Diante da necessidade de dar mais credibilidade aos compromissos com as boas práticas ESG, empresas aumentaram a busca por certificações. São muitas as disponíveis no mercado, mas poucas as que possuem expressão global — condição relevante, pois permite o imediato reconhecimento e comparabilidade dos resultados pelos mais diversos agentes sociais. Uma delas é a fornecida pelo Sistema B, movimento mundial de identificação de empresas que utilizam seu poder de mercado para solucionar problemas sociais e ambientais do planeta. No comando da entidade no Brasil está Rodrigo Santini, que comemora o crescimento de 38% entre as certificadas em 2022 contra 2021. “Há um crescimento exponencial na busca por certificações de empresas B diante do avanço da agenda ESG”, disse Santini à DINHEIRO. Um movimento que deve continuar e até melhorar após o caso da Americanas que, mesmo participando do seleto grupo do Índice de Sustentabilidade da B3 (ISE B3), enfrenta grave crise de governança. “Fatos como esse trazem aprendizados para todos e nos faz evoluir em critérios e métricas”.

Como parte decorrente da maturidade da agenda ESG, alguns novos conceitos surgem. Exemplo é a economia B. O que significa e quais seus princípios?
RODRIGO SANTINI — A economia B é aquela que tem a intencionalidade de trazer soluções sociais e ambientais para os desafios que a sociedade enfrenta. Ser uma empresa B significa participar da construção de um sistema econômico que seja mais inclusivo, equitativo e regenerativo. Esses negócios endereçam questões importantes e fazem parte da construção de uma jornada para um futuro no qual a gente tenha maior sustentabilidade.

É possível uma empresa tradicional se remodelar para integrar a economia B, ou é preciso que o impacto socioambiental seja o core do negócio?
A empresa pode sair de qualquer um desses lugares. O que interessa não é tanto de onde ela sai, mas sim para onde vai. Avaliamos uma empresa B por diversos critérios e atribuímos pontos a cada um deles. Então, claro que uma organização que nasce com a missão de resolver um problema socioambiental já parte de uma pontuação mais alta. Mas aquelas que estão na jornada de ser mais responsáveis com a comunidade e com o meio ambiente podem chegar lá. No Sistema B, temos um assessment que ajuda as corporações a identificarem em que etapa desse caminho ela está. É um aprendizado contínuo.

Quais critérios são cruciais para integrar a economia B?
São cinco grandes pilares. Governança, que avalia as políticas internas. Colaboradores, como as empresas tratam questões como saúde e remuneração dos funcionários, por exemplo. Em Comunidade, analisamos a relação das organizações com fornecedores e também com os grupos do entorno da empresa. Em Clientes, com seus consumidores. E em Meio Ambiente, com o planeta. Juntos, eles cobrem os três aspectos do ESG.

Mas por que escolher uma certificação como essa? Qual valor agregado?
Ao se autoavaliar e ao submeter esses cinco pontos a uma certificadora, a empresa consegue uma estrutura ESG forte e que conversa com outras empresas globalmente, porque os critérios são os mesmos. Assim, a organização passa a conseguir se comparar com outras e a identificar onde ela está na jornada. É uma referência que considera não só a questão ambiental­ — que está mais no foco das empresas — como também o lado social e de governança. Os três de maneira integrada.

A integração dos pilares ESG fica mais evidente com os avanços da discussão da relação da justiça climática com a justiça social. Como o mundo corporativo se correlaciona com a intersecção dessas agendas?
Falar de justiça social significa pensar nas vidas que são afetadas pelo processo das mudanças climáticas. Um exemplo da intersecção desses pontos com as empresas é a questão salarial. Empresas nas quais o salário médio do funcionário é muito discrepante ao pago aos altos executivos retratam e alimentam uma sociedade com distribuição de renda desigual. Isso pode significar, por exemplo, a formação de comunidades que colocam pessoas em situação de moradia de maior vulnerabilidade climática e social. Impactos como esse não foram pensados no passado e agora se tornam críticos.

Já há cidades ou estados trazendo a lógica da economia B para a gestão pública?
Sim. Há duas semanas, lançamos o SP+ B. A ideia é unir a iniciativa privada e a pública para gerar soluções de impacto para a cidade de São Paulo. O mesmo modelo está em curso no Rio de Janeiro (Rio+B) e em Barcelona ( Barcelona+B), por exemplo. Nelas e em outras cidades há uma união intersetorial para resolver as vulnerabilidades das cidades. Nós chamamos Sistema B, inclusive, porque é preciso criar um ecossistema que una financiadores, empresas e governo com ferramentas como certificações, controles, estatutos.

Nesse ecossistema qual é o papel do consumidor?
A primeira questão é compreender o lugar que esse consumidor ocupa. O que esse consumidor pode fazer: que tipo de modelo de consumo escolhe ter, como consome impactando menos. Quando ele escolhe um produto B, ele compra a responsabilidade da empresa nos cinco pilares que falamos anteriormente. Quando uma empresa comercializa um produto que não oferece nenhum tipo de solução positiva para a sociedade, alguém paga o preço. Inclusive quem o compra. Por isso, o aumento da consciência do consumidor é tão importante.

Mas essa consciência não acaba na hora que o preço não cabe no bolso?
A sensibilização ao preço existe, mas os consumidores demandam cada vez mais produtos de impacto positivo. O processo não é em linha reta, de vez em quando há um passo para trás, para depois evoluir.

Não é utopia pensarmos que teremos todos os agentes políticos, econômicos e governamentais alinhados em uma economia de impacto?
Não quero acreditar que seja utopia senão eu não estaria aqui. Mas acredito que existe uma coisa arquetípica perigosa que é rotular algo como do bem ou do mal. As questões são mais complexas. Cabe à sociedade civil cobrar ações positivas para que essas empresas mudem. É como eu disse. É importante olhar para onde a empresa está indo e criar uma governança para que essa jornada de boas práticas seja constante, parte de uma cultura organizacional e que não dependa somente das pessoas que passam pela empresa. ESG não é uma área da empresa, é uma forma de ser e de encarar o mundo dos negócios.

Falando em governança, lembramos o caso da Americanas que mesmo bem pontuada no Índice de Sustentabilidade da B3 (ISE B3) é protagonista de uma das maiores crises financeiras do País. Como assegurar que mesmo as certificadoras não sejam ludibriadas com falsas posturas ESG?
Certificadoras, empresas e organizações aprendem com os fatos. É aquela história de trocar o pneu com o carro andando. Estamos vivendo o momento em que muitas das ferramentas e dispositivos estão sendo criados. Para se ter uma ideia, 80% dos negócios de impacto no País ainda estão em fase inicial, 42% não possuem indicadores e 33% têm indicadores, mas não medem os resultados. Por isso, é necessário uma sociedade civil empoderada que consiga balizar o mercado sobre o que ele tem que olhar. Temos que estar juntos e revendo os processos. Agora mesmo o Sistema B lançou uma consulta pública para atualizar os padrões de certificação B. Os novos padrões devem ser apresentados em 2024.