Por Jaqueline Mendes e Sérgio Vieira

RESUMO

• Magalu recebe R$ 1,25 bilhão em capital, 4/5 do valor vindo da família
• Ideia foi mostrar confiança dos Trajanos no negócio, já que o mercado não anda de bom humor com a varejista
• Aposta de retomada do Magalu baseia-se na crença de crescimento sustentável da plataforma digital de marketplace
• Por isso grande parte do aporte vai para tecnologia: expansão do LuizaLabs, laboratório de inovação, e Magalu Clould, serviço de nuvem

O varejo brasileiro viveu, nos últimos tempos, o que pode ser chamado de tempestade perfeita: longo período de juros altos, índice de inadimplência expressivo e queda no consumo após a explosão de vendas on-line durante a pandemia. Isso afetou diretamente a receita das grandes companhias do segmento e derrubou os balanços das varejistas. Mas a gigante Magalu parece ter encontrado um caminho na direção contrária à crise.

Em um movimento que deixou evidente a confiança dos controladores no negócio, a empresa anunciou, no domingo (28), um aumento de capital de R$ 1,25 bilhão, sendo R$ 1 bilhão da família Trajano e R$ 250 milhões do banco BTG Pactual. “É uma oferta garantida, sem riscos para a empresa. O Magalu se beneficiará dessa ação, com aumento dos investimentos em tecnologia”, disse à DINHEIRO Roberto Bellíssimo Rodrigues, CFO e diretor de relações com investidores do Magalu.

(Claudio Gatti)

A reação do mercado ao anúncio da companhia liderada pelo CEO Frederico Trajano e pela presidente do Conselho de Administração Luiza Helena Trajano foi imediata e extremamente positiva. Na segunda (29), nas primeiras horas do pregão, o papel da empresa subiu 7,69%, com valor de R$ 2,24 por volta de 11h. Mas perdeu força durante o dia e fechou a R$ 2,07. Na quarta-feira (31), as ações fecharam a R$ 2,10, alta de 6,06% sobre o dia anterior.

“Pelo lado da família, o principal objetivo foi mostrar a confiança que tem no negócio. A gente já viveu vários momentos de crise e começa a perceber esta retomada”, afirmou Carlos Renato Donzelli. Membro do Conselho de Administração do Magalu e diretor-executivo da holding Magazine Luiza, ele é quem fala em nome dos controladores. “Foi num montante suficiente para passar esse recado, ao mesmo tempo em que os minoritários possam aproveitar esse momento. É uma decisão ganha-ganha”, disse.

Empresa planeja investir em tecnologia, principalmente no avanço da plataforma de marketing e no Magalu Cloud, lançado em dezembro (Crédito:Hugo Cilo)

Segundo Donzelli, a oferta de aumento de recursos não é exclusiva para os fundadores da empresa. As mesmas condições serão oferecidas aos acionistas minoritários, com a ação no valor de R$ 1,95 (desconto de 5% sobre o valor negociado no dia 26 de janeiro, que fechou em R$ 2,05). Eles terão um período de 30 dias para opção de compra. Caso não haja essa sinalização, aí sim o BTG aportará os R$ 250 milhões no negócio — o que lhe poderá render uma participação de 1,8% na composição acionária. A parte do acionista principal deverá passar de 56,4% para 58,4%.

O aumento de capital não se deve a problemas de caixa, já que a empresa tem uma posição confortável, com R$ 8,1 bilhões (dados do terceiro trimestre de 2023, último balanço divulgado).

Na avaliação de Rodrigues, o Magalu não precisaria de fôlego extra para honrar os compromissos financeiros do ano. “Já iríamos reduzir o endividamento de R$ 3 bilhões em 2024. O que vai acontecer é que vamos terminar o ano com posição de caixa de R$ 1 bilhão a mais”, disse. E é esse número que pode contribuir na mudança do humor do mercado financeiro em relação aos papéis do Magalu.

Entre julho e agosto de 2023, a varejista registrou lucro líquido de R$ 331 milhões, revertendo prejuízo de R$ 190,9 milhões no mesmo período de 2022. Os números do quarto trimestre serão conhecidos no dia 7 de março, mas há expectativa dos analistas de alta no resultado, com lucro líquido nos últimos três meses de 2023.

Para o especialista Daniel Marigliano, head alianças da FCJ Venture Builder, o movimento da família Trajano é excelente porque demonstra o comprometimento com o negócio. “É o que chamamos de ‘skin in the game’, quando os controladores colocam do próprio bolso para demostrar confiança na recuperação”, afirmou. Outro ponto positivo, segundo ele, é o fato de um banco sólido e respeitado como o BTG participar do processo. “Isso transmite a segurança e credibilidade que os investidores procuram, especialmente em momentos como este.”

NOVO CICLO

Para o CFO do Magalu, o atual preço da ação ainda não reflete os recentes movimentos da companhia e a perspectiva de crescimento estimada pelo mercado para este ano, com geração de caixa perto de R$ 10 bilhões.

“Se é verdade que R$ 150 bilhões de valor de mercado [alcançado 2020, auge do comércio eletrônico] era um extremo, também é fato que a empresa vale muito mais que os R$ 14 bilhões da atual avaliação.”
Roberto Bellíssimo Rodrigues, CFO do Magalu

E completa: “A gente está mudando de fase e entrando em um novo ciclo. Imagina o potencial da companhia com o aumento de capital e com o processo de queda dos juros.”

Ele afirmou que o novo aporte irá contribuir na redução das despesas em R$ 200 milhões. É também verdade que a própria Magalu vem de um episódio recente de uma pequena crise. Em novembro, a empresa anunciou inconsistências contábeis no valor de R$ 830 milhões, mas o fato não arranhou a reputação da companhia e nem causou grandes traumas no mercado.

Rodrigues assegura que não houve relação desta situação com a decisão de Luiza Helena e Frederico em aportar R$ 1 bilhão no caixa da empresa. “Não afetou caixa, não afetou dívida. Foi apenas uma mudança contábil”, afirmou. “Impacto zero na posição dos controladores”, disse Donzelli.

A aposta de retomada do Magalu está baseada principalmente nos números que mostram o crescimento sustentável da plataforma digital de marketplace. No último trimestre reportado, o volume de vendas no segmento cresceu 25%, contra alta de 6% do e-commerce total e 2% das vendas físicas.

“O marketplace é o canal que mais cresce e tem mais potencial de crescimento, porque ele agrega mais de 300 mil sellers vendendo 100 milhões de produtos. É um potencial enorme”, afirmou o diretor financeiro. O segmento hoje representa 30% de participação e superou as vendas físicas, atualmente com 27%.

A tendência é que o marketplace passe a ser em breve o principal canal de venda 1P, termo do varejo para operação feita diretamente com o consumidor. Hoje, ele responde por 43%, contra 48% no terceiro trimestre de 2022.

E é justamente esse quadro que justifica a alocação na área de tecnologia dos recursos que serão obtidos com o aumento de capital. A empresa pretende acelerar a expansão do LuizaLabs, laboratório de inovação voltado à criação de produtos e serviços, e destinar mais investimentos ao Magalu Clould, serviço de nuvem lançado em dezembro passado com foco na digitalização das empresas brasileiras.

(Divulgação)

“A família Trajano acredita no Magalu e no Brasil. O caminho é seguir investindo no modelo omnichannel, que é vencedor.”
Carlos Renato Donzelli, diretor-executivo da Holding Magazine Luiza

Para Alberto Serrentino, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), o movimento da família Trajano é totalmente diferente da situação vivida pelo trio de investidores Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, da 3G Capital, quando revelada a crise na Americanas.

O plano de recuperação judicial da empresa foi aprovado em dezembro para estancar R$ 50 bilhões em dívidas. “São situações muito diferentes. O Magalu tem indicadores saudáveis, é resiliente e os acionistas estão na operação. A Americanas é um negócio de investidores, que aportaram recursos para sanar um rombo”, disse. “A aposta do Magalu em modelos como o cloud é ousada e ambiciosa, para poder migrar e se transformar de fato em uma empresa de serviços”, afirmou Serrentino.

CEO da FHE Ventures, Rafael Kenji enxerga a iniciativa dos Trajano como uma alternativa importante para aumentar a segurança aos acionistas. “A injeção de capital na companhia é bem diferente do realizado para a recuperação da Americanas. No caso do Magazine Luiza, o dinheiro será destinado para investimento em tecnologia e experiência do usuário, já na Americanas, a injeção de capital feita pelos controladores foi direcionada ao pagamento de dívidas após inconsistências financeiras.” Kenji avalia que a empresa tem boa perspectiva a médio prazo. “Com a retomada da economia, a queda dos juros e a melhoria do poder de compra do brasileiro, o varejo se torna menos frágil e arriscado, com expectativa de crescimento”, afirmou. “A injeção de capital por controladores do Magalu melhora ainda mais a segurança dos investidores no varejo, já que sinaliza confiança no modelo de negócios.”

Roberto Bellíssimo Rodrigues, CFO do Magalu

“É uma oferta garantida, sem risco para a empresa. O Magalu se beneficiará, com mais investimentos em tecnologia.”
Roberto Bellíssimo Rodrigues, CFO do Magalu

IMAGEM

O que joga a favor do Magazine Luiza nesse contexto de reestruturação é a boa reputação da empresa nos últimos anos, segundo Alexandre Pires, professor de economia do Ibmec. Para ele, a empresa foi prejudicada por estar muito alavancada e com dificuldades em razão de um cenário macroeconômico com juros altos e crédito comprimido para o consumo, mas a família Trajano se saiu bem ao reconhecer rápido as perdas no balanço.

“Enquanto quase todo o varejo sofria forte queda, exceto as empresas de nicho, como C&A e Vivara, o Magazine Luiza agiu bem ao corrigir rapidamente um erro no patrimônio líquido”, disse Pires. “Esse aporte dos controladores na empresa dá forte sinalização a outros players a fazerem o mesmo para demonstrarem a segurança que possuem no modelo de negócios.”

Caso os acionistas minoritários não acompanhem os controladores no aumento de capital, BTG Pactual fará aporte de R$ 250 milhões de na empresa, que vai representar 1,8% de participação

Fato é que Luiza Helena e Frederico sempre demonstraram coragem em tomar posição em momentos de crise. “A família acredita no Magalu e no Brasil. É uma coragem bem fundamentada, de colocar recursos sem que haja uma necessidade emergencial. O caminho é continuar investindo no modelo omnichannel, que é vencedor”, disse Donzelli. Pelo olhar da família, a tempestade parece ter ficado para trás.