05/08/2016 - 19:00
Qualquer estudante sabe que, no Sistema Solar, os planetas orbitam em torno do Sol, a chamada estrela central. E que a vida na Terra depende diretamente da sua luz. No Universo paralelo chamado Brasília, os congressistas (simbolizados como planetas na ilustração acima) também ficam rodeando a estrela central (o poder simbolizado pelo presidente Michel Temer e pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles). Mas, curiosamente, é a estrela central que depende dos planetas e não o contrário. Com a volta do recesso parlamentar, o governo Temer inicia uma fase decisiva de negociações com o Legislativo, que determinará o sucesso ou fracasso do ajuste fiscal, item fundamental para a contínua melhoria dos índices de confiança.
O atual protagonismo do Congresso Nacional pode ser dividido em duas partes. Uma envolve o Senado, que será palco do desfecho do processo de cassação da presidente afastada Dilma Rousseff, no fim de agosto ou no começo de setembro. Na quinta-feira 4, a Comissão do Impeachment aprovou por 14 votos a 5 o relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) pela procedência da acusação e pelo prosseguimento do processo. Ninguém, nem mesmo os petistas mais ferrenhos, aposta numa reviravolta política. Já a outra parte, que começa na Câmara dos Deputadose termina no Senado, contém muitas incertezas em torno do ajuste fiscal.
A preocupação de Temer com as tramitações no Congresso é tanta que o primeiro compromisso oficial da semana pré-Olimpíada foi uma reunião com os líderes da base aliada e os ministros da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima; da Casa Civil, Eliseu Padilha; e Meirelles. O primeiro teste, que envolveu a renegociação das dívidas dos Estados com a União, terminou em um adiamento da votação por causa de impasse sobre como contabilizar na Lei de Responsabilidade Fiscal as despesas com funcionários terceirizados, auxílio-moradia e outros benefícios do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos Tribunais de Contas dos Estados. “A lição que fica deste episódio é de que o texto de qualquer projeto precisa ser previamente conhecido pelas bancadas, que não gostam de ser surpreendidas”, diz o deputado Rogério Rosso (PSD-DF), líder de uma bancada com 33 votos favoráveis ao governo.
Não será por falta de votos que o presidente Temer encontrará dificuldades em aprovar o ajuste fiscal. Um levantamento feito pela DINHEIRO mostra que os líderes das dez maiores bancadas governistas detêm 382 votos, o equivalente a quase 75% da Câmara dos Deputados (veja as fotos no início da matéria). É um índice suficiente para aprovar tudo, inclusive mudanças na Constituição. Na prática, no entanto, não é possível garantir 100% de fidelidade nem mesmo no PMDB, sigla do presidente da República. O partido, inclusive, terá de lidar nas próximas semanas com um tema espinhoso: a provável cassação do mandato do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ex-presidente da Casa.
A árdua missão de manter a base aliada coesa é do líder do governo André Moura (PSC-SE). “A base vai querer discutir os temas polêmicos, mas ela tem sido solidária com o governo e o País”, afirma Moura (leia entrevista na página ao lado). Da lista dos 10 temas mais relevantes, alguns têm grande probabilidade de não serem votados neste semestre. É o caso das reformas da previdência e trabalhista que, por serem polêmicas, necessitarão de muitas discussões com as centrais sindicais. Já o novo marco regulatório do pré-sal, que desobriga a Petrobras de participar de todos os blocos, já foi aprovado no Senado e deve ser apreciado em breve na Câmara. A maior dificuldade é encaixar todos os temas em um calendário espremido pelas eleições municipais, em outubro. Em busca de votos para candidatos em seus redutos eleitorais, os deputados fizeram um acordo para trabalhar apenas às segundas e terças-feiras nos meses de agosto e setembro, o que limita ainda mais o espaço para as votações.
IMPOSTOS Até o dia 31 de agosto, a equipe do ministro Meirelles enviará o projeto de Lei Orçamentária com as estimativas de gastos e receitas para 2017. Para cumprir a meta de rombo de R$ 139 bilhões sem recorrer a aumento de impostos, o governo precisaria de um crescimento de 2% do PIB no ano que vem, um resultado factível. As entidades empresariais já alertaram que não aceitarão uma elevação na carga tributária, tema que também não desfruta da simpatia de aliados de Temer. “Não há clima para aumento de impostos”, diz o deputado Rosso. “A Câmara está disposta a mexer em temas difíceis, mas aumento de carga tributária é um quase-tabu na Casa.” Há a expectativa de que, nas próximas semanas, a equipe econômica anuncie um pacote de medidas para estimular a atividade produtiva como forma de contrabalancear o efeito recessivo do ajuste fiscal.
Na quarta-feira 3, após participar do seminário “Pensamentos Olímpicos sobre a Economia Brasileira”, promovido pelo Bradesco no Rio, o ministro da Fazenda reafirmou a importância de se controlar os gastos. “Apenas de 2007 a 2015, as despesas públicas federais cresceram 50% acima da inflação e, portanto, para equilibrar a economia brasileira, para o país voltar a crescer, é importante que nós estabeleçamos este controle das despesas públicas”, disse Meirelles. “A taxa de juros estrutural brasileira pode também começar a cair na medida em que, caindo o risco fiscal, caia também o risco inflacionário.”
No dia seguinte, em conversa com investidores em Brasília, o ministro foi questionado sobre a tramitação dos projetos no Congresso. Ele garantiu que trabalha em sintonia com os parlamenatres e destacou a experiência política do presidente Temer. Além de players nacionais, participaram do encontro representantes de casas internacionais como BlackRock, Abu Dhabi Investment, JP Morgan, Goldman Sachs e Temasek. Os investidores estão preocupados com os ruídos que uma candidatura de Temer à reeleição poderia causar na base governista. Amigo pessoal do presidente há 30 anos, o consultor político Gaudêncio Torquato tem conversado frequentemente com o peemedebista e garante que o tema não passa de especulação. “Ele está com 75 anos, não pensa em eleição e tem como único foco as reformas”, diz Torquato. “Ele quer passar para a História como o presidente da nova estabilidade, assim como Fernando Henrique fez com o Plano Real.”
“A responsabilidade da Câmara com o Brasil vai falar mais alto”
André Moura (PSC-SE), líder do governo na Câmara dos Deputados
Quais são as prioridades da Câmara dos Deputados no curto prazo?
A renegociação das dívidas dos Estados com a União é muito importante e será votada nesta semana. Na sequência, a prioridade será o pré-sal. Já aprovamos a matéria na comissão especial e levaremos a plenário. Em paralelo, estamos acelerando o máximo que pudermos a PEC do teto dos gastos da União.
O governo Temer tem uma margem folgada de votos na base?
A base vai querer discutir os temas polêmicos, mas ela tem sido solidária com o governo e o País. Tenho certeza que a responsabilidade da Câmara com o Brasil vai falar mais alto.
Há espaço na Câmara dos Deputados para votar reformas polêmicas como a da previdência neste ano?
Essas reformas chegarão à Câmara ainda este ano, mas como o debate será amplo, não creio que a votação seja concluída até dezembro.
Na reunião com os líderes governistas, o presidente Temer fez questão de enfatizar a sua disposição de não concorrer à reeleição. Isso é fundamental para manter a base coesa?
Lógico que isso tranquiliza alguns partidos da base, como o PSDB, que têm nomes que poderão disputar a Presidência em 2018.
A votação do processo de cassação do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) pode atrapalhar outros temas?
Em agosto e setembro, nós teremos semanas curtas, trabalhando apenas às segundas e terças. É óbvio que, com um período muito curto, um processo de cassação ocupará uma ou duas sessões sem uma pauta produtiva para o País.
Há espaço na Câmara para debater aumento de impostos?
A CPMF já está descartada, mas entendo que, se for necessário aumentar impostos, vamos abrir um amplo debate. O governo tem feito o máximo para evitar novos tributos.
O êxito do ajuste fiscal está nas mãos da Câmara. Os deputados estão cientes desse protagonismo?
Sim, claro. Nós já colecionamos vitórias importantes como a questão da ampliação da DRU que já está no Senado. O nosso maior desafio agora é enfrentar a falta de quórum nesse período pré-eleitoral nos municípios.