06/04/2023 - 4:30
É uma questão de tempo, mas você vai comer carne produzida em laboratório. Quem garante é Carsten Menke, head of Next Generation Research do banco suíço Julius Baer. O especialista em tendências explica que a descarbonização dos sistemas alimentares é a última onda a ser adotada para alcançarmos a desejada economia com emissões zero de gases de efeito estufa. Mas, calma. Não é para sofrer por antecipação pelo fim do churrasco tradicional. A transição definitiva para uma sociedade carbon-free está avançando, mas ainda está está longe em ser uma realidade. “Essa onda provavelmente levará mais tempo que as outras, pois as mudanças necessárias não são sobre uma tecnologia superior, mas sobre a mudança de nossos hábitos como humanos, o que — como todos sabemos — é quase sempre uma mudança muito difícil de fazer”, disse.
80% dos carros serão elétricos até 2035
Segundo o executivo, o banco suíço trabalha suas previsões a partir de quatro ondas para a transição definitiva. A primeira é sobre energia renovável/limpa e já está acontecendo globalmente com base em tecnologias estabelecidas e não requer subsídios. A segunda onda é relacionada a mobilidade elétrica, principalmente carros, mas também outros meios de transporte, como ônibus, trens ou caminhões. Essa onda começou há alguns anos e está ganhando velocidade principalmente nos países desenvolvidos, enquanto fica para trás em países emergentes como o Brasil. A terceira onda é sobre a descarbonização de indústrias pesadas, como as de alumínio, cimento ou aço. Essa ainda não começou, porque as tecnologias necessárias, como hidrogênio ou captura de carbono, não estão disponíveis em escala ou não são economicamente viáveis. Por fim, a quarta onda é a descarbonização da produção de alimentos, no campo, na indústria e no consumo.
A projeção do banco é que até 2035, 80% dos carros vendidos nos principais mercados do mundo — China, Europa e Estados Unidos — serão elétricos. A penetração de veículos elétricos (EVs) em mercados emergentes como o Brasil está ficando para trás devido ao menor poder aquisitivo, mas principalmente pela infraestrutura menos desenvolvida. “Levará muitos anos até que todos os carros com motor de combustão sejam substituídos por EVs, pois as pessoas não podem mudar para um carro elétrico ou um carro novo em geral. Entretanto, a transição é dada como consolidada, pois de um modo geral, não vemos a questão das baterias como um elemento que irá restringir a mudança para veículos elétricos”, explica Menke, sobre as transformações nessa indústria.

O Brasil tem destaque mundial quando se trata de potencial no setor de energia, mas poderia estar melhor. Fontes renováveis respondem por mais de 80% da produção de eletricidade no Brasil, o que é mais que o dobro da média internacional. Entretanto, nossa principal matriz é hidrelétrica, difícil de exportar, pois a única maneira de fazê-lo é por meio de conexões entre países com redes conectadas, como é o caso, por exemplo, na Europa. “O clima do Brasil geralmente favoreceria maior produção de energia solar, mas os gargalos se relacionam menos com a disponibilidade de capital e mais com políticas e permissões, que estão complicando a realização de projetos de energia limpa”, disse.
O país poderia ainda usar sua capacidade de geração de energia solar e hidrelétrica em excesso para se tornar um produtor de hidrogênio verde, que pode ser vendido em mercados internacionais ou ser usado para descarbonizar partes da indústria pesada do país. “Devido à proximidade com o Chile rico em lítio, o Brasil também pode se aventurar no negócio de baterias, até porque países do mundo ocidental, como os Estados Unidos, procuram parceiros comerciais confiáveis.”, afirma Menke. A conclusão é que o Brasil precisa se mexer logo não quiser ficar no fim desta fila. Mas, para além dos recursos e da tecnologia, há que se servir no mesmo prato vontade política e investimento a longo prazo. Dois ingredientes tão difíceis de se encontrar que comer carne de laboratório talvez seja um desafio mais fácil.