29/11/2013 - 21:00
Nos anos 1990, um dos maiores sucessos da MTV era o desenho Beavis & Butt-Head. Os protagonistas passavam a tarde assistindo e comentando (com muitos palavrões) videoclipes. Em um episódio, Beavis pergunta ao seu companheiro como era a vida antes da televisão. “Deixa de ser estúpido”, disse Butt-Head. “A TV sempre existiu, só que agora há mais canais.” Beavis concorda: “Ah, o progresso é legal”. O raciocínio tortuoso, típico da dupla, não está de todo errado. Há cada vez mais canais, mas muitos deles não estão no televisor. Os vídeos estão nos tablets, celulares e computadores, que transportam os comentários dos telespectadores da sala de casa para uma praça pública global.
Agora, é um olho na telona e o outro na telinha do smartphone. Esse novo contexto muda completamente o mercado mundial de televisão, com consequências drásticas até para o povo que tem a novela como instituição nacional. A tradicional disputa entre emissoras como Globo, SBT e Record agora vai às redes sociais, do Twitter ao Facebook, que, por sua vez, entram em choque para tentar ser o principal canal de discussões dos espectadores. Na tangente, outra batalha é travada entre as plataformas de vídeo sob demanda, cliente a cliente, do YouTube ao Netflix. Para se ter uma ideia da quantidade de fichas à mesa nesse jogo, só em publicidade a televisão brasileira movimentou R$ 20,8 bilhões no ano passado, segundo o Meio & Mensagem.
O mercado em geral cresceu, canais fechados aumentaram o faturamento em 8,3% e a TV por assinatura, em 12,26%. Mas isso não significa que eles estejam parados. “É uma visão míope não ver que a televisão está mudando, hoje há estratégias específicas para cada programa na web”, afirma Antônio Guerreiro, diretor de novas mídias da Rede Record. A emissora tem reuniões diárias de planejamento de programação, do qual Guerreiro participa. “Somos produtores de conteúdo, é uma necessidade sermos multiplataforma”, diz Guerreiro. Há pouco mais de um mês, as principais atrações da emissora contam com ações dentro do Twitter para chamar para a TV e vice-versa. Vem mais por aí.
TV à la carte: o diretor de marketing da NET, Márcio Carvalho, aposta
na plataforma Now como diferencial da empresa
DINHEIRO apurou que a Record está em negociação avançada para disponibilizar seu conteúdo nos videogames da Microsoft e da Sony. Questionadas, as empresas não negaram nem confirmaram a informação. O SBT também entrou de cabeça nas redes sociais, fazendo com que seu slogan tenha tudo a ver com a chamada segunda tela: #compartilhe. Silvio Santos, dono do canal e da risada mais famosa do Brasil, ficou exultante com a repercussão que uma de suas pegadinhas teve no YouTube, a rede de vídeos do Google. Exibido há um ano, o quadro com uma menina fantasmagórica em um elevador rendeu seis mil vídeos, com mais de 200 milhões de visualizações.
A brincadeira teve repercussão internacional e o Homem do Baú deu sinal verde para estreitar os laços com o Google. Hoje, o canal oficial do SBT no YouTube tem mais de um milhão de assinantes. O diretor do programa da Eliana, Ariel Jacobowitz, estreou em outubro o quadro “Fenômenos do YouTube”, um concurso para transformar um anônimo em celebridade da internet e o premiar com R$ 50 mil. A ideia é uma adaptação do alemão YouTube Secret Talents. “A aposta deu certo e tendemos a fazer mais ações desse tipo”, afirma Jacobowitz. O SBT hoje é o grande exemplo de sucesso no YouTube, mas o Google quer mais.
“A plataforma complementa o ecossistema de distribuição das TVs”, diz o diretor de conteúdo para a América Latina, Alvaro Paes de Barros. Os números do site no País dão conta de sua importância estratégica. Segundo a ComsCore, o YouTube tem 59 milhões de visitantes únicos mensais. Uma ausência sentida nesse contexto é a da Globo. A empresa tem uma relação dúbia com as redes sociais. Quando o Twitter começou a se popularizar, a Globo tentou, em vão, impor regras estritas ao elenco. A emissora proibiu formalmente neste ano que seus programas citassem Facebook e Twitter – e este último passou a ser a “rede social de mensagens curtas” na novilíngua global. A maior parte das páginas dos produtos da Globo no Facebook não posta links.
Para analistas, essas atitudes apontam que a Rede Globo vê as redes sociais mais como inimigas do que como amigas. São dela os dois programas mais tuitados do ano passado: o último capítulo da novela Avenida Brasil (51 postagens por segundo) e a final do The Voice Brasil (47 por segundo). A assessoria de imprensa da emissora diz que a Globo reconhece que as “mídias sociais têm ajudado a potencializar o hábito tão brasileiro de falar da nossa programação”. A companhia afirma não ver as redes como distribuidoras de conteúdo, mas sim como meios de relacionamento. Já o SBT tenta aproveitar ao máximo as plataformas online. “Quando a (apresentadora) Julia Petit entra para falar de maquiagem, logo subimos na tela a hashtag #dicasdaJulia para o pessoal começar a conversar no Twitter”, afirma Jacobowitz.
Multitela: para Antônio Guerreiro, da Rede Record, hoje em dia
é inconcebível não pensar TV com as novas mídias
A tática tem dado resultado. O SBT e a Record, em geral longe da Globo na audiência televisiva, conseguem grande repercussão na internet (leia quadro). Isso leva a outra disputa: a das redes sociais que querem ser o centro das discussões. Os principais gladiadores são Facebook e Twitter. Apesar de o primeiro ter o quíntuplo de usuários em relação ao segundo, é do passarinho que as TVs gostam mais.“O Twitter é mais heterogêneo, permite pseudônimos e que uma pessoa siga a outra sem que a recíproca seja verdadeira”, afirma o professor Fabio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Ufes.
O Facebook reagiu e permitiu aos usuários seguirem o conteúdo público de pessoas que não são amigas e criando hashtags para fomentar discussões. O Twitter, ciente da própria vocação, pretende ampliar o leque de parcerias. Parte dessa estratégia está nas mãos de Carlos Moreira Jr., contratado há cinco meses para ser o diretor de mídia e marketing do microblog no País. “O Twitter é um belo termômetro dos programas, dada a característica de ser em tempo real e sem filtros”, afirma Moreira. O Facebook tem algoritmos que escondem alguns conteúdos. Procurado pela DINHEIRO, o Facebook não se pronunciou.
Dedinhos no Youtube: o diretor do programa da Eliana, Ariel Jacobowitz,
fechou parceria inédita no mundo entre o SBT e o YouTube
SOB DEMANDA O terceiro choque da nova forma de ver TV ocorre nas plataformas de vídeo sob demanda, que permitem assistir a filmes e séries quando e onde o cliente quiser. O Now, da operadora Net, foi lançado em 2011 e tem cerca de três milhões de usuários. O conteúdo selecionado fica disponível por 48 horas. “O Now hoje é um dos principais argumentos para atrair novos clientes para a NET”, afirma o diretor de marketing, Marcio Carvalho. A NET diz que investiu neste ano R$ 3,5 bilhões, a maior parte na ampliação das praças atendidas. Se a NET oferece a comodidade do controle remoto de um lado, o Netflix, maior referência de conteúdo sob demanda em vídeo, aposta nas múltiplas telas.
Basta pagar uma assinatura mensal, que no Brasil é de R$ 16,90. “TV a cabo é muito cara para muitas pessoas. As empresas estão crescendo no oferecimento de banda larga”, afirma Jonathan Friedland, executivo-chefe de comunicação do Netflix. “O Brasil é o único país onde o principal criador de conteúdo, a Rede Globo, não licencia seus produtos com a plataforma”, diz Friedland. “Não sabemos por que, mas também não tenho certeza se nos importamos com isso”, afirma. Os dois competidores ainda têm que se preocupar com o colossal YouTube, com mais de um bilhão de usuários únicos mensais. Praticamente todo gratuito, o site vem ganhando cada vez mais conteúdo profissional – vide o sucesso do programa humorístico Porta dos Fundos.