21/09/2011 - 21:00
Mergulhada em uma grave crise por conta do alto endividamento — sua dívida pública atingiu o recorde de 1,911 trilhão de euros —, a Itália corre para colocar a casa em ordem e reduzir os gastos, sob o risco de ver afundar não só a sua economia, como também contaminar toda a Europa. Diante desse cenário, quem visita Milão, a capital financeira e industrial da Velha Bota, não deixa de se surpreender ao deparar com uma cidade em reformas. As obras em curso nos principais pontos turísticos da cidade, como o Duomo de Milão e o Castelo Sforzesco, parecem dar ao visitante um recado: embora o governo do primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, ande aos trancos e barrancos, os italianos não estão parados. É o que demonstra também um dos ícones da indústria italiana, a Pirelli, que faturou 4,85 bilhões de euros em 2010.
Provera: “Com os investimentos, estaremos preparados para qualquer intempérie”
Em meio a planos de austeridade e discussões acaloradas sobre o controle de gastos no Parlamento, a fabricante de pneus planeja desembolsar, até 2015, 1,9 bilhão de euros para modernizar suas principais fábricas ao redor do planeta. “O mundo não está parado”, afirmou com exclusividade à DINHEIRO Marco Tronchetti Provera, 63 anos, o polêmico CEO da empresa. “Mesmo que as pessoas parem de comprar carros, ainda vão precisar trocar os pneus.” O objetivo é acelerar sem derrapar. A principal aposta da Pirelli é a ampliação da linha de pneus premium, voltada para carros esportivos e utilitários de luxo, como Ferraris, Porsches e BMWs. O primeiro produto dessa nova safra chegará ao Brasil em janeiro de 2012. O pneu foi inspirado nos utilizados pelos carros de Fórmula 1, categoria que a Pirelli voltou a patrocinar neste ano, depois de abandoná-la em 1991. Esse mercado, de acordo com a companhia, é o que apresenta as melhores taxas de crescimento e de rentabilidade. “Com os investimentos, estaremos preparados para qualquer intempérie”, afirma Provera, que já comandou a empresa de telefonia Telecom Italia e atualmente é conselheiro do time de futebol Internazionale de Milão.
Na Europa, as vendas de pneus de alto desempenho já representam 70% do faturamento da empresa. Nos países emergentes, a tendência é a mesma. Na visão de Francesco Gori, presidente da divisão de pneus da companhia, existem apenas dois tipos de consumidor nesses mercados: o que olha só para o preço e o que busca qualidade e marcas conhecidas. “Não há nada no meio”, afirma Gori. O Brasil é um dos focos da companhia. Afinal, foram vendidos 3,3 milhões de veículos em 2010, o que colocou o País como o quarto maior mercado do mundo. Além disso, os brasileiros estão comprando modelos melhores. Os veículos 1.0, menos potentes, que já representaram 60% do volume comercializado, caíram para 46% do total vendido em agosto, de acordo com dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Tanto que a Pirelli reservou US$ 300 milhões para ampliar a produção de suas fábricas brasileiras.
Francesco Gori: ”Existem dois tipos de consumidor: o que olha só para o preço e o que busca qualidade e marcas conhecidas”
Esse desembolso será feito nos próximos três anos. O grande filão para a empresa, na verdade, é o mercado de reposição de pneus, responsável por 75% das vendas mundiais da fabricante. Sua grande vantagem é ser praticamente à prova de crise. Em matéria de enfrentar crises, por sinal, Provera é um especialista. Em 2007, promotores italianos abriram uma investigação contra ex-diretores da Telecom Italia por um suposto esquema de espionagem contra jornalistas, políticos e executivos de empresas rivais. Apesar de ser apontado como o líder do esquema, ele nunca chegou a ser acusado. No mesmo ano, Provera iniciou negociações para a venda da participação da Pirelli na Telecom Italia com a americana AT&T e com a mexicana América Móvil. O fato gerou reações negativas nos meios políticos italianos, que não aceitavam a entrada de uma companhia não europeia no capital da TI. O negócio acabou não sendo feito.
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Entrevista:
“Interferir nas empresas não é a melhor forma de um governo cooperar”
Marco Tronchetti Provera, CEO da Pirelli, diz à DINHEIRO que é preciso reduzir o custo do trabalho e aumentar a renda das pessoas
Recentemente, o sr. disse que os políticos não estão tomando as decisões corretas. Quais são elas?
A decisão certa é manter as contas em ordem. Nossos governantes entenderam isso e estão arrumando as coisas. Mas, sem crescimento, não chegaremos a lugar algum. Essa crise é resultado de desempenhos fracos na economia. É fundamental para a Itália, e também para a Europa, ter um projeto para aumentar a competitividade do país, o que significa fazer reformas políticas, reduzir o custo do trabalho e aumentar a renda das pessoas.
Em 2007, o sr. estava à frente da Telecom Italia e tentava vender a companhia para a americana AT&T. Na época, o governo italiano impediu a negociação, o que gerou muitas críticas. Hoje, o sr. fala em trabalhar junto com políticos. Como evitar que haja interferência nos negócios?
Esse é o modo antigo de fazer política. Interferir nas empresas não é a melhor maneira que um governo tem para cooperar. O mais eficiente é o governo analisar os projetos e propor formas mais balanceadas de crescimento. As diferentes partes da sociedade devem compartilhar suas experiências para definir como crescer. Mas são os governantes que tomam as decisões: por isso é fundamental manter um diálogo. Os políticos precisam saber antecipar e se preparar para o que vai acontecer no futuro. Caso contrário, as reações são sempre emergenciais.
Há dez anos, a Pirelli comprava parte da Telecom Italia. Um mês depois, aconteceram os ataques de 11 de setembro, nos Estados Unidos. Hoje a Pirelli não tem mais participação na empresa de telefonia e está anunciando diversos investimentos em fábricas de pneus esportivos. O que mudou nessa década?
Minha experiência no mercado de telecomunicações foi muito positiva. Vi o potencial do setor. Tanto que, após minha saída da Telecom Italia, o trabalho foi continuado e hoje está dando resultados. O mundo hoje é mais competitivo. Tudo é mais rápido, todos estão interconectados com as redes sociais. Algo que acontece na China reverbera em Nova York e em São Paulo. Precisamos eliminar barreiras para lucrar com as oportunidades.
É mais difícil para empresas tradicionais, como a Pirelli, competir nesse novo cenário?
Acredito que temos oportunidades nesse novo cenário. Porque o consumo está aumentando. Nos últimos dez anos, milhares de pessoas entraram no mercado de consumo com aspirações de viver melhor. Nós podemos lucrar com isso. Só precisamos seguir o exemplo do que está sendo feito no Brasil.
Enviado especial a Milão