06/04/2023 - 5:10
Terra fértil para produção e negócios, do campo ao copo. Assim é o Brasil quando o assunto é mercado cervejeiro. É o terceiro maior produtor da bebida do mundo, com 14,3 bilhões de litros por ano, com R$ 77 bilhões em vendas – os dados são do Anuário da Cerveja 2021, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv). O País está atrás apenas de China (produz 48 bilhões de litros) e Estados Unidos (22,5 bilhões de litros). Apesar desse cenário, nem todo mundo tem brindado bons resultados. Terceira maior cervejaria do Brasil, o Grupo Petrópolis – dono das marcas Itaipava, Petra, Crystal, Cabaré, Lokal, Black Princess, Cacildis, das vodcas Blue Spirit Ice e Nordka, dos energéticos TNT Energy Drink e Magneto, do refrigerante It! e do isotônico TNT Sports Drink – registrou queda na produção e nas vendas, com reflexos na receita. O faturamento foi de R$ 15,6 bilhões em 2020 para R$ 13,6 bilhões em 2021 e R$ 13 bilhões ano passado. O market share foi de 15,3% em janeiro de 2020 para 10,6% em agosto de 2022, segundo a consultoria Nielsen. Uma sucessão de polêmicas, erros de gestão e inoperância financeira levaram a companhia a protocolar pedido de recuperação judicial, no dia 27 de março, na 5ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. As dívidas somam R$ 4,2 bilhões, sendo R$ 2,2 bilhões com fornecedores e terceiros e R$ 2 bilhões com financeiras.
A derrocada do Grupo Petrópolis começou em 2019, quando a empresa foi envolvida na Operação Lava Jato, em processo que investigou a dona da Itaipava por lavagem de dinheiro de propinas e repasses a campanhas de políticos. Walter Faria, dono do grupo, chegou a ficar quatro meses preso, denunciado por 12 crimes – deixou a prisão após pagamento de R$ 40 milhões em fiança. Na época, Vanuê Faria, sobrinho de Walter, admitiu à Polícia Federal que a dona da Itaipava funcionava como uma espécie de “banco” para a Odebrecht fazer “caixa três” mediante pagamentos no exterior. Em abril do ano passado, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou todas as decisões do processo contra Walter Faria. O estrago na imagem do grupo, porém, já estava feito. “Este mercado das cervejarias é muito competitivo, com margem pequena para erros”, afirmou Daniel Báril, sócio e coordenador da área de insolvência e reestruturação da Silveiro Advogados.

Paralelamente às questões judiciais que o Grupo Petrópolis enfrentava, o mercado cervejeiro passava por uma transformação no Brasil. Em especial, entrada de novos concorrentes, mudanças na forma de produção e distribuição, além das cervejas especiais ganhando mais mercado, como ressalta Fernando Moulin, partner da Sponsorb, consultoria boutique de business performance. De acordo com dados do Ministério da Agricultura, em 2021 o País registrou 1.549 cervejarias, aumento de 12% em relação ao ano anterior. A maioria delas artesanais. “O fato é que as pessoas estão consumindo cada vez mais cervejas premium, diferenciadas, artesanais e com sabores especiais — produtos diferenciados e de alto valor agregado”, disse Moulin. “Ainda é um nicho se analisarmos o mercado todo, mas é aquele que garante o share de margem do mercado [o value share], não o volume share”, afirmou o especialista.

No pedido de recuperação judicial, o Grupo Petrópolis disse que um dos fatores que complicou sua situação financeira foi o aumento sucessivo da taxa Selic, hoje em 13,75%, o que gerou impacto de aproximadamente R$ 395 milhões por ano no fluxo de caixa. Em trecho da petição a cervejaria afirmou que “a combinação desses fatores, exógenos e alheios ao controle das requerentes, gerou uma crise de liquidez sem precedentes no Grupo Petrópolis”. Houve encarecimento de insumos e serviços, mas como o preço da maioria das marcas da empresa não possibilita repasses tão altos para o consumidor, houve estrangulamento financeiro.

SAÍDA A Justiça do Rio de Janeiro nomeou os administradores judiciais do Grupo Petrópolis o Preserva-Ação e o Zveiter Advogados, a mesma dupla responsável pela recuperação fiscal da Americanas. Terão a missão de manter as oito fábricas em operação e os 24 mil empregos diretos. A capacidade de produção é de 52,34 milhões de hectolitros (1 hectolitro equivale a 100 litros), mas a operação atual não é nem a metade disso, na casa dos 24,1 milhões de hectolitros. Para minimizar as feridas na imagem da companhia, contratou a DC Comunicação, que se junta à equipe de comunicação corporativa da empresa.
Para Daniel Báril, o trabalho mais importante não está necessariamente a cargo das consultorias, time de comunicação ou dos advogados contratados, mas sim do Grupo Petrópolis. “Deve encontrar uma modelagem vencedora nesse mercado tão competitivo, gerando caixa e resultado para fazer frente a esse endividamento.” Fernando Moulin avalia que a cervejaria tem boas chances de se recuperar, pois tem marcas fortes e o recall do consumidor. “Entretanto, eles vão precisar reorganizar toda a operação, dado o prejuízo bilionário que tiveram nos últimos meses, de maneira a serem atrativos, inclusive para algum investidor em potencial comprar.”
Para isso, terá de oferecer produtos novos, mais alinhados ao novo gosto do consumidor, e encarar os fortes players, entre eles a gigante Ambev – líder de mercado com amplo portfólio e uma rede de distribuição e entrega de ponta –, a Heineken, que tem fisgado uma fatia cada vez maior de mercado premium, e as cervejas especiais – que também concorrem pelos clientes de itens de maior valor agregado. “O Grupo Petrópolis terá de se reposicionar e pensar em crescer seu market share no médio prazo”, disse Moulin. E tirar a água que caiu no chope.