Se este ícone (72.jpg) apareceu e o computador travou, prepare-se para enfrentar a famigerada “tela azul da morte” do Windows. Nada representa melhor os problemas de qualidade de software da Micro­soft do que essa tela, com a mensagem de que ocorreu um erro fatal. É claro que a companhia de Red­mond, no Estado americano de Washington, desenvolve produtos incríveis, que são usados por centenas de milhões de pessoas mundo afora e geram bilhões de dólares aos seus cofres. Mas, quando a tela azul aparece, não há alternativa a não ser, para usar um jargão da área, “reinicializar” o computador. Em outras palavras: é preciso desligar o PC e começar de novo. 

 

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Na imensa maioria das vezes, a falha é corrigida e tudo volta ao normal. O maior desafio do indiano Satya Nadella, 46 anos, que assumiu na terça-feira 4 como novo CEO da Microsoft, será justamente “reinicializar” a Microsoft. A missão de Nadella é fazer reformas, sem abalar as sólidas estruturas montadas ao longo das últimas quatro décadas, e recolocar a companhia no caminho da inovação. Nesse trabalho de reconstrução, o engenheiro Nadella terá o apoio do mítico Bill Gates, o homem mais rico do mundo, que volta a dar as cartas na companhia que fundou ao lado de seu sócio, Paul Allen, em 1975. 

 

Gates renunciou à presidência do conselho de administração e será conselheiro tecnológico de Nadella. Estará novamente em suas mãos o futuro da dona do Windows e do Office, pois daqui para a frente participará diretamente do desenvolvimento de novos produtos, a exemplo do que fez até o fim dos seus dias outra lenda da indústria da tecnologia da informação, Steve Jobs, o criador da Apple. “Vou gastar 30% do meu tempo com a Microsoft”, disse Gates. Desde que deixou o dia a dia da companhia, em 2008, ele se dedicava quase exclusivamente às atividades de filantropia de sua fundação, a Bill & Melinda Gates.

 

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Nadella, que trabalha há 22 anos na Microsoft, é o terceiro CEO da história da companhia. Gates a comandou de 1975 até 2000. Na sequência, foi a vez de Steve Ballmer, o 30º funcionário contratado por Gates, assumir o posto de CEO. Ele ficou no cargo até a escolha de Nadella. Agora, Ballmer, conhecido pelo seu entusiasmo na defesa da Microsoft, levará seu estilo expansionista com doses cavalares de exagero para o conselho de administração da companhia, que passa a ser presidido por John W. Thompson, ex-CEO da empresa de segurança Symantec e ex-vice-presidente da IBM. Durante sua gestão, Ballmer ganhou o apelido de “monkey man”. 

 

A alcunha era apropriada. Ballmer é mais reconhecido por suas macaquices nos palcos dos eventos do que pelas inovações que promoveu na Microsoft. Sua entrada triunfal em uma conferência com parceiros de negócios, em 2006, gritando “desenvolvedores, desenvolvedores, desenvolvedores”, já foi vista por milhões de pessoas no YouTube. A partir de agora, o sempre exagerado Ballmer vai ceder espaço para um executivo de perfil diametralmente oposto, um homem reservado, com sólida formação tecnológica, cujos hobbies são o críquete, esporte popular na Índia, e a poesia. Mas Nadella já tem ao menos um mantra para espalhar pelos quatros cantos do escritório da Microsoft: inovação, inovação, inovação. 

 

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“Vou remover impiedosamente todos os obstáculos que nos impedem de inovar”, disse ele, em sua primeira entrevista após a indicação para o posto. Em um e-mail para os funcionários, mais uma vez sintetizou sua visão sobre o assunto. “Nossa indústria não respeita tradição, apenas a inovação.” Gates será fundamental nessa tentativa de trazer de volta a chama da criatividade para a Microsoft. E não é sem tempo. Se fosse uma série de tevê, a Microsoft poderia ser comparada a “Friends”, seriado que retratava as venturas e desventuras de seis amigos nova-iorquinos e fez muito sucesso na década de 1990. Nos anos dourados da série televisiva, o Google estava nascendo, a Apple começava a sair do buraco financeiro, a Amazon só vendia livros e o Facebook nem existia. 

 

A Microsoft, por sua vez, reinava sozinha na era da computação pessoal. Todos esses rivais, no entanto, não ficaram parados no tempo como a Microsoft, que ainda é muito dependente das receitas e, principalmente, dos lucros do sistema operacional Windows e do pacote de aplicativos de escritório Office. Os dois representaram mais de 90% do lucro operacional de US$ 26,7 bilhões da empresa em seu ano fiscal de 2013. O drama da Microsoft é que ambos vêm perdendo relevância. Em 2000, quando Ballmer assumiu o poder, o Windows estava instalado em 93% dos equipamentos tecnológicos, segundo estudo do banco de investimento Goldman Sachs. 

 

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Em 2012, essa participação se reduzira a apenas 19%. Ao mesmo tempo, a despeito de todos os esforços bilionários em diversas áreas, a Microsoft não conseguiu avançar em segmentos vitais para o seu futuro, como o de mobilidade. Seu sistema operacional, o Windows Phone, detém apenas 3% do mercado – muito, mas muito atrás do Android, do Google, e do iOs, da Apple. “Há uma série de distrações que tiram a Microsoft do foco, como o mecanismo de busca Bing, o videogame Xbox e a área de venda de publicidade online”, diz um ex-funcionário da subsidiária brasileira. “A Microsoft precisa voltar a liderar, e não a seguir o Google e a Apple.”

 

GATES VERSUS JOBS O retorno de Gates à Microsoft tem sido comparado por muitos analistas à volta de Steve Jobs à Apple, em 1996. Há algumas semelhanças nos dois casos, mas seus contextos são bem distintos. Gates, por exemplo, havia deixado a função executiva, mas ainda atuava como presidente do conselho de administração. Logo, ele estava por perto, mesmo nestes últimos anos complicados. Jobs, por sua vez, foi demitido da empresa que fundara, em 1985, e permaneceu afastado. Quando assumiu a presidência, a empresa de Cupertino estava à beira da falência. A Microsoft, ao contrário, é uma das mais lucrativas companhias do setor de tecnologia, uma máquina de fazer dinheiro. 

 

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Quatro homens e um destino: Gates (acima, à esq.) voltou e vai gastar 30%

de seu tempo ajudando Nadella (acima, no centro). Ballmer (acima à dir.), que comandou

a Microsoft nos últimos 14 anos, ganha uma vaga no conselho, que será presidido

por Thompson (segunda foto acima) 

 

Em seu segundo trimestre fiscal, lucrou US$ 6,5 bilhões, alta de 2,8% em relação ao mesmo período do ano passado. Assim como Jobs, é portador de um carisma capaz de levantar o moral de qualquer tropa. “Gates ainda é muito respeitado internamente”, diz Al Gillen, vice-presidente da consultoria americana de tecnologia IDC. Em comum, no entanto, a exemplo da Apple na segunda metade dos anos 1990, a Microsoft carece de produtos matadores, capazes de fazer com que os consumidores se sujeitem a enfrentar longas filas por horas, até dias, para comprá-los. O que Jobs, morto em agosto de 2011, fez para salvar a Apple já virou história, retratada em prosa, verso e filmes.

 

Mas não custa relembrar os principais pontos. Num primeiro momento, ele encolheu a Apple. Demitiu milhares de funcionários, jogou na lata do lixo produtos deficitários e se concentrou em uma nova linha de computadores, batizada de iMac, que surpreendeu o mundo pelo design oval e colorido, em 1998. Mais adiante, lançou o iPod (2001), o iPhone (2007) e o iPad (2010), que revolucionaram, respectivamente, os mercados fonográficos, de smartphones e de computadores. Em resumo: Jobs criou a base do mundo pós-PC que tantos desafios trouxe à Microsoft e tornou a Apple a empresa mais valiosa do mundo, avaliada em mais de US$ 450 bilhões.

 

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Não se espera tamanha exuberância inovadora da dupla Gates e Nadella. A escolha do indiano indica que a Microsoft optou por um caminho menos traumático para se reinventar, ao promover um funcionário com muitos anos de casa em vez de contratar um forasteiro, como chegou a ser cogitado nas especulações que circularam durante os sete meses de procura por um novo CEO, inaugurada pelo anúncio de que Ballmer estava de saída. “Eles precisam reparar as partes avariadas, como o Windows, os smartphones e os tablets, mas sem quebrar as rentáveis, como computação em nuvem, serviços corporativos e o Office”, diz Rob Enderle, analista principal da consultoria americana Enderle Group. 

 

Um relatório do Bank of America Merrill Lynch prevê que não haverá demissões em larga escala nem desinvestimento no Xbox e no Bing, considerados negócios de baixa margem. “Não acreditamos que a Microsoft irá mudar apenas porque os investidores de Wall Street querem ganhos de curto prazo”, escreveu o analista Kash Rangan. Por outro lado, a Microsoft não trocou o seu CEO para deixar tudo como está. Há uma lista nada pequena de tarefas à espera de Gates e Nadella (confira quadro “Os desafios do chefão”).

 

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Satya Nadella: ”Vou remover impiedosamente todos os obstáculos

que nos impedem de inovar. Nossa indústria não respeita tradição,

apenas a inovação”

 

“Eles devem avaliar o portfólio completo da empresa com olhos bem atentos para saber quais produtos se encaixam em suas visões”, afirma David Cearley, vice-presidente da consultoria americana Gartner, especializada em tecnologia. A questão é se a companhia conseguirá, após articular uma nova visão, mover-se na velocidade suficiente para entregar as inovações que o mercado espera. “A Microsoft continua na faixa da direita da estrada a 55 milhas por hora”, escreveu Daniel Ives, analista do banco de investimento americano FBR&Co. “O medo dos investidores é de que outros fornecedores de tecnologia estejam mais rápidos na faixa da esquerda, que é a da inovação e do crescimento.”

 

ACREDITE NO IMPOSSÍVEL Na comunicação aos funcionários, logo após ser anunciado como CEO, Nadella parafraseou o escritor irlandês Oscar Wilde: “Nós precisamos acreditar no impossível e remover o improvável”, escreveu em sua mensagem (a frase original é “os homens podem acreditar no impossível, mas nunca no improvável”). Será que ele está em posição de fazer o impossível? A seu favor, Nadella conta com o conhecimento da indústria de software, bem como da cultura da Microsoft, onde passou a maior parte de sua vida profissional. 

 

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O executivo foi também bem-sucedido na implementação da estratégia de computação em nuvem, considerada vital para o futuro da companhia. Nessa área saiu-se tão bem que conseguiu fazer o que muitos consideravam improvável: concorrer de igual para igual com a Amazon. A divisão que comandava contribuiu com uma receita de US$ 20,3 bilhões e um lucro operacional de US$ 8,1 bilhões no ano fiscal de 2013. Para efeito de comparação, a área do Windows lucrou US$ 9,5 bilhões no mesmo período, queda de 18%, fruto da lenta adoção do Windows 8, a mais recente versão do sistema operacional de janelas.

 

A aprovação à indicação de Nadella como CEO, contudo, não é unânime. Muitos analistas consideram que, como um funcionário antigo, ele pode não ter pulso para fazer as mudanças necessárias. Um dos reparos é de que nunca comandou uma grande empresa. Pouco se conhece, ainda, de sua visão sobre a área de mobilidade e como pretende integrar a fabricante finlandesa de celulares Nokia, adquirida por US$ 7,2 bilhões no ano passado. “Nadella enfrentará as mesmas questões que atormentaram Ballmer”, diz Charles King, analista da consultoria canadense Pund-IT. 

 

“Ele precisará preservar os negócios tradicionais, como Windows e Office, ao mesmo tempo que terá de se expandir para novas áreas, como mobilidade e computação em nuvem.” Não é, como se sabe, uma tarefa trivial. Se Nadella e seu mentor Gates conseguirem dar conta do recado, terão recolocado a Microsoft na senda da inovação. Não é impossível, mas parece improvável. E se até o seriado “Friends” pode retornar com uma nova temporada, segundo rumores que circulam na internet, por que a Gates e Nadella não podem destravar a Microsoft, sacudir as tropas e retomar o espírito criativo dos primeiros anos?

 

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