zero. Há uma procura desesperada dos investidores e das gestoras para rentabilizar seu dinheiro, especialmente quem tem de investir em papéis italianos e europeus, que não rendem nada. Os mercados emergentes oferecem oportunidades interessantes de ganho, mesmo quando colocamos o risco maior no cálculo.
DINHEIRO – Quais mercados emergentes? Até há algum tempo, o que atraía os investidores eram os países da Ásia. Isso mudou?
PERRUCCI – Mudou, sim. A Ásia perdeu uma parte da sua atratividade, desde que o crescimento da China desacelerou. Boa parte do desenvolvimento econômico chinês vinha dos pesados investimentos na infraestrutura feitos durante as duas últimas décadas. Os investidores como que contavam com uma “promessa” chinesa de fazer sua economia crescer 10%, ano após ano. Porém, os investimentos em infraestrutura já estão maduros, esse negócio está saturado. A China está mudando seu modelo de negócios, orientando sua economia para o mercado interno. Ou seja, está se tornando mais parecida com um país desenvolvido, e deve crescer menos. O Japão já é uma economia desenvolvida faz tempo, e deve crescer pouco por mais alguns anos. Os demais mercados asiáticos são pequenos e pouco líquidos para atrair investidores de grande porte.
DINHEIRO – Outros locais, como Oriente Médio e África, não são atraentes?
PERRUCCI – São menos atraentes do que eram há alguns anos. No Oriente Médio há conflitos políticos e conflitos armados, o Leste Europeu alinhou-se com o crescimento econômico mais lento dos demais países do continente, e há poucas oportunidades na África que tenham tamanho suficiente para atender grandes investidores. Resta a América Latina, e as principais estrelas são Brasil e Chile.
DINHEIRO – A Europa e os Estados Unidos devem voltar a crescer?
PERRUCCI – Na Europa, o crescimento econômico vai demorar para voltar. Existe uma crise de crescimento e isso lastreia nossa visão de como deve ser o comportamento dos mercados emergentes nos próximos anos. Os cidadãos europeus têm uma vida bem confortável, têm saúde e educação garantidas, e muita qualidade de vida. Assim, o europeu médio não tem nem muita necessidade nem muita vontade de trabalhar e criar valor como ocorria no passado, após a Segunda Guerra Mundial. Essa atmosfera de mangas arregaçadas acabou, e estamos pagando esse preço. Há tecnologia e conhecimento, a força de trabalho é educada e muito bem preparada, e isso deve durar pelos próximos 20 anos. Isso vale, com algumas ressalvas, para os Estados Unidos, onde a economia sempre foi mais dinâmica e os programas de assistência social são menos abrangentes.
DINHEIRO – Por que, em um cenário como esse, o Brasil agora é atraente?
PERRUCCI – Nada do que eu vou dizer é uma grande novidade, mas mesmo assim não deixa de ser verdade. O Brasil é um país amplo, com vastos recursos naturais, um mercado consumidor de mais de 200 milhões de pessoas e pelo menos 100 milhões estão na classe média ou acima dela. A população já não é tão jovem como era há alguns anos, mas ainda é bastante mais jovem do que a de alguns países europeus, como a própria Itália, por exemplo. Tudo isso oferece boas oportunidades de ganho para investidores com horizonte de longo prazo e que não se incomodam com as turbulências que ocorrem nesses mercados de vez em quando.
DINHEIRO –Falando especificamente do Brasil, o que é interessante? O que vocês recomendam para seus clientes?
PERRUCCI – Nunca é demais lembrar que qualquer decisão de investimento depende de fatores como a necessidade do investidor e sua tolerância ao risco, por isso essas recomendações têm de ser adaptadas caso a caso. Porém, o Brasil ainda oferece taxas de juros muito significativas, e isso não deverá mudar drasticamente por mais um ou dois anos. Pode ser que os juros referenciais caiam um pouco, mas nós acreditamos que ainda haverá muitas oportunidades para investir na renda fixa privada, especialmente de empresas com boa classificação de risco. Assim, estamos oferecendo investimentos em renda fixa que podem render de 105% a 110% dos juros de mercado. Isso é uma excelente rentabilidade e continuará a ser.
DINHEIRO – E as ações?
PERRUCCI – As ações estão prestes a ver mais uma onda de valorização. O Índice Bovespa, e as ações de modo geral, estavam muito baratas no início de 2015. A reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff e a turbulência política fizeram alguns investidores temerem uma deterioração da situação. Não era o nosso caso, nunca pensamos assim, mas alguns investidores pensaram que o Brasil poderia se tornar uma nova Venezuela, e decidiram vender tudo.
DINHEIRO –Isso de fato ocorreu?
PERRUCCI – Sim. Um bom exemplo são os fundos de pensão do Chile, que têm sido nossos clientes há muitos anos. Em 2014, os principais fundos de pensão chilenos tinham de 10% a 20% de seu patrimônio investido no Brasil, seja em títulos de renda fixa, seja em ações. Em 2015, essas aplicações caíram a zero. Agora, isso deve refluir. No fim de setembro, nossos executivos foram a Santiago para fazer apresentações para fundos de pensão e oferecer as boas oportunidades do Brasil.
DINHEIRO – A Bolsa ainda tem espaço para subir, então?
PERRUCCI – Sem dúvida. Como sempre, não será um caminho suave, mas a aprovação do controle de gastos públicos deve trazer uma nova onda de investimentos internacionais.
DINHEIRO – Por que vocês decidiram vir para cá quando os investidores internacionais estavam fugindo do Brasil?
PERRUCCI – Muitas empresas simplesmente fecharam as portas e saíram daqui, especialmente no fim de 2014, quando houve a reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff. Havia muito temor no mercado, mas nossa abordagem era diferente. Tanto que fizemos nosso primeiro investimento por aqui em 2013. Para nós era fundamental estabelecer uma presença forte no Brasil, estabelecer uma nova referência no mercado brasileiro. O Brasil nos oferece uma oportunidade de investimento muito parecida com a que existia na Itália quando da fundação da Azimut.
DINHEIRO – Por que?
PERRUCCI – A Itália dos anos 1990 estava começando a resolver alguns problemas estruturais, se integrando mais com o restante da Europa, o que foi bom para os negócios. E nessa situação, os clientes estavam em uma situação muito parecida com a dos brasileiros. Eram atendidos quase que totalmente por grandes bancos de varejo, que não ofereciam a melhor alternativa para o dinheiro do investidor. Ao oferecermos uma empresa independente, que só fazia a gestão de recursos, pudemos prestar um serviço melhor aos investidores.
DINHEIRO – Os bancos no Brasil atendem mal os clientes? Os produtos de investimento são ruins?
PERRUCCI – O problema não é a qualidade, é o preço. Os produtos bancários no Brasil não são ruins, são caros. E, pior, eles podem não estar 100% alinhados com a necessidade do investidor naquele momento.
DINHEIRO – Por que isso ocorre?
PERRUCCI – No Brasil, os serviços oferecidos são padronizados e há pouca competitividade. Existem mais de 500 empresas de gestão de recursos registradas no mercado brasileiro hoje, mas 52% dos recursos administrados estão concentrados nos três maiores nomes do mercado. Metade das gestoras em atividade possuem ativos sob administração inferiores a R$ 100 milhões, e isso dificilmente é sustentável. Por isso, o investidor brasileiro hoje tem muita dificuldade em encontrar boas alternativas de investimento nos maiores bancos. Como os grandes bancos são dominantes no mercado, eles têm uma posição mais ou menos garantida e há menos incentivo em entregar um serviço melhor para o cliente. Como há um processo de padronização, os bancos oferecem produtos muito parecidos entre si, o resultado é que o investidor que chegar com uma boa quantia, R$ 500 mil ou R$ 1 milhão para investir, não deverá obter um resultado tão eficiente para os seus recursos. E isso vai ficar ainda mais grave no futuro.
DINHEIRO – Devido à perspectiva de queda de juros?
PERRUCCI – Exatamente. Na Europa hoje as taxas de juros são zero ou negativas, e isso provoca distorções de mercado. Mas mesmo quando os juros eram positivos, eles eram muito baixos. O investidor que cometesse um erro ou fosse mal assessorado poderia perder o resultado de anos de investimento. O mesmo cálculo vale para taxas de administração. Hoje, no Brasil, os juros são altos, estão acima de 14% ao ano. Eles devem encerrar o ano a 13%, mas ainda assim é um percentual elevado. Juros tão altos mascaram a ineficiência da gestão. Porém, quando a inflação recuar para cerca de 2% ao ano e as taxas caírem para, digamos, 6% ao ano, qualquer fração a mais na taxa de administração vai fazer a diferença. Isso é especialmente verdade para investimentos mais longos, como os planos de previdência.
Correção: a grafia correta do sobrenome do engenheiro Giuseppe é ‘Perrucci’ e não ‘Perrutti’, conforme publicado anteriormente.